Governo alemão corre para legalizar aborto antes das eleições

Procedimento ainda é ilegal no papel, mas pode ser realizado sem punição até 12 semanas de gestação após uma sessão de aconselhamento. Aborto voltou a ser tema da campanha eleitoral.

Por Deutsche Welle

Parlamentares alemães de partidos de centro e de esquerda correm para legalizar o aborto na Alemanha. Embora o procedimento seja ilegal no país, desde a década de 1990, as mulheres podem interromper a gravidez nos primeiros três meses de gestação sem risco de um processo legal se passarem por um aconselhamento antes do procedimento. O aborto é também expressamente permitido após um estupro, ou se há perigo para a vida ou a saúde física ou psíquica da mulher.

O parágrafo 218 do Código Penal que proíbe o aborto entrou pela primeira vez na legislação da Alemanha em 1871, e há muito vem gerando controvérsias. As deputadas Ulle Schauws, do Partido Verde, e Carmen Wegge, do Partido Social Democrata (SPD), lideram ações para excluí-lo da legislação antes do fim da atual legislatura, em fevereiro de 2025.

A exigência de aconselhamento obrigatório, no entanto, foi mantida, numa tentativa de obter mais apoio entre os partidos. Porém, a proposta de legalização acaba com o tempo de espera de três dias após esse aconselhamento para a realização do procedimento.

O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, do SPD, endossou a proposta, atraindo críticas ferozes de seu principal oponente na próxima campanha eleitoral.

O líder da União Democrata Cristã (CDU), o conservador católico Friedrich Merz, se manifestou veementemente contra a iniciativa, a descrevendo como uma "afronta ao povo". Ele disse se tratar de um assunto que "polariza o país como nenhum outro", capaz de "desencadear um conflito social completamente desnecessário na Alemanha".

As pesquisas, no entanto, indicam haver um forte apoio público à descriminalização do aborto, com 74% dos entrevistados a favor do acesso irrestrito à interrupção da gravidez nos primeiros três meses de gestação.

Criminalização afeta mulheres e médicos

Os médicos que realizam abortos estão se aposentando. Ao mesmo tempo, os estudantes de medicina não aprendem a realizar o procedimento. Desde 2003, o número de consultórios médicos que realizam abortos caiu quase pela metade na Alemanha. A situação é particularmente difícil em algumas áreas do sul do país, obrigando mulheres a se deslocarem por longas distâncias para ter acesso ao procedimento.

A coalizão de centro-esquerda formada pelo SPD e os Verdes juntamente com o Partido Liberal Democrático (FDP) assumiu o poder em 2021 e, na época, prometeu reformas.

Em 2022, os legisladores revogaram o parágrafo 219a do Código Penal, que impedia médicos de informar os métodos de aborto por eles oferecidos.

Para os médicos, a burocracia legal, a ameaça de processo e o possível assédio por ativistas antiaborto também são muito desencorajadores, explicou Stephanie Schlitt, vice-presidente do ProFamilia, um órgão independente de planejamento familiar que pede mudanças na legislação desde a década de 1970.

Também houve recentemente uma proibição ao chamado assédio de calçada, criminalizando ativistas antiaborto que protestem agressivamente perto de centros de aconselhamento, hospitais ou consultórios médicos que oferecem aconselhamento sobre gravidez ou realizam abortos.

Obstáculos às mulheres e médicos

Segundo Schlitt, o aborto continua sendo um processo cheio de falhas, envolvendo altos custos, burocracia complexa e preconceitos. Os custos do procedimento geralmente não são cobertos pelas empresas de seguro de saúde. As pílulas abortivas são permitidas na Alemanha apenas até 49 dias após a concepção.

Em abril de 2024, uma comissão de 18 especialistas médicos e éticos nomeada pelo governo concluiu que a criminalização não era mais sustentável sob as leis constitucionais, internacionais e europeias. As recomendações, no entanto, foram arquivadas após a resistência de alguns membros do FDP, que deixou de integrar o governo em meio a uma crise política que resultou na convocação de novas eleições no país.

A deputada do FDP Katrin Helling-Plahr expressou sua oposição à iniciativa mais recente. Ela disse ao portal online da Igreja Católica Romana na Alemanha katholisch.de que achava inapropriado "jogar um tópico tão complexo diante do Bundestag (Parlamento) nos metros finais" do atual governo. Contudo, a organização juvenil do FDP escreveu aos parlamentares do partido pedindo a continuação do debate.

A vice-presidente da ProFamilia criticou as tentativas políticas de retratar a nova iniciativa multipartidária como um trabalho apressado. "Esse passo já deveria ter sido dado há muito tempo. A Alemanha tem uma das leis mais restritivas sobre abortos na Europa", disse Schlitt.

Votação aberta no Parlamento

É provável que uma oposição feroz à proposta venha não apenas do bloco conservador da CDU e sua legenda coirmã na Baviera, a União Social Cristã (CSU), mas também da ultradireita. Na campanha eleitoral, Alternativa para a Alemanha (AfD) assumiu uma posição "pró-vida", priorizando a proteção do feto e rejeitando o aborto.

As novas propostas do SPD e dos Verdes são apoiadas pelo partido A Esquerda, que defende a remoção do parágrafo 218 do Código Penal e a garantia da oferta de contracepção gratuita. O partido afirma ainda que os obstáculos atuais são incompatíveis com o direito das mulheres à autodeterminação, além de afetar desproporcionalmente os grupos de baixa renda.

Schauws, dos Verdes, disse acreditar que o novo partido populista de esquerda Aliança Sahra Wagenknecht (BSW) deverá se abster ou também apoiar a iniciativa.

Com a provável guinada à direita esperada nas próximas eleições, Schlitt vê "uma janela histórica de oportunidade". Ela alerta que "a polarização da sociedade é mais provável se a lei permanecer como está, porque as mulheres e gestantes verão que seus interesses não contam".

Se a proposta for apresentada ao Bundestag, a votação ocorrerá de maneira aberta. É possível que vejamos a CDU/CSU e a AfD votando juntas para se opor à medida, o que criará um dilema para os conservadores cristãos, já que eles se recusaram anteriormente a colaborar com a AfD.

Autor: Julie Gregson

Tópicos relacionados

Mais notícias

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.