Enquanto o sul da Europa sofre com uma onda de calor opressiva e insistente, a Grécia está celebrando o 50º aniversário da restauração de sua democracia com cerimônias oficiais, exposições, concertos e a emissão de uma moeda comemorativa de 2 euros.
Os festejos se justificam, já que a democracia nunca se mostrou tão resistente por tanto tempo na história moderna do país.
No entanto, também é um momento de reflexão, pois a restauração do regime democrático em 1974, após o colapso da junta militar grega, está intrinsecamente ligada à divisão do Chipre, que persiste até hoje.
Divisão do Chipre e a queda da junta militar
Em 15 de julho de 1974, o grupo de coronéis que havia tomado o poder na Grécia sete anos antes deu um golpe de Estado em Chipre, derrubando o governo do arcebispo Makarios, presidente da ilha.
Temendo que a Grécia estendesse seu domínio, a Turquia invadiu o Chipre e assumiu o controle de cerca de 36% da ilha mediterrânea, o que resultou em seu atual traçado. Nicósia, a capital do Chipre, continua até hoje uma cidade dividida.
Na esteira do fracasso militar na ilha, a junta na Grécia implodiu, e o pessoal da marinha, que era fundamental para a junta, depôs seu líder, Dimitrios Ioannidis.
Um recomeço democrático
Em 23 de julho de 1974, os coronéis entregaram o poder a um governo civil e, um dia depois, o ex-primeiro-ministro Konstantine Karamanlis voltou do exílio na França e apresentou seu novo gabinete.
Embora os acontecimentos em Chipre terem desencadeado o colapso da junta na Grécia, houve resistência à ditadura militar antes disso. Essa resistência atingiu seu auge durante a revolta estudantil na Politécnica de Atenas, que foi brutalmente fechada pela ditadura militar em 17 de novembro de 1973.
Muitos gregos deixaram o país em exílio. O Serviço grego da Deutsche Welle tornou-se um porta-voz da resistência ao regime militar.
Grécia: uma democracia forte e resistente
Nesta semana, a Grécia relembra o fim da ditadura militar e olha para trás com orgulho para seus 50 anos de democracia.
Há semanas, políticos, juristas, historiadores, cientistas políticos, artistas e jornalistas compartilham o que consideram terem sido os sucessos e fracassos do país nas últimas cinco décadas.
As pessoas ainda falam do "Metapolitefsi", o período de transição após o fim da ditadura, como se a durabilidade da democracia do país ainda estivesse em dúvida. Mas a Terceira República Helênica é estável, forte e resistente, apesar das inúmeras crises políticas e econômicas dos últimos 50 anos.
Por um lado, os militares foram permanentemente afastados da política. O rei foi removido do poder pela junta em dezembro de 1967 e não retornou mesmo após a queda do regime militar.
A maioria das feridas da guerra civil (1944-1949) foi curada. O sistema parlamentar também está funcionando mais ou menos bem há meio século.
Mudança de governo como prova de normalidade
As mudanças de governo resultantes de eleições democráticas são normais na Grécia moderna e ilustram a força da democracia grega. Isso ficou claro pela primeira vez em 1981, quando o partido socialista Pasok venceu as eleições ao derrotar o partido conservador Nova Democracia (ND).
A democracia grega também permaneceu estável depois que o país quase foi à falência em 2010. Durante a crise que se seguiu, a Grécia foi governada pela primeira vez por um governo de unidade nacional, uma grande coalizão dos arquirrivais ND e Pasok.
Quando essa coalizão não conseguiu controlar a dívida soberana e a crise econômica do país, o partido Syriza, de esquerda radical, foi eleito em 2015. A sigla formou um governo de coalizão com os Gregos independentes, populistas de direita.
Quando a crise foi superada – após um enorme esforço nacional, muitos sacrifícios e assistência da União Europeia – os eleitores gregos optaram por outra mudança, elegendo os conservadores para o governo mais uma vez.
Compromisso claro com o Ocidente
Desde a restauração de sua democracia, a Grécia tem marcado presença de forma clara no Ocidente. Ela é membro da Otan desde 1952, aderiu à Comunidade Econômica Europeia (atual União Europeia) em 1981 e adotou o euro como moeda em 2001.
Durante a crise financeira, que durou de 2009 a 2019, e apesar de muitas ameaças de políticos europeus, a Grécia permaneceu na UE.
Internamente, o país também avançou: tem um sistema público de educação e saúde aberto a todos e introduziu uma lei familiar muito progressista no início da década de 1980, que garantiu direitos iguais para homens e mulheres (pelo menos em teoria) e até mesmo a legalização do aborto.
Recentemente, em fevereiro de 2024, a Grécia legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o primeiro país de maioria ortodoxa cristã a fazê-lo.
"Pátria, religião, família"
Dito isso, os governos gregos raramente conseguiram (ou quiseram) aprovar leis contra a vontade da Igreja. O lema da junta militar – "Pátria, religião, família' – parece estar ainda enraizado na cabeça de alguns cidadãos gregos.
Um partido de extrema direita entrou no cenário político da Grécia pela primeira vez durante a crise econômica: o nazista Aurora Dourada foi eleito para o parlamento em 2012 e reeleito várias vezes até que alguns de seus líderes foram condenados em 2020 por administrar uma organização criminosa acusada de vários crimes, inclusive assassinato.
Pessimismo sobre instituições democráticas
Apesar da longevidade, os gregos não parecem estar satisfeitos com a qualidade de sua democracia. De acordo com uma pesquisa realizada pelo instituto de pesquisa Eteron, 82,2% acreditam que não há melhor forma de governo do que a democracia, mas cerca de 70% ainda se dizem insatisfeitos com a forma como a democracia funciona na Grécia.
Apenas 34% confiam nas autoridades, 31,4% no governo e 29,4% no judiciário.
Apenas 25,9% aprovam o parlamento, mas ainda é um índice superior ao dos partidos políticos, que têm a confiança de apenas 13,6% da população. Somente a mídia tem uma reputação pior, com uma taxa de aprovação de apenas 6,5%.
Os cidadãos gregos reclamam que as decisões do governo são influenciadas pelos interesses dos ricos e poderosos, e que os partidos não estão lutando pelo interesse público. As pessoas estão indignadas com a corrupção e a falta de responsabilidade dos partidos e dos políticos.
Além disso, a visão de futuro da população é pessimista: mais da metade acredita que a geração atual está pior do que a anterior, e dois terços presumem que as coisas serão ainda piores para a próxima geração.
Autor: Bettina Marx, Rüdiger Rossig