Antes de chegar à Cidade de Gaza, em dezembro do ano passado, a família de Zahra passou 14 meses se mudando de um lugar para o outro, entre Jabalia e Beit Lahia, no norte da Faixa de Gaza – uma região sob cerco militar praticamente deserta e reduzida a escombros, segundo relatos.
"A guerra tem sido dura desde o dia um, mas agora parece um inferno", relata Zahra à DW por telefone. "Não sabemos se vamos sobreviver ou morrer antes que a guerra acabe."
Ela, que se abrigou com o marido e cinco filhos em uma casa parcialmente destruída por bombas no campo de refugiados de Shati, na Cidade de Gaza, pediu para não ter seu nome completo revelado.
Apesar de o Exército israelense ter ordenado diversas vezes à população que vá para o sul da Faixa de Gaza, a família de Zahra decidiu ficar no norte, em parte porque eles temiam do contrário não poder voltar para casa.
"Não saímos antes do norte porque sabíamos que havia bombardeios em todos os lugares, e tínhamos esperança que a operação militar no norte terminaria logo. Mas, em vez disso, tornou-se ainda mais insuportável", diz ela. "Nossa casa em Jabalia foi completamente destruída há alguns meses, e agora nos vemos em uma situação de deslocamentos constantes."
Agências internacionais e governos pressionam Israel e Hamas a aceitarem um acordo que levaria à soltura dos 96 reféns ainda mantidos em Gaza em troca do fim da guerra e da assistência humanitária a civis. Mas não há sinais de paz à vista: no fim de semana, forças israelenses disseram ter atacado mais de cem alvos ao longo da Faixa de Gaza em retaliação a foguetes disparados pelo Hamas.
ONU sobre o norte de Gaza: "As pessoas aqui não têm comida, água, saneamento, nada..."
Por toda a Faixa de Gaza, o tempo frio e chuvoso do inverno tem alagado barracos e outros abrigos improvisados. Organizações humanitárias alertaram repetidamente nas últimas semanas que a ajuda não está chegando em quantidade suficiente às pessoas, em parte devido ao bloqueio de ajuda por Israel e, em parte, devido a saques.
No domingo (05/01), a Defesa Civil em Gaza informou que ataques israelenses mataram agentes de segurança que protegiam comboios de ajuda humanitária no sul do território. Também foram relatados bombardeios israelenses em bairros e destruição de prédios residenciais no norte de Gaza, com várias pessoas mortas e feridas.
O Ministério da Saúde de Gaza contabiliza mais de 45,8 mil palestinos mortos desde o início da guerra em Gaza, desencadeada após os ataques terroristas liderados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023.
Jabalia e a área ao norte da Cidade de Gaza voltaram de novo a ser o foco de uma nova ofensiva israelense. As Forças de Defesa de Israel (FDI) alegam que o Hamas e outros grupos militantes estão se reorganizando na área e que as ordens de evacuação para os civis visam mantê-los fora de perigo. No entanto, palestinos e organizações humanitárias afirmam que não há lugar seguro em Gaza e que os deslocamentos constantes estão agravando a situação.
No final de dezembro, uma delegação da ONU conseguiu viajar para o norte da Faixa de Gaza. "As pessoas aqui não têm comida, água, saneamento, nada... Precisamos poder fornecer o básico para a sobrevivência", afirmou Jonathan Whittall, chefe interino do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários em Jerusalém Oriental, em vídeo publicado no X.
Segundo Whittall, a ONU apelou às FDI 140 vezes nos dois meses que antecederam a visita para tentar levar ajuda à região, sem sucesso.
A Coordenação de Atividades Governamentais nos Territórios, órgão isralense da administração civil-militar responsável pelo acesso a Gaza e ajuda humanitária à região, respondeu via X que "alegações recentes sobre pedidos negados de coordenação humanitária são enganosas".
Sobraram poucas pessoas no norte de Gaza
A ONU estima que entre 10 mil e 15 mil pessoas permaneçam no norte de Gaza, área sob cerco militar que inclui Beit Lahia, Jabalia e Beit Hanoun, embora os números exatos sejam desconhecidos. Há relatos de que boa parte da região foi evacuada e reduzida a escombros, o que alimenta especulações de que Israel pretende transformar a área em uma zona tampão após o fim da guerra.
As FDI negam a implementação do chamado "Plano do General", que prevê a expulsão da população do norte de Gaza, rotulando todos os civis restantes como alvos militares e bloqueando o fornecimento de alimentos e suprimentos médicos.
Na semana passada, membros do Comitê de Relações Exteriores e Defesa do Knesset (o Parlamento israelense) pediram ao ministro da Defesa, Israel Katz, que ordenasse a destruição de todas as fontes de água, alimentos e energia na área, criticando as FDI por ainda não terem derrotado o Hamas.
Moradores relataram já enfrentar uma escassez extrema de alimentos e água, enquanto os constantes bombardeios e tiroteios tornavam qualquer movimento quase impossível, incluindo o acesso aos corredores humanitários para se dirigir ao sul da Faixa de Gaza.
Zahra diz ter conseguido sair de lá com a família e alcançado o campo de refugiados de Shati, no noroeste da Cidade de Gaza. Durante o trajeto, tiveram que passar por um posto de controle israelense. "Fui autorizada a passar com minhas três filhas, enquanto meu marido e dois filhos tiveram que esperar cinco horas antes de também serem liberados", relata.
Luta por sobrevivência
Matar Zomlot e sua família sobreviveram em Jabalia por um tempo ao longo da guerra, mas eventualmente também tiveram que fugir.
"Havia artilharia e explosões o tempo inteiro, e medo constante", diz à DW por telefone. "Eu costumava pegar comida das casas [abandonadas] no entorno após falar com os donos, que me contavam onde haviam deixado alimentos e enlatados."
Em dezembro, sob fogo cruzado intenso, Zomlot e sua família conseguiram chegar à vizinha Cidade de Gaza.
"Tínhamos medo de ser alvejados", diz Zomlot. "No dia que decidimos ir embora, saímos à tarde e andamos em direção à Rua Salah al-Din. Havia um tanque, e soldados e que nos pararam. Após conferirem nossos documentos, nos deixaram passar."
Em vez de seguir para o sul, a família escolheu ficar no norte da Faixa de Gaza. Eles têm parentes na Cidade de Gaza, que lhes deram abrigo.
Mortos ao tentar voltar para o norte, segundo jornal israelense
A Faixa de Gaza agora é dividida pelo Corredor Netzarim, uma estrada com postos de controle militares que atravessa o território de leste a oeste. Palestinos que cruzarem essa via em direção ao sul não podem voltar para o norte.
Segundo relatos de soldados a serviço na região, publicados em reportagem investigativa do jornal israelense Haaretz, vários palestinos desarmados foram alvejados e mortos ao se aproximarem da área para tentar voltar ao norte.
A ONU estima que cerca de 90% dos 2,1 milhões de habitantes de Gaza tenham sido deslocados pela guerra, muitos deles várias vezes. Uma das muitas incertezas que os aflige é se Israel permitirá que voltem para suas casas.
"Não sabemos nosso destino", afirma Zahra. "Não sabemos o que acontecerá a seguir. Mas estamos rezando para que esta guerra acabe logo, e que possamos retornar aos nossos bairros e casas, mesmo que estejam reduzidos a escombros."
Autor: Tania Krämer, Hazem Balousha