Financiamento climático domina debates na COP29

Conferência climática da ONU retoma discussão sobre apoio aos países em desenvolvimento para combater efeitos da mudança climática. Porém, guerras, incerteza econômica e eleição de Trump podem estancar negociações.

Por Deutsche Welle

"Como um país rico em combustíveis fósseis, defenderemos o direito de outros países extraírem e investirem nesses combustíveis", disse o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, no Diálogo Climático de Petersberg, que aconteceu em Berlim, em abril.

Na ocasião, o discurso de Aliyev deu o tom do caminho que seu país escolheu para as próximas negociações climáticas, entre elas, a 29ª Conferência do Clima das Nações Unidas, que começa nesta segunda-feira (11/11). Neste ano, a COP29 é sediada justamente em Baku, a capital do Azerbaijão, um país cujo lucro proveniente do petróleo e do gás representa 60% de suas receitas.

Além de reduzir drasticamente as emissões de gases prejudiciais ao meio ambiente, a COP deste ano enfrenta uma tarefa desafiadora: definir o apoio financeiro que os países em desenvolvimento devem receber para se adaptar às mudanças climáticas.

Modelos de financiamento climático

Os países ricos, incluindo os EUA, o Japão e os estados da União Europeia se comprometeram há mais de duas décadas a fornecer 100 bilhões de dólares por ano (R$ 576 bilhões), a partir de 2020, para que os países em desenvolvimento possam investir na transição energética e compensar os desastres climáticos.

Essa meta, porém, ainda não foi atingida. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2022, os países reportaram um repasse total de 116 bilhões de dólares para financiar a proteção climática no Sul Global. Mas, segundo o órgão, o valor real investido não passou de 35 bilhões de dólares, já que uma parte significativa dos fundos foi, na verdade, oferecida na forma de empréstimos com altas taxas de juros.

Agora, os países em desenvolvimento querem retomar a discussão na rodada de negociações em Baku. A proposta é criar um modelo mais transparente e efetivo, que obrigue nações desenvolvidas a repassar recursos não apenas para os países mais pobres investirem em energia limpa, mas também compensar as perdas com os desastres climáticos.

Niklas Höhne, do New Climate Institute, uma ONG alemã que defende políticas climáticas, estima que o valor acordado em Baku poderia circular entre 200 bilhões a 700 bilhões de dólares por ano. "Assim, haveria uma equalização financeira justa entre os países ricos, que são realmente responsáveis pela mudança climática, e os países menos ricos, que sofrem mais com a mudança climática", diz Höhne.

Os países em desenvolvimento, incluindo a Índia e o Brasil, têm solicitado uma soma anual ainda maior, de cerca de 1 trilhão de dólares.

Já os países ricos consideram esses números fora da realidade. A Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade, por exemplo, que aconteceu na Colômbia no começo de novembro, tentou chegar a um acordo similar sobre o financiamento para a proteção de espécies, mas não conseguiu. Na ocasião, o representante da União Europeia disse que seria "difícil explicar para os cidadãos o fardo administrativo" relacionado a esse tipo de financiamento.

Ao mesmo tempo, os países ricos também querem que os países produtores de petróleo e a China compartilhem o ônus financeiro.

Quem paga a conta?

Embora historicamente os países ricos tenham sido os que mais contribuíram para a crise climática, a China é, hoje, a líder na produção de gases prejudiciais ao clima. Entretanto, nos documentos oficiais, a superpotência ainda é listada como um país em desenvolvimento que, teoricamente, recebe financiamento ao invés de financiar.

A situação dos Emirados Árabes Unidos, que sediou a COP28, no ano passado, é similar. Mas, embora o país seja considerado "em desenvolvimento", seu governo concordou em apoiar financeiramente a transição energética ao redor do mundo em virtude do impacto que sua produção de petróleo causa no clima.

Na COP28, a comunidade global concordou, pela primeira vez, que seria necessário reduzir a queima de carvão, petróleo e gás para alcançar as metas do Acordo de Paris, quando 197 países concordaram em limitar o aquecimento global a 1,5 ºC em relação à era pré-industrial. Segundo o serviço climático europeu Copernicus, porém, este valor já deve seratingido, ao menos temporariamente, este ano.

"Há uma enorme discrepância entre a retórica e a realidade quando as pessoas afirmam ter como meta [máxima de aquecimento] 1,5 grau, e depois uma das tarefas centrais [do acordo de Paris] não é cumprida", diz Alden Meyer, especialista sênior do think tank internacional E3G, especializado em política climática dos EUA.

Tanto os Emirados Árabes Unidos quanto o Azerbaijão, assim como o próximo anfitrião da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, o Brasil, têm planos de expandir a produção de combustíveis fósseis, explica Meyer. A mesma tendência pode ser observada nos EUA, no Canadá, na Noruega, na Austrália e no Reino Unido.

Por isso, a União Europeia tem pressionado para que a liberação de mais recursos seja atrelada a uma proteção climática melhor planejada. Os países que assinaram o Acordo de Paris devem apresentar novas metas de redução da emissão de gases até o próximo ano, mas a maioria ainda não produziu sequer um esboço.

Para Meyer, a discussão sobre a ampliação dos fundos de adaptação às mudanças climáticas poderia incluir também sistemas de alerta antecipado para tempestades, medidas de proteção costeira, espaços verdes para combater o calor nas cidades ou medidas de segurança para usinas elétricas em áreas de inundações. A ideia é que os recursos sejam usados paramitigação, proteção, adaptação e também para compensar perdas e danos.

Para se ter uma ideia, os nove piores desastres nos países em desenvolvimento em 2023 causaram 37 bilhões de dólares somente em perdas e danos, de acordo com a Fundação Heinrich Böll, que é vinculada ao Partido Verde na Alemanha. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) calcula que, sozinhas, as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024 deixaram um prejuízo de R$ 87 bilhões.

A situação é dramática também em pequenos países insulares, como Tuvalu, que correm o risco de desaparecer com o aumento do nível do mar.

A meta de 1,5 grau ainda pode ser alcançada?

O cabo de guerra por recursos também se estressa devido à pressão que a pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia deixaram sobre o orçamento dos países ricos.

A vitória de Donald Trump nos EUA, a maior economia do mundo e a segunda maior produtora de gases do efeito estufa, também terá um impacto sobre as negociações. O resultado da eleição preocupa aqueles que são a favor de uma proteção climática maior e mais urgente.

Isso porque Donald Trump não apenas colocou em dúvida a realidade das mudanças climáticas durante seu primeiro mandato, como também aboliu várias leis ambientais e cancelou a ratificação dos EUA ao Acordo Climático de Paris. Agora, o republicano já anunciou que deve priorizar o carvão, o petróleo e o gás na política energética em seu novo mandato.

"Seu impulso para extrair combustíveis fósseis, seu desrespeito aos acordos internacionais e sua recusa em fornecer financiamento climático vai exacerbar a crise e colocar em risco vidas e meios de subsistência", diz o ativista climático Harjeet Singh, membro da iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis.

O recuo de Trump em relação aos compromissos climáticos dos EUA ameaça corroer a confiança nos sistemas internacionais, continuou Singh.

Se o mundo quiser limitar o aquecimento a menos de 1,5 °C, conforme acordado em Paris, as emissões globais devem atingir o seu pico antes de 2025, o que, segundo analistas, ainda é possível.

Autor: Tim Schauenberg

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