O encerramento da cúpula do G20, que reuniu representantes das 20 maiores economias do mundo no Rio de Janeiro, entre segunda e terça-feira mostrou que o Brasil conseguiu recuperar espaço no tabuleiro geopolítico global ao incluir reivindicações da diplomacia brasileira na declaração final do encontro, de acordo com a avaliação de especialistas ouvidos pela DW.
"Havia um problema em governos anteriores, nos quais perdemos um certo protagonismo internacional. O atual governo também vinha derrapando na política internacional e, por isso, reunir diversos governos foi importante para o país como forma de recolocar o Brasil no xadrez global novamente", avalia o cientista político e professor do Insper, Leandro Consentino.
A declaração final do G20, aprovada na segunda-feira (18/11), aborda os conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia e, também, inclui temas que eram primordiais para o governo brasileiro, que ocupa a Presidência rotativa do grupo.
O documento menciona temas da agenda brasileira, como o combate à fome e à pobreza, sustentabilidade e mudanças climáticas e reforma da governança global – e várias outras questões, como a proposta de taxação dos super-ricos e a inteligência artificial, dentre outros.
Brasil de volta?
Para o cientista político Maurício Santoro, o governo Lula buscou recalcular a rota, após um começo controverso em temas espinhosos, e mostrar força dentro de um contexto global difuso como forma de diferenciação e da instabilidade política que vigorou nas presidências de Michel Temer e Jair Bolsonaro, sobretudo, pela ruptura em temas como meio ambiente e direitos humanos.
"O presidente Lula cometeu erros graves em seus posicionamentos sobre as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, e tem falhado em lidar com dois dos vizinhos em crise do Brasil, Argentina e Venezuela. Contudo, teve sucesso ao realizar a cúpula do G20, negociando pautas sociais na agenda final do grupo e retomando a realização de grandes eventos diplomáticos no Brasil, após quase uma década de eventos", disse.
Guilherme Casarões, professor de Política Internacional da FGV EAESP, concorda com a avaliação sobre a retomada da influência brasileira na geopolítica e afirma que o país conseguiu construir uma agenda global de longo prazo baseada em bandeiras históricas da esquerda brasileira.
"A presidência brasileira do G20 foi bastante valorizada pelo governo Lula, que a considerou uma oportunidade não somente de fortalecer a relevância internacional do Brasil, mas também de avançar agendas importantes, em que o Brasil desempenha um papel de liderança, como o combate à fome e à pobreza, mudanças climáticas e reforma da governança global. Essas são bandeiras históricas do país e bastante associadas ao governo Lula, permitindo que se construa um legado global de longo prazo", avalia.
Além disso, a cúpula do G20 também demonstra que o país terá a capacidade de sediar outros eventos e pautar temas internacionais, mesmo em meio a desafios que deverão surgir no curto prazo.
"No terceiro mandato de Lula, o Brasil terá sediado duas cúpulas diplomáticas importantes: o G20 e a COP30 em Belém, em novembro de 2025. A próxima será mais difícil, porque o tema do enfrentamento às mudanças climáticas será muito enfraquecido com o novo governo Trump nos Estados Unidos", afirma Santoro.
Consensos possíveis
As expectativas em relação à cúpula eram de dúvida, especialmente ligadas à eleição de Trump nos EUA e à atuação do presidente argentino Javier Milei. Para Guilherme Casarões, no entanto, o Brasil conseguiu um desfecho vitorioso ao apostar nos consensos possíveis de um mundo multipolar.
"Em vez de idealizar uma declaração ambiciosa e irrealizável, o Brasil foi capaz de buscar os chamados ‘consensos possíveis', concentrando seus esforços em temas importantes da pauta internacional, como combate à fome e mudanças climáticas, em que o posicionamento coletivo do G20 é bastante valioso", afirma Casarões.
Para Maurício Santoro, o principal destaque do G20 foi a criação da Aliança Global contra a Fome, um tema caro ao presidente Lula, que se destaca em sua trajetória política e no legado das políticas sociais de seus dois primeiros governos.
"O Brasil também foi bem-sucedido em colocar em realce os temas sociais na agenda do G20, como pobreza, desigualdade e justiça tributária, e de estabelecer um bom diálogo com a sociedade civil por meio do G20 Social", diz.
Já no tema ambiental, os analistas afirmam que os resultados concretos são mais difíceis de atingir, uma vez que são compromissos voluntários que dependem da disposição política de cada país em observá-los. "De todo modo, uma declaração política de peso reforça o compromisso coletivo no combate às mudanças climáticas e ao financiamento às medidas de mitigação e adaptação", diz Casarões.
Apesar das boas intenções e do relativo sucesso brasileiro, o G20 busca apenas colocar temas na agenda global de negociações, não tendo a capacidade de implementar decisões, que deverão ser tratadas na Organização das Nações Unidas (ONU) e em outras organizações internacionais. Por isso, analistas são céticos em relação ao impacto direto das decisões do encontro na vida cotidiana.
"Tanto a busca pelo combate à fome, quanto na governança global e na transição energética, todas as mudanças são no plano retórico, sem compromisso de fato concreto. Medidas e sinalizações importantes ainda ficam no campo da retórica e precisamos esperar o longo prazo para termos qualquer resultado concreto", diz Consentino.
Encontros bilaterais
Para além do consenso entre as 20 principais economias do mundo, o presidente Lula também buscou uma agenda de dezenas de encontros bilaterais com líderes de diversos países presentes no Rio de Janeiro.
Para os especialistas, o encontro com o presidente francês, Emmanuel Macron, deve fortalecer a agenda climática e a cooperação com a União Europeia. "Nas negociações bilaterais, o acordo mais importante foi entre Argentina e Brasil, para a exportação do gás natural argentino da reserva de Vaca Muerta para o Brasil, a preços vantajosos para os brasileiros", diz Santoro. "Foi importante também a declaração do presidente da França dizendo que retirou suas objeções ao acordo de livre comércio entre Mercosul e UE", completa.
Além disso, a reunião entre Lula e o presidente chinês Xi Jinping também chamou a atenção dos analistas dado a imagem que o encontro deve passar ao mundo. "A reunião entre Lula e Xi Jinping, que demonstra a centralidade da China na estratégia brasileira e antecipa um movimento do Brasil em direção a laços políticos mais fortes com o gigante asiático diante da eleição de Trump nos EUA", conclui Casarões.
Autor: Vinicius Pereira