Favelas sustentáveis: soluções criativas de uma rede no Rio

Moradores de comunidades cariocas enfrentam desafios climáticos e sociais com projetos como telhados verdes e energia solar, em áreas negligenciadas pelo poder público.

Por Deutsche Welle

Tetos verdes para ajudar a diminuir as temperaturas, painéis solares instalados em comunidades e práticas de agroecologia para abastecimento local de alimentos. Essas são algumas das mais de cem iniciativas da Rede Favela Sustentável (RFS), um coletivo de favelas do Rio de Janeiro que conecta e promove soluções criativas.

A rede surgiu em 2018 e vem crescendo com o apoio da Comunidades Catalisadoras (ComCat) e parceiros internacionais, articulando ações que atuam, muitas vezes isoladamente, em temas como saneamento, energia e resiliência ambiental.

A urbanista Theresa Williamson, diretora executiva da ComCat, afirma que a rede busca reforçar práticas que já acontecem nas comunidades e criar um espaço para que essas experiências se expandam, em territórios muitas vezes marcados pela falta de infraestrutura pública e pela vulnerabilidade socioeconômica.

O coletivo oferece não somente apoio técnico e de aprendizado mútuo, mas também reforço da autonomia. "Esses projetos têm mostrado um potencial considerável para transformar as condições de vida local, promovendo alternativas para problemas urbanos e ambientais que frequentemente não recebem atenção", afirma Williamson.

Telhados verdes: solução para o calor

O produtor audiovisual Luiz Cassiano, de 55 anos, é uma das pessoas que integram os projetos da RFS. Morador do Parque Arará, na zona norte do Rio de Janeiro, o carioca sofreu com o calor intenso em seu bairro por mais de vinte anos.

A casa, localizada em uma comunidade com poucas árvores, ficava sempre muito quente e com sensação térmica que podia chegar a 60 graus. "No verão, as paredes esfriavam somente meia-noite ou uma hora da manhã. Eu suava muito", diz.

Em 2012, buscando amenizar o problema, Cassiano foi apresentado ao conceito de tetos verdes por seu amigo Bruno Rezende, tecnologista do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que concluía seu doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Os telhados verdes são construídos para combater as ilhas de calor urbanas. Utilizam-se rolos de bidim (uma espécie de manta) recheados de terra, facilitando a instalação da cobertura vegetal. Dispostos sobre o telhado convencional, os rolos criam um "sanduíche verde" que refresca o ambiente e contribui para a sustentabilidade, amenizando as altas temperaturas.

"O que estudei durante a minha tese é que essa tecnologia chamada Modern Extensive Green Roof (telhado verde extenso moderno, em tradução livre do inglês) foi inventada na Alemanha e utilizada em conjuntos habitacionais com papel embebido em betume, como impermeabilizante, com o intuito de gerar isolamento térmico no frio, para perder menos calor em baixas temperaturas e gastar menos energia com aquecimento", diz Rezende.

"A aplicação de telhados verdes na Alemanha e na Europa como um todo é muito mais ampla do que no Brasil e em outros países tropicais, onde ela seria mais útil", acrescenta.

Após adaptarem o projeto, Cassiano e Rezende implementaram a solução em sua casa. Com os resultados positivos, o produtor audiovisual expandiu a iniciativa para outras casas da comunidade, criando o Teto Verde Favela. "A gente conseguiu chegar a uma diferença de 15 graus da nossa casa para a casa do vizinho. As pessoas que vêm visitar ficam impressionadas como realmente fica muito fresco. Parece que a gente está embaixo de uma árvore", diz Cassiano.

O projeto foi implementado em mais de vinte telhados da comunidade no bairro onde mora, e foi tema de palestras em escolas ao longo desses anos. A implementação dos telhados verdes também foi compartilhada em vídeos por Cassiano nas redes sociais.

Mesmo com o êxito, ele afirma que algumas pessoas ainda veem a iniciativa com desconfiança e como algo que destoa dos ambientes da comunidade. "Os telhados verdes ainda sofrem um processo de desinformação. Essa ideia ainda não é difundida muito no Brasil, no Rio de Janeiro, apesar de que aqui é muito quente e isso realmente deveria ser pensado há bastante tempo. Mas o telhado verde está na casa de ricos, de pessoas ricas, de shopping centers, então ele ainda é símbolo de elite", opina.

Alguns moradores seguiram com a técnica e outros não levaram para frente ao longo dos anos. Atualmente, o carioca se considera um ativista da causa ambiental e deseja que mais pessoas possam usufruir do experimento, para que não sofram com as altas temperaturas.

"Tem gente que acha que é uma loucura e que isso não pode ser em cima de uma casa. Por isso que a ideia sobre o telhado verde ainda não vai para frente. Estou levantando a bandeira provando que é possível, que é necessário e que é urgente essa técnica nas favelas do Rio de Janeiro."

Energia solar na Baixada Fluminense

Vítima de violência doméstica, a empreendedora Nill Santos, de 53 anos, criou a Associação Mulheres de Atitude e Compromisso Social (AMAC) há 14 anos, que acolhe mulheres que passam por situações como as que ela sofreu no passado.

Para ir além do projeto voltado ao público feminino, a associação, em parceria com a RFS, buscou no ano passado também soluções socioambientais para a comunidade, como a instalação de placas fotovoltaicas para captação de energia solar em favelas de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

A iniciativa começou como projeto piloto, e agora o objetivo é transformá-la em algo permanente nos próximos anos. "É uma inovação na questão de economia de energia, de produção de energia e de impacto ao meio ambiente. E, ao mesmo tempo, também pode ser e é uma fonte de renda para as mulheres periféricas. Porque quando ela aprende a instalar as placas solares, ela entende sobre energia solar, além de trazer uma inovação para dentro da comunidade dela", diz Nill.

"A proposta era que a Light pudesse fazer a anistia das dívidas das mulheres que são mães solo na comunidade, e que em cada casa a gente conseguisse colocar uma placa solar para diminuir o preço da conta de luz dela. Porque entre pagar a luz e comer, elas preferem comer", acrescenta.

Em parceria com a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional e a UFRJ, a associação também desenvolve um projeto para reuso de água, com uma estrutura vertical que permite o armazenamento da água da chuva. Ainda em fase inicial, a iniciativa visa beneficiar até 50 famílias.

Ausência do Estado e de políticas públicas

A falta de políticas públicas eficazes e a negligência estatal nas comunidades periféricas evidenciam uma crise além da questão climática, segundo especialistas ouvidos pela DW. Williamson cita que a violência nas favelas é uma consequência da ausência estatal, que também impacta o acesso à infraestrutura básica e a sustentabilidade dessas áreas. "O asfalto é aplicado sem planejamento adequado de drenagem, o que intensifica inundações e o risco de doenças", exemplifica.

Ela ressalta que o Estado não apenas falha em chegar a essas áreas, mas também carece de continuidade em fazer valer as leis que cria, resultando em um ciclo de abandono e precariedade. Esse cenário é enfrentado pelas próprias redes de moradores, que buscam, com recursos limitados, desenvolver soluções sustentáveis e adaptáveis à realidade local.

Gisele Moura, cientista ambiental e coordenadora do Redes, destaca que o conceito de justiça climática precisa ser traduzido para a realidade das comunidades. Ela aponta que, enquanto esses temas são amplamente debatidos em esferas políticas e acadêmicas, a verdadeira compreensão do que significa justiça social e climática vem da experiência cotidiana dessas pessoas. Para Moura, a garantia de direitos como acesso à água e moradia são mais que conceitos: são demandas urgentes e concretas.

Zonas periféricas e mudanças climáticas

As áreas periféricas do Rio de Janeiro enfrentam consequências diretas das mudanças climáticas, potencializadas pela ocupação desigual do espaço urbano. Segundo Williamson, a expansão da cidade privilegiou as zonas mais seguras e secas, forçando a população de baixa renda a ocupar áreas próximas aos morros e rios. Esses locais, historicamente desassistidos, estão mais vulneráveis a deslizamentos e cheias, problemas que se agravam com o aumento das chuvas e temperaturas extremas.

Rezende reforça que o cenário urbano periférico contribui para a formação de ilhas de calor, fenômeno intensificado pela escassez de vegetação. Em muitas comunidades, o desmatamento e o crescimento desordenado deram lugar ao cimento e a materiais que absorvem e irradiam calor, como lajes de concreto e telhados metálicos. Isso eleva a temperatura local, tornando as noites particularmente quentes e desconfortáveis para os moradores.

A falta de planejamento também compromete a drenagem e dificulta o plantio de árvores, que ajudariam a mitigar o aquecimento. Rezende sugere que uma alternativa seriam os telhados verdes, comuns em outras partes do mundo, mas pouco acessíveis no Brasil devido aos custos. E argumenta que políticas públicas poderiam tornar essa adaptação mais viável, especialmente nas regiões periféricas.

Autor: Priscila Carvalho

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