Finados, Día de los Muertos e mais: veja como os mortos são homenageados pelo mundo

Seja o exuberante Día de Muertos mexicano, estranhos caixões ganenses, exumação em Madagascar ou cadáveres esquartejados no Tibete, rituais fúnebres são testemunho da criatividade humana

Por Deutsche Welle

Finados, Día de los Muertos e mais: veja como os mortos são homenageados pelo mundo
Dia de los Muertos
REUTERS/Mario Anzuoni

Quando morriam, os faraós do Egito eram embalsamados – da mesma forma que soberanos de séculos subsequentes, como o Rei-Sol francês Luís 14, ou o chefe de Estado comunista Vladimir Lenin. A mensagem é que seus corpos haviam perecido, mas eles eram imortais.

Em um grande número de culturas, a morte está cercada de cerimônias baseadas nessa mesma crença, culminando no dia em memória conjunta de todos os finados. A seguir, uma panorâmica dos ritos funerários em várias partes do mundo.

Alemanha: Banquete do cadáver

A Alemanha não comemora o Dia de Finados, mas dedica duas outras datas aos mortos: para os católicos, é o 1º de novembro, Dia de Todos os Santos; e para os luteranos, o Domingo dos Mortos ou da Eternidade, no último domingo do ano eclesiástico. Em ambas as ocasiões, os fiéis vão ao cemitério para depositar velas de recordação nas sepulturas de seus entes queridos.

Como na maioria dos países ocidentais, nos velórios alemães o defunto é depositado num caixão ou urna, escutam-se discursos tocantes e ao fim a congregação lança terra ou pétalas na sepultura – sendo a cremação ou o enterro na natureza alternativas frequentes.

Em seguida, parentes e amigos sentam-se para o assim-chamado leichenschmaus (literalmente: "banquete do cadáver"): confortados por café e bolo, recordam, assim, que a vida continua e tem os seus prazeres.

Brasil: Honrando os mortos com flores e velas

Também denominado Dia dos Fiéis Defuntos, o Finados, em 2 de novembro, é a ocasião de recordar os que se foram no Brasil, seguindo o costume católico trazido pelos colonizadores portugueses.

Trata-se de um momento de contrição, tributo e oração, cujo princípio está implícito em De cura pro mortuis gerenda (O cuidado devido aos mortos), do ano 421, atribuído a Santo Agostinho. Desse tratado consta: "A Igreja tomou para si o encargo de orar por todos que morreram dentro da comunhão cristã e católica. Ainda que não conheça todos os nomes, ela os inclui numa comemoração geral."

No Dia de Finados, feriado nacional no Brasil, o respeito aos mortos é expresso sobretudo no cuidado de suas sepulturas, limpando-as e adornando-as com flores e velas. Nas proximidades dos cemitérios, floristas armam barracas, aproveitando a demanda garantida.

Gana: A alta arte do sarcófago

Diversas culturas optam pelo sepultamento em terra, mas nem todos os ataúdes são iguais: em Gana, por exemplo, estabeleceu-se uma arte funerária que pouco tem a ver com os modelos convencionais, em forma de caixão. Em vez disso, a urna deve simbolizar algo que era importante em vida para o sepultado.

Se era músico e tocava numa banda, seu sarcófago pode ter a forma de uma guitarra. Se proprietário de um bar, talvez vá descansar para sempre numa garrafa de cerveja; a um empresário cabe um carro de luxo; para um fotógrafo, o féretro talvez imite uma câmera fotográfica. A criatividade não tem limites – mas tampouco o preço, e um modelo especialmente original possivelmente estará acima das posses de muitos ganenses.

Índia: Cremação e águas sagradas

Os hindus acreditam que todo ser humano reencarna diversas vezes. Por isso deve ser cremado o mais depressa possível após a morte, permitindo à alma libertar-se do corpo e iniciar sua migração. Na Índia, o rio Ganges tem um papel central nesse rito do hinduísmo: simbolizando as tranças do deus Shiva, ele é sagrado, e quem se banha nele se livra de todos os pecados.

Após a cremação numa fogueira na margem, os familiares recolhem as cinzas e as dispersam no Ganges, flanqueadas por flores e guirlandas. Assim, esperam que o finado escape do eterno ciclo de nascimento, morte e reencarnação e possa seguir para o Nirvana, o estado em que a alma finalmente encontra a paz.

Cerca de 100 mil hindus são cremados no Ganges, a cada ano: uma cerimônia purificadora para a alma, mas não para o rio, que é classificado como um dos mais poluídos do mundo.

Indonésia: O longo caminho até a terra dos mortos

As cerimônias fúnebres do povo toraja, das montanhas no sul da Indonésia, saem bastante caras. Para encontrar o caminho até Puya, a terra dos mortos, a alma do defunto precisa da ajuda dos vivos, pois se ficar perdida entre os mundos pode se transformar numa ameaça.

Primeiro os mortos são embalsamados e depostos na casa da família, por algumas semanas ou até por anos, pois os parentes economizam para a gigantesca festa fúnebre que possibilitará à alma achar o caminho para o além. Quanto mais alta a posição social do morto, mais exuberantes as festividades.

Elas podem reunir centenas de convidados, que precisam ser alojados e servidos. São abatidos diversos animais, de preferência búfalos-d'água, que para os toraja não apenas são símbolos de poder e riqueza, mas também ajudam o morto a chegar a sua destinação. Brigas de galo também integram o ritual.

O clímax da cerimônia é o funeral propriamente dito: num féretro talhado artisticamente, o finado é pendurado numa escarpa ou sepultado numa gruta esculpida na rocha. Algumas abrigam famílias inteiras. Diante, numa espécie de balcão, são instalados tau-taus, figuras de madeira que representam os sepultados.

Japão: Festa Obon

No Japão, os ancestrais merecem um santuário doméstico, em que são homenageados com flores e incenso. Em troca, se dispõem a conceder pequenos e grandes favores. Além disso, em meados de agosto, ao longo de três dias realiza-se a festa dos antepassados Obon, de que quase todo o país participa.

Segundo a crença budista, os mortos retornam para suas casas e famílias uma vez por ano do além, e cabe recebê-los condignamente. Para que não se percam no caminho, os jardins são ladeados com fogueiras de boas-vindas, ou acendem-se lampiões nos altares domésticos.

Os entes queridos trazem uma refeição diferente a cada dia para seus antepassados, entre as quais os "bolinhos de despedida", para abrandar o sofrimento dos mortos, que possivelmente passam fome. Como, ao fim do Obon, eles devem cavalgar de volta ao além, as famílias lhes esculpem cavalgaduras de pepino ou beringela, com hashis (pauzinhos de comer) como patas.

A despedida final se dá sob o signo do fogo: chamas em forma de ideogramas iluminam as escarpas dos montes, enquanto lampiões flutuantes flutuam suavemente na superfície de rios e lagos.

Madagascar: Roupa nova para os ancestrais

No país insular africano de Madagáscar, os mortos são parte da família, lado a lado com os vivos. Denominados "razana", eles possuem o precioso dom de se comunicar com os deuses. Portanto é importante mantê-los satisfeitos: contrariar os ancestrais pode atrair azar e prejudicar toda a família.

A festa famadihana, em homenagem aos mortos, serve para apaziguar os razana irritados. Por vezes, eles mesmos determinam a data, aparecendo em sonho a um familiar, mas na maioria dos casos é o curandeiro ombiasy que os contata para determinar a data propícia, à qual se convidam parentes, amigos e vizinhos.

Na ocasião, os restos mortais do ancestral são amortalhados com preciosos sudários de seda, e os vivos e os mortos são apresentados mutuamente. Os anfitriões oferecem pratos opulentos, acompanhados pelo rum caseiro toaka gasy. Bebe-se, ri-se e se dança muito.

E quando o falecido for recolocado em sua cripta, agora limpa e pintada de novo, estará satisfeito – espera-se – até a próxima famadihana. Normalmente tais festas se realizam a cada três a sete anos, por serem extremamente trabalhosas e caras.

México: Día de Muertos

Esqueletos zombeteiros dançam pelas ruas; as padarias vendem pan de muerto em forma de osso; cintilantes caveiras de açúcar decoram as vitrines: no Día de Muertos os mexicanos festejam a morte em pessoa. Embora possa parecer macabro, trata-se de um espetáculo alegre e colorido.

Reza a crença que nesse dia os mortos acordam do sono eterno para visitar seus entes queridos. Por isso, as famílias erguem ofrendas, altares ricamente decorados com todo tipo de dádivas, uma foto do falecido e cravos cor-de-laranja, cuja cor brilhante serve para indicar aos homenageados o caminho do cemitério até a casa.

Durante a festa que vai de 31 de outubro a 2 de novembro, em diversas regiões organizam-se multicoloridos desfiles. No último dia, parentes e amigos vão até a bem cuidada sepultura do ente querido no cemitério, para um piquenique regado a tequila e charutos, com canto e dança.

O envolvimento intenso com a morte e o além tem longa tradição no México, e nada a ver com o Halloween anglo-saxônico: os maias e astecas já acreditavam que morrer não passava do começo de uma nova vida num mundo paralelo. Com a chegada dos conquistadores espanhóis, as festividades em honra dos ancestrais se misturaram com os costumes católicos. Em 2008, a Unesco declarou o Día de Muertos Patrimônio Imaterial da Humanidade.

Taiwan: Strip-tease para os mortos

No Taiwan, os familiares costumam alugar para os funerais um Electric Flower Car: uma carroceria de caminhão ornamentada com muitas flores e luzes piscantes e equipada com alto-falantes, em que, ao som de música pop no último volume, jovens seminuas realizam pole dances para o morto e a congregação em luto. Em caso de necessidade, também serve um jipe remanejado.

Esse costume um tanto inusitado se estabeleceu nos anos 1970: como coproprietários das casas funerárias e farejando um bom negócio, membros do submundo do país insular passaram a oferecer "pacotes de funeral" econômicos, incluindo as dançarinas de strip-tease de suas casas noturnas.

A ideia é que as profissionais seriam um presente ideal para aqueles que as apreciavam em vida. Em geral condenados nas cidades grandes como imorais, nas zonas rurais, onde há bem menos entretenimento, os Electric Flower Cars são extremamente apreciados.

Tibete: Funeral nos céus

Em meio ao planalto do Tibete, abutres famintos se aglomeram em torno de um cadáver esquartejado. Os ragyapas, espécie de "agentes funerários" do budismo tibetano, lhes entregaram esse corpo para ser comido, cumprindo, desse modo, a antiquíssima tradição do funeral nos céus.

Quem morre, continua recebendo alimento durante alguns dias, simbolicamente, enquanto um monge lhe lê trechos do Livro dos Mortos, a fim de convencer a alma a abandonar o corpo.

No dia do funeral, o lama invoca o morto ainda uma última vez e, ainda antes do pôr-do-sol, o cadáver é levado até o local fúnebre. Lá os ragyapas o esquartejam e abrem-lhe a cabeça para que a alma possa escapar. Aí é tarefa dos abutres levar o falecido para o Bardo, o limbo budista entre a morte e a reencarnação.

Autor: Suzanne Cords, Augusto Valente

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