O embaixador Sérgio Florêncio lembra-se bem da manhã do dia 11 de setembro de 2001. Então funcionário da Secretaria de Comunicação do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, o diplomata contou que, no Palácio do Planalto, as pessoas chegaram a pensar que o impacto do segundo avião na Torre Norte do World Trade Center era uma reprise do primeiro atentado, ocorrido minutos antes.
“Foi uma grande confusão naquele dia. Tinha gente que dizia: é videotape do atentado. Afinal, houve um atentado quase que imediatamente parecido ao anterior. Outros diziam que era verdade, ao vivo. Ninguém poderia acreditar naquilo. Realmente foi muito marcante”, comentou em sua participação no programa Mapa Mundi, da BandNews TV.
Na avaliação de Florêncio, a reação norte-americana aos atentados de 11 de setembro de 2001 foi “talvez um dos maiores erros de sua história política recente”.
“Transformar a resposta a esse atentado como o eixo central da política americana, com a chamada Guerra ao Terror, foi o grande erro da política externa dos EUA, que gerou muitas consequências”, afirmou o diplomata.
Sérgio Florêncio era diplomata em Teerã em 1979 e testemunhou a Revolução Iraniana. Acompanhou de perto também a invasão soviética do Afeganistão e o rompimento das relações entre Brasil e Afeganistão no mesmo ano.
Florêncio lembra que o atentado de 11 de setembro de 2001 nos EUA e a invasão do Afeganistão seriam os dois acontecimentos mais marcantes na política externa dos EUA nos anos recentes. “É aquilo que podemos chamar de dois pontos de inflexão no curso da história e da geopolítica mundial”, disse.
“O atentado marcou uma grande mudança de rumo da política externa norte-americana. Na verdade, o [ex-presidente George W.] Bush foi eleito com uma plataforma de governo mais armamentista, o que contrastava muito com o [ex-presidente Bill] Clinton, que foi o presidente da conciliação e da globalização, de um tempo em que os Estados Unidos não se afirmavam pelas armas, mas pelo êxitos, pelos benefícios gerados pela globalização econômica”, explica o embaixador.
Vídeo: o testemunho de quem sobreviveu ao atentado
Além da plataforma armamentista de Bush, o diplomata acredita que reação dos EUA foi, de certa forma, algo natural.
“Foi uma agressão monumental aos Estados Unidos, um atentado em território americano com 3 mil mortos. Os americanos têm essa ideia de que eles participaram das duas grandes Guerras Mundiais, participaram da Guerra da Coreia, de diversas intervenções [militares]. Mas todas fora de solo americano. Então o 11 de setembro foi interpretado como uma afronta transcendental ao país e, portanto, precisava uma resposta forte.”
O diplomata avalia também que a Guerra ao Terror, com a invasão do Afeganistão, trouxe consequências desastrosas. "Na verdade, o atentado às Torres Gêmeas gerou uma coisa tão desastrosa para o mundo, sobretudo para o Oriente Médio, e muito desastrosa para a política norte-americana que foi invasão do Iraque em 2003”.
“Bush, com esse delírio de transformar a Guerra ao Terror no eixo central da política norte-americana, gerou a ideia de que os Estados Unidos precisavam dominar todas as áreas de instabilidade do Oriente Médio. E aí os EUA invadem o Iraque alegando a existência de armas destruição de massa que nunca existiram”, lembra Florêncio.
Vídeo: os impactos da Guerra ao Terror contra o Oriente Médio
42 anos de conflitos no Afeganistão
Para o embaixador, o 11 de Setembro e a invasão do Afeganistão em busca do líder da Al-Qaeda, Osama bin Laden, não podem ser analisados de forma isolada.
“É preciso recuar um pouco no tempo para entender o sentido de tudo isso. Em dezembro de 1979, a União Soviética invadiu o Afeganistão. A retirada ocorre praticamente uma década depois, com a queda do muro de Berlim e o desmembramento da União Soviética em 1991. E aí vem uma guerra civil no Afeganistão, que faz com que grupos mujahedin e do Talibã, que é criado em 1994 durante essa guerra civil, se consolidassem. Em 1996, o Talibã assume o poder e ficaram no comando até pouco depois do atentado às Torres Gêmeas, caindo com a invasão dos EUA”, explica.
“Então, na verdade, são 42 anos de um país em guerra. É uma das guerras mais longas da história da humanidade”, diz.