Fuga de soldado pode criar mais uma grave crise diplomática entre Brasil e Israel

Por Moises Rabinovici

Bandeira de Israel
REUTERS/Ronen Zvulun/File Photo

A fuga do soldado israelense Yuval Vagdani da Bahia para a Argentina, no final de semana, para não ser investigado por supostos crimes de guerra em Gaza, de acordo com mandado expedido pela juíza federal Raquel Soares Charelli, tem o potencial de criar mais uma grave crise diplomática entre Brasil e Israel.

O motivo principal foi a assistência ativa da embaixada para tirar o soldado Vagdani do Morro de São Paulo, na Bahia, por ordem do chanceler Gideon Saar. O ministro não quis “correr riscos”, sabendo que “elementos anti-israelenses” poderiam explorar as postagens do soldado nas mídias sociais. Foi por postar uma selfie dinamitando uma casa em Gaza, em novembro de 2024, que Vagdani, 21 anos, é acusado pela Fundação Hind Rajab (HRF), de Bruxelas, por “crimes de guerra”.  

(Hind Rajab foi um menino de seis anos morto em Gaza num local em que não havia tropas israelenses, segundo o resultado de uma investigação anunciado pelo porta-voz militar.)

O deputado canadense-israelense Dan Illouz, do partido do governo Netanyahu, o Likud, escreveu na plataforma X que o Brasil é “patrocinador de terroristas”. Ele advertiu que Israel “não ficará de braços cruzados diante da perseguição de seus soldados”, e que “se o Brasil não corrigir seus hábitos, pagará um preço”. O ministro israelense de Assuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo, Amichai Chikli, enviou uma carta ao deputado Eduardo Bolsonaro, criticando a decisão da justiça brasileira de abrir um inquérito contra o soldado Vagdani, e o apoio do presidente Lula a ações judiciais da HRF.  

O líder da oposição, Yair Lapid, criticou o governo de Netanyahu por manusear mal a legitimidade israelense que resultou na situação atual no Brasil. “O fato de um reservista israelense ser forçado a fugir do Brasil na calada da noite para evitar a prisão por lutar em Gaza é um grande fracasso político de um governo irresponsável que simplesmente não sabe como trabalhar”.

A HRF coleta evidências postadas por soldados israelenses nas mídias sociais para apresentar queixas formais a tribunais em vários países, em vez de esperar o resultado lento de processos maiores em tribunais internacionais. Nos últimos 15 meses, milhares de soldados israelenses postaram vídeos e imagens de Gaza e do Líbano, desrespeitando ordens superiores. As “façanhas” viraram provas de crime de guerra, em alguns casos. Mandados de prisão foram expedidos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant. A HRF atua com base na “jurisdição internacional” em que alguns crimes são tão graves que podem ser julgados em qualquer país.

Ao pedido de captura do soldado Vagdani, sobrevivente do massacre do Hamas em Israel, em 7 de outubro de 2023, a HRF anexou “imagens de vídeo, dados de geolocalização e fotografias mostrando o suspeito plantando pessoalmente explosivos e participando da destruição de bairros inteiros. Esses materiais provam, sem dúvida, o envolvimento direto do suspeito nesses atos hediondos.”

O soldado Vagdani é um dos doze militares de baixa patente já selecionados pela HRF. Dossiês com acusações foram enviados para a África do Sul, Sri Lanka, Sérvia, Holanda, Tailândia, Irlanda, Chipre, Bélgica, França e Brasil. Basta um dos reservistas sair de Israel para um país signatário do Estatuto de Roma para que corra o risco de ser preso. Os soldados da ativa devem agora submeter o destino de suas viagens ao comando.

O Brasil é um paraíso para soldados acabando o serviço militar em Israel. Antes da pandemia, cerca de 40 mil israelenses vinham para as praias brasileiras, ou o carnaval, todos os anos. Num país em que a maioria é reservista ou está em serviço ativo no Exército, o destino de férias ou turismo será difícil de escolher a partir de agora, por temor à perseguição da HRF.

O governo israelense está formando uma rede de escritórios de advocacia para dar assistência jurídica aos soldados ameaçados de prisão no exterior. Ao mesmo tempo, começou a divulgar que seu judiciário é capaz de investigar e processar crimes de guerra. O Comitê de Relações Exteriores do Parlamento, em Jerusalém, marcou para esta segunda-feira uma audiência de emergência: os representantes de todos os ministérios deverão mostrar que medidas estão tomando para conter a onda de mandados de captura de soldados israelenses no exterior.

A embaixada de Israel no Brasil minimizou sua participação na fuga do soldado Vagdami para a Argentina, reduzindo-a a um telefonema. E acrescentou que Israel “está exercendo seu direito à autodefesa após o massacre brutal cometido pelo Hamas em 7 de outubro de 2023”, e que “todas as operações militares em Gaza são conduzidas em total conformidade com o direito internacional”. Mas a ordem vinda do chanceler Saar, em Jerusalém, pedia para “acompanhar (o soldado) durante todo o evento até sua partida rápida e segura do Brasil”.

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