Fleury teve massacre do Carandiru como marca de seu governo

Ex-governador de São Paulo morreu nesta terça-feira, aos 73 anos

Da Redação

Massacre do Carandiru deixou 111 mortos em 1992
Reuters

Morto nesta terça-feira (15) aos 73 anos, o ex-governador de São Paulo Luiz Antônio Fleury Filho (MDB-SP) teve como principal marca na vida pública estar à frente do massacre do Carandiru, a maior tragédia carcerária da história do país.

Na época, apenas um político o apoiou publicamente quando 111 detentos foram mortos depois que a polícia invadiu um centro de detenção — um deputado federal do baixo clero da Câmara que, quase três décadas mais tarde, alcançaria o mais alto cargo da República: Jair Bolsonaro (PSL). 

“Ele foi o único deputado a me defender na tribuna. E isso é algo de que não me esqueço. Sou grato a ele”, disse Fleury à Revista Veja em 2019. 

A operação que resultou no massacre do Carandiru foi o fato mais lembrado do governo Fleury, entre 1991 e 1994. O político foi eleito governador após ter sido secretário de Segurança Pública no governo de Oestes Quércia. 

A ação foi montada pelo então governador paulista, também ex-promotor de Justiça e ex-policial militar, para conter uma rebelião de presidiários que eclodiu dentro da Casa de Detenção do Carandiru, na Zona Norte, em 2 de outubro de 1992, mas a intervenção ostensiva da polícia resultou na morte de mais de uma centena de presos. 

“Não tenho nenhum tipo de arrependimento. Faria tudo o que fiz de novo. Tenho responsabilidade política pelo que houve. Não me eximo dela. Mas responsabilidade pessoal eu não tenho”, afirmou Fleury, ao criticar a Justiça e os órgãos que investigaram se tinha havido excessos na ação policial no centro de detenção paulistano. 

O crime aconteceu no que era o maior presídio da América Latina. A penitenciária, que chegou a ter oito mil presos, foi desativada em 2002 e demolida. O caso virou filme, documentários, teses e é estudado no mundo todo. 

Condenados

Os 73 policiais foram condenados pela morte de 111 detentos no Carandiru, em penas que variam de 48 a 624 anos de prisão, mas até hoje, ninguém foi punido. Um novo julgamento chegou a ser determinado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que entendeu que a decisão do júri foi contrária à prova dos autos. No entanto, a pena foi restabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2021. Tramita no Congresso Nacional um projeto que anistia os condenados. Atualmente, as defesas dos policiais pedem a redução das penas.

Em depoimento no Júri Popular sobre o caso em 2013, o ex-governador disse não ter dado a ordem para a invasão policial ao presídio. Ele garantiu, no entanto, que se estivesse em São Paulo naquele dia teria dado a autorização.

“Não dei ordem para a entrada. Mas a entrada foi absolutamente necessária e legítima. Se estivesse no meu gabinete, teria dado [a autorização para a invasão da polícia]. A polícia não pode se omitir”, disse ele, durante o depoimento.

A Polícia Militar entrou no Pavilhão 9 da Casa de Detenção do Carandiru pouco depois do início de uma rebelião de presos. Segundo Fleury Filho, a informação era a de que alguns presos haviam morrido, após uma briga entre os próprios detentos.

Durante o depoimento de 40 minutos, o ex-governador assumiu a responsabilidade política pelo episódio, mas negou qualquer outra. “A responsabilidade política do episódio é minha. A criminal cabe ao tribunal responder”.

Fleury Filho contou que não estava em São Paulo no dia em que o massacre ocorreu, 2 de outubro de 1992. “Era véspera de eleição municipal e estava em Sorocaba, porque sabíamos que em São Paulo não tinha possibilidade de o meu candidato se eleger prefeito”.

Ele disse ter recebido um recado dizendo que o secretário Claudio Alvarenga queria falar com ele. “Naquela época não tinha celular”, disse. “Liguei para o secretário e ele me falou sobre a rebelião que estava ocorrendo no Carandiru e que o secretário de Segurança Pública da época, Pedro Franco de Campos, estava cuidando do caso”.

“Saí de lá (de Sorocaba) de helicóptero por volta das 16h ou 16h30. Quando cheguei ao Palácio dos Bandeirantes [sede do governo paulista], descobri que tinha ocorrido a invasão. Liguei, então, para o Campos e perguntei se havia necessidade de a polícia ter entrado. Ele me disse que sim”, contou o ex-governador.

Naquele dia, Fleury disse ter sido informado que a invasão policial no Carandiru tinha provocado 40 mortes. Á noite, a informação foi alterada para 60 mortos. No dia seguinte, domingo de eleição, ele tinha a informação de que havia 100 mortos. “Pedi então que só informassem o número de mortos quando tivessem o número correto”, disse ele.

Segundo ele, só à noite, às 18h, horário em que as urnas estavam fechadas, ele recebeu a confirmação de que havia 111 mortos. Na época, a imprensa noticiou oito mortos no massacre e só recebeu a confirmação do número exato de mortos após o término das eleições.

Fleury Filho contou também que os ânimos das tropas policiais se alteraram quando houve a notícia de que o comandante da Polícia Militar à época, Ubiratan Guimarães, foi atingido por um tubo de TV e havia desmaiado, pouco depois que a tropa policial invadiu o presídio. “Ubiratan foi atingido por um tubo de TV e isso deve ter causado, evidentemente, comoção à tropa”, contou ele.

O ex-governador disse também que não esteve no local do massacre. “Não fui ao local porque não era minha obrigação de governador. É por isso que existe a posição de hierarquia abaixo do governador”, falou.

Ele negou que uma organização criminosa, que atua nos presídios paulistas, tenha sido criada após o massacre. “O PCC, que dizem ter sido criado em razão desse episódio, era apenas um time de futebol até o final do meu mandato (1991-1994). No meu governo, ele não teve espaço para crescer. Ele se intensificou no governo seguinte [governo Mário Covas], quando ocorreram 22 rebeliões em dois meses”.

San Juan França, que era titular da Vara de Execuções Criminais, disse que entrou no presídio após a invasão policial. Ele contou ter visto os corpos de “oito ou nove presos” sendo retirados do local. “Perguntei o que houve [aos policiais]. E eles responderam: 'Confronto. Em vez de se renderem, preferiram o confronto'”, contou o desembargador.

Em 2006, Ubiratan se tornou deputado estadual pelo PTB e passou a ter foro privilegiado. Julgado naquele ano pelo Tribunal de Justiça (TJ) em São Paulo, ele foi absolvido. Os magistrados consideraram que o então PM não participou da ação.

Ubiratan foi assassinado em 2006, dentro do seu apartamento. Uma namorada dele foi acusada de envolvimento no crime, mas foi absolvida pela Justiça.
 

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