Com a volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, cresceu a preocupação com uma nova guerra comercial com a China. O primeiro mandato do empresário foi marcado por forte protecionismo da indústria norte-americana, taxação de produtos vindos da China e até a ameaça de banimento do Tik Tok no país.
A tensão entre os países é conhecida desde o século XX, na época da Guerra Fria. Desde a década de 1990, empresas norte-americanas decidiram centralizar as produções na China, devido ao baixo custo de produção, legislação flexível e leis trabalhistas mais brandas.
Segundo o pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV, Leonardo Paz, essa questão é pauta principalmente em estados decisivos nas eleições, que perderam indústrias para o país. "Os estados ao norte, que cresceram em torno de indústrias e que agora sofrem com desemprego e má economia são os que mais sentiram com a exportação de indústrias na China", aponta.
Dentre os outros motivos que levaram ao conflito em 2018, o professor de Relações Internacionais, Sidney Ferreira Leite, destaca o déficit comercial entre os países e as acusações de Trump. "Donald Trump entendia que o déficit era resultado de práticas injustas levadas pelo governo chinês. O presidente também acusou a China de promover o roubo de propriedade intelectual, além da transferência forçada de tecnologia", pontua.
A política “America First” (América em Primeiro) de Donald Trump chegou a prometer taxar em 45% os produtos chineses, mas conseguiu implementar sobretaxas de 25%. O foco no primeiro mandato de Trump era fortalecer a indústria americana em detrimento de produtos importados, principalmente os chineses.
Leonardo Paz comenta que Trump também fez uma série de incentivos para indústrias voltarem aos Estados Unidos e também acusou a China de dumping, prática de violação de competição no mercado. “Tinham basicamente medidas que faziam com que a China vendesse produtos abaixo do preço Ocidental. Com as taxas americanas, a ideia era equilibrar o dumping”, pontua.
Dentre as medidas tomadas, os Estados Unidos aumentaram o imposto em importações de produtos e commodities da China, fez a repatriação de empresas que saíram dos Estados Unidos para países da Ásia e outras medidas protecionistas. A China, em retaliação, chegou a desvalorizar a própria moeda para baratear produtos e até taxação de 20% a 25% sob US$ 60 bilhões em produtos norte-americanos.
Quase seis anos depois, a guerra comercial se resume a tentativas de acordos, para tentar equilibrar compras e vendas entre os países. Após a declaração de vitória de Donald Trump, o presidente Xi Jinping parabenizou o candidato vitorioso e reiterou que os dois países só têm a perder com o confronto comercial.
"Os países têm a ganhar com cooperação. Um relacionamento China-EUA com desenvolvimento estável, saudável e sustentável atende aos interesses comuns dos dois países e atende às expectativas da comunidade internacional", diz a nota do Ministério das Relações Exteriores da China.
Nova guerra comercial preocupa especialistas
O impacto de um novo conflito entre a China e os Estados Unidos pode prejudicar a economia global. Na visão de Sidney Leite, a escalada da tensão comercial pode aumentar atritos diplomáticos e até de segurança. "Cadeias de produção e distribuição globais poderão ser afetadas, interferindo em setores como tecnologia, automóveis e bens de consumo", indica.
Leonardo Paz avalia que se Trump cumprir a promessa de campanha e criar uma taxa de 10% a 20% de todos os produtos importados, toda a cadeia global de comércio seria impactada. “Mas é preciso avaliar, porque caso ele faça isso, parceiros dele como Elon Musk seriam afetados, já que ele produz carros elétricos na China, por exemplo”, avalia.
Brasil e bloco do BRICS podem ser afetados com nova guerra comercial
Como a guerra comercial tem como partes as duas principais economias mundiais, o Brasil e muitos outros países podem ser afetados com a rivalidade. Em caso de imposições de novas tarifas, o país poderá ter que ir atrás de novos parceiros comerciais.
"Pode ser uma oportunidade ou maior concorrência ao Brasil em setores como agricultura, energia e manufatura. O país poderia enfrentar dificuldades na importação de insumos, especialmente em setores como tecnologia e indústria", avalia o professor Sidney Leite. Oscilações no valor do real, inflação interna e piora na economia podem ser esperados aqui no Brasil em caso de uma guerra comercial.
Para Leonardo Paz, o Brasil seria afetado nas exportações de produtos industrializados para os Estados Unidos, mas poderia adquirir maior competitividade pela exportação de commodities. “Com essa taxação, os EUA podem ser prejudicados e o Brasil correr por fora com as exportações de soja, carne e afins”, pontua.
O BRICS, bloco que tem grande participação da China e também do Brasil, pode ser afetado. Alexandre Uehara, coordenador do curso de Relações Internacionais da ESPM, avalia que o bloco pode auxiliar a China na tarefa de evitar sanções e efeitos de medidas dos Estados Unidos em um futuro.
“Temos uma busca da China de fortalecer e ampliar esse grupo, a expansão com os novos países-membros, o país busca que a influência não fique restrita pelos Estados Unidos”, pontua. Para ele, os países do bloco não terão pressão política pelos EUA. “O bloco poderá ser um canal para desviar de restrições e alívio de possíveis tensões”, indica.
Setor digital pode ser impactado
Com possíveis restrições e aumento na taxação no setor digital das produções da China, principal potência no setor, a tecnologia pode ficar menos acessível ao público. "Restrições comerciais afetariam empresas de tecnologia, limitando a venda de software, plataformas e produtos entre os dois países, o que pode reduzir o alcance global de plataformas americanas e chinesas", pontua Sidney Leite.
Além disso, Sidney indica que desde o primeiro mandato de Trump a preocupação norte-americana com a dependência tecnológica com a China era grande e seguiu com o governo Biden. "O medo era que no médio e longo prazo a própria segurança americana estaria em risco", afirma.
Além disso, novas regulamentações sobre armazenamento, transferência de dados e acesso a serviços digitais podem ser afetados. "Áreas como inteligência artificial, computação quântica, muito mais desenvolvida na China do que em qualquer outro país, e 5G podem ficar restritas apenas ao país", classifica o professor.
Na avaliação do coordenador do curso de Relações Internacionais da ESPM, Alexandre Uehara, os países têm uma disputa tecnológica que pode ser agravada. “Essa tensão deve continuar, o Tik Tok é um exemplo concreto, que os EUA alegam que a rede pode captar informações, o 5G também, as questões da produção de chips pela China, tudo isso pode ser motivo de disputa no futuro”, avalia.