O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou nesta segunda-feira (30/09) que até 600 sites de apostas online, conhecidos como bets, que não entraram com pedido de regulação do governo serão banidos do Brasil nos próximos dias pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Em entrevista à rádio CBN, Haddad afirmou que o governo vai monitorar o CPF de apostadores e proibir o pagamento de apostas via cartão de crédito ou Bolsa Família, como forma de conter os prejuízos causados pelo avanço das bets no país.
O ministro fez ainda um alerta aos jogadores, recomendando que resgatem os valores que possuem nessas plataformas o quanto antes, a fim de evitarem perder dinheiro.
"Do mesmo jeito que o X saiu do ar, essas empresas devem sair também, por falta de adequação a legislação aprovada pelo Congresso Nacional. Se você tem dinheiro em casa de aposta, peça a restituição já."
A medida faz parte de um esforço do governo para regulamentar o setor de apostas, que tem crescido de forma descontrolada no Brasil desde a sua legalização em 2018, durante o governo de Michel Temer, virando um problema de saúde pública e endividamento familiar.
Na época, as apostas de quota fixa foram permitidas, mas a regulamentação ficou pendente, o que permitiu a proliferação de sites sem supervisão e recolhimento de impostos. A intenção do atual governo é corrigir esse atraso na regulação e implementar medidas mais rígidas para proteger os apostadores e combater crimes como lavagem de dinheiro.
"As bets foram legalizadas no final do governo Temer, e a lei previa que o Executivo teria dois anos para regulamentá-las, prorrogáveis por mais dois. Ou seja, a lei previa que durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro o assunto tinha que ser regulamentado. Mas Bolsonaro não fez isso", disse o ministro.
Segundo Haddad, o atual governo tentou regulamentar as casas de apostas no primeiro semestre de 2023 por meio de uma medida provisória, mas o documento "caducou" e não foi votado pelo Congresso.
Nem Bolsa Família nem cartão de crédito
Na entrevista à CBN, Haddad também afirmou que o governo vai banir a partir de outubro algumas formas de pagamento para as apostas online, como cartões de crédito e do Bolsa Família.
Um levantamento feito pelo Banco Central a pedido do senador Omar Aziz (PSD-AM) mostra a dimensão do problema: apenas em agosto de 2024, 5 milhões de beneficiários do programa de transferência de renda gastaram R$ 3 bilhões em apostas, o que equivale a 21% dos recursos totais repassados pelo programa no mês. A maioria desses gastos foi feita via Pix, e 70% dos apostadores identificados são chefes de família que utilizaram o benefício social para financiar suas apostas.
O levantamento do Banco Central, que subsidiou a decisão do governo, também indicou que 17% dos cadastrados no Bolsa Família realizaram apostas no período analisado. Esses dados revelam uma tendência preocupante, de as camadas mais vulneráveis da população estarem sendo as mais afetadas pela disseminação das apostas online.
O estudo mostrou que o apelo das bets, com promessas de ganhos ao alcance de um clique, exerce forte influência sobre essas famílias, encorajando uma utilização imprudente de recursos que deveriam ser destinados à subsistência.
A proibição do cartão de crédito a partir de outubro já estava pactuada com as empresas do setor, que aceitaram antecipar o prazo, originalmente janeiro de 2025. O Banco Central estima que, apenas em agosto, cerca de 24 milhões de pessoas físicas participaram de jogos de azar e apostas no Brasil, realizando pelo menos uma transferência via PIX para as empresas responsáveis.
Monitoramento de comportamento de risco
Uma das principais medidas anunciadas por Haddad envolve o monitoramento das apostas e premiações por meio do CPF dos jogadores, o que permitirá ao governo identificar comportamentos de risco, como a dependência em jogos de azar. Além disso, o sistema de acompanhamento será capaz de detectar movimentações financeiras suspeitas, identificando possíveis casos de lavagem de dinheiro.
Haddad explicou que apostadores com comportamento irregular poderão ter seus dados compartilhados com familiares, permitindo que cônjuges e parentes sejam alertados sobre a situação. "Quem aposta muito e ganha pouco está com dependência psicológica, quem aposta pouco e ganha muito está geralmente lavando dinheiro", comentou.
Desde a legalização das apostas, o Brasil se tornou o terceiro maior mercado de jogos de azar do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Reino Unido. A popularidade das plataformas de apostas cresceu exponencialmente, especialmente entre os mais jovens e a população de baixa renda.
Governo quer regulamentar publicidade
Além de proibir o uso de certos métodos de pagamento e rastrear CPFs, o governo estuda medidas para regulamentar a publicidade das apostas, que, segundo Haddad, está "completamente fora de controle".
A Google, por sua vez, anunciou que, a partir desta semana, só permitirá anúncios de casas de apostas que tenham registro no Ministério da Fazenda, como parte de uma atualização em suas políticas de publicidade.
O ministro Haddad enfatizou durante a entrevista que as apostas, que inicialmente surgiram como uma modalidade legal de entretenimento, se transformaram num problema social e econômico de grandes proporções.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou indignação com o fato de verbas do Bolsa Família estarem sendo utilizadas para apostas, destacando que o programa social foi criado para atender às necessidades básicas das famílias atendidas.
Como se manifesta o vício em jogos
A dependência em jogos de azar, conhecida como ludopatia, tem sido classificada como um problema de saúde pública. Estima-se que cerca de 2 milhões de brasileiros sofram desse transtorno, que afeta o comportamento e o sistema de recompensa do cérebro de forma semelhante à dependência de drogas e álcool.
Especialistas destacam que o vício em apostas pode se agravar rapidamente, levando o jogador a realizar apostas cada vez maiores em busca do mesmo nível de satisfação. Essa compulsão muitas vezes passa despercebida, até os prejuízos financeiros e emocionais serem irreversíveis.
Segundo Luciana Becker, psicóloga e especialista em Transtornos Adictivos pela PUC Rio, o sistema de recompensa cerebral é diretamente impactado pelo jogo patológico.
"Quando uma pessoa ganha ou está prestes a ganhar, o cérebro libera grandes quantidades de dopamina, neurotransmissor associado ao prazer e à satisfação. Esse aumento gera uma sensação de euforia, incentivando o jogador a buscar repetir a experiência", explica Becker.
sf/av (ABR, Reuters, ots)