Um colégio eleitoral recém-formado da Geórgia vai escolher o próximo presidente da antiga república soviética no próximo sábado (14/12). Mas a turbulência social e política que sacode o país há semanas pressiona o processo eleitoral e coloca em dúvida a legitimidade da escolha do futuro chefe de Estado georgiano.
Desde a altamente contestadada eleição legislativa de outubro deste ano, o país enfrenta uma onda de protestos, respondidos pelo governo com o uso de força, em uma ação policial que já deixou dezenas de presos e feridos. Manifestantes afirmam que houve fraude no pleito de outubro, e não reconhecem o novo parlamento.
Os protestos ocorrem em meio ao crescente confronto entre a oposição e o partido governista. De um lado da disputa está a atual presidente do país, Salomé Zurabishvili, pró-Europa, e, do outro, o primeiro-ministro, Irakli Kobakhidze, membro do partido pró-Rússia Sonho Georgiano.
A decisão do governo de suspender as conversas para adesão da Geórgia à União Europeia pioraram o cenário de violência nas ruas do país.
Presidente com poderes limitados
A crise política foi exacerbada por uma série de reformas feitas à Constituição em 2017, encampadas pela maioria parlamentar do Sonho Georgiano. Os deputados mudaram, por exemplo, o próprio sistema de governo, transformando o país em uma república parlamentar, o que limitou drasticamente os poderes do presidente.
Com as mudanças, a eleição presidencial de 2018 foi a última em que o chefe de Estado foi eleito diretamente pela população. Salomé Zourabichvili, cuja candidatura foi apoiada na época pelo partido do governo, venceu a votação. Mas desde então, o relacionamento entre ela e o Sonho Georgiano se deteriorou.
Após a reforma entrar em vigor, o presidente da Geórgia, que tem um papel cerimonial, passou a ser escolhido por um colégio eleitoral de 300 pessoas, composto por 150 representantes do parlamento recém-eleito e 150 delegados regionais. Como o partido Sonho Georgiano tem maioria parlamentar e influência considerável nas regiões do país, os candidatos da oposição não têm chance de vitória na primeira eleição deste modelo, a ser realizada neste sábado.
Oposição boicota eleição
Por isso, a oposição está boicotando tanto o parlamento recém-eleito quanto a eleição presidencial, de modo que o Sonho Georgiano é o único partido que apresentou um candidato. De acordo com os resultados oficiais da eleição parlamentar de outubro, o partido governista tem maioria, com 89 das 150 cadeiras.
No entanto, essa eleição foi marcada por inúmeras irregularidades, o que levou a União Europeia a pedir um novo pleito. A oposição alegou fraude eleitoral e se recusou a ocupar seus assentos no parlamento.
A presidente Zourabichvili também rejeitou os resultados das eleições e defende que agora ela é a única instituição estatal legítima na Geórgia. Ela afirmou que não deixará o cargo até que sejam realizadas novas eleições parlamentares.
"Constituição foi violada"
O especialista em política da Geórgia, Gela Vasadze, disse que a eleição presidencial de sábado não deve ser reconhecida. "Como podem ser realizadas eleições quando o parlamento é ilegítimo?", perguntou ele, acrescentando que acredita ter havido fraude maciça na votação parlamentar de outubro.
"Mas o mais importante é que a constituição foi violada quando a primeira sessão do parlamento não foi convocada pelo presidente – e em um momento em que o presidente e uma série de figuras da oposição entraram com ações na Suprema Corte alegando que houve fraude eleitoral", disse ele à DW.
Candidato único acusa a oposição de provocar "revolução"
O candidato apoiado pelo Sonho Georgiano é Mikheil Kavelashvili, um ex-jogador de futebol profissional e membro do parlamento pelo partido de ultradireita Poder do Povo, que apoia o governo.
Ele é um dos autores da polêmica lei de agentes estrangeiros, legislação que entrou em vigor em junho e que exige que as organizações que recebem mais de 20% de seu financiamento do exterior se registrem como agentes de influência estrangeira.
A lei catalisou protestos e causou uma rápida deterioração nas relações da Geórgia com o Ocidente. Alguns setores da sociedade georgiana também criticaram a candidatura de Kavelashvili por sua falta de formação superior.
Por sua vez, Kavelashvili acusou a oposição de ser controlada por "membros do Congresso dos EUA", que, segundo ele, querem provocar uma "revolução" na Geórgia e criar condições como as da Ucrânia.
Para Vasadze, Kavelashvili deverá ser considerado um "presidente nomeado", não eleito. Ele não acredita que seja possível realizar eleições justas na Geórgia sob as condições atuais.
Mais protestos são esperados
O Sonho Georgiano alertou a presidente Zourabichvili que ela deve deixar o palácio presidencial na capital Tbilisi até 29 de dezembro – dia em que o novo presidente será empossado. Nesta sexta-feira, o parlamento também revogou a imunidade judicial para quem ocupa o cargo de presidente, abrindo caminho para ações contra Zourabichvili.
Os protestos em andamento parecem estar preocupando o governo. Na terça-feira, o Serviço de Segurança do Estado emitiu uma declaração, alegando que "os organizadores de atos destrutivos e criminosos estão planejando impedir, por qualquer meio possível, a eleição do sexto presidente da Geórgia em 14 de dezembro de 2024, o que provocaria artificialmente uma crise".
De acordo com as autoridades, indivíduos pretendem "agravar a situação o máximo possível", podendo resultar em "duas ou três fatalidades". O Serviço de Segurança do Estado afirma que essas pessoas acusarão o governo de "assassinato" como forma de alimentar os protestos.
O enviado da União Europeia para a Geórgia, Pawel Herczynski, tem defendido que a brutalidade policial na repressão aos protestos é "inaceitável" e defende que o bloco imponha sanções ao país.
Autor: Bashir Kitachayev