Pela primeira vez, quatro gerações se cruzam no mercado de trabalho. Ao passo que trocar experiências individuais com pessoas que se encontram em diferentes etapas da vida, se torna possível dentro desse cenário.
Segundo a CEO da Serh1 Consultoria, Andrea Cruz, a diversidade geracional pode criar uma troca de aprendizagem, desde que cada geração esteja aberta para aprender com a outra. Pela experiência que possuem, as pessoas mais velhas costumam ter mais habilidade para resolver situações de crise. Já os mais novos geralmente se abrem com facilidade para novas soluções.
“Tem um viés inconsciente das gerações mais novas que estão na linha de frente contratando de não ver valor e traduzir a pessoa acima dos 50 anos como um profissional em desuso”, ressaltou.
Uma pesquisa da empresa Ernst & Young com a agência Maturi de 2022, com quase 200 companhias brasileiras entrevistadas, apontou que a maior parte das organizações têm apenas de 6% a 10% de funcionários com mais de 50 anos.
Alguns pré-conceitos e a cultura organizacional das empresas refletem na baixa contratação e manutenção de profissionais mais velhos no mercado de trabalho, o que prejudica a igualdade de oportunidades dentro desse sistema.
Os estereótipos fazem com que os empregadores vejam os profissionais seniors como um investimento de alto custo, devido às preocupações com os benefícios de saúde, aposentadoria e salários mais altos em razão dos anos de experiência. Ainda há a ideia de que eles são menos adaptáveis a aprender.
Mulheres são as que mais sofrem com o etarismo
O etarismo atinge todos os gêneros, mas há diferenças em como ele impacta na vida de homens e mulheres. As desigualdades de gênero mostram que o preconceito etário e o sexismo criam obstáculos únicos para a empregabilidade e o crescimento das mulheres mais velhas dentro das organizações.
De acordo com uma pesquisa divulgada em 2022, pela EY Brasil, que ouviu 191 empresas de 13 setores, 32% das mulheres com 50 anos ou mais estavam desempregadas há mais de 1 ano, em comparação a 20% dos homens. O estudo ainda aponta que 21% das mulheres 50+ optam por ocupações autônomas e freelancer, enquanto os homens conseguem mais vagas de consultores, o que indica menor espaço em cargos formais para o gênero feminino.
A escritora e publicitária, Adriana Olacyr, enfatiza que as mulheres são tidas como menos aptas para certos cargos de liderança, devido aos estereótipos que associam autoridade à masculinidade.
“Mulheres enfrentam pressões sociais e expectativas culturais que valorizam a juventude e a beleza feminina, tornando-as mais vulneráveis à discriminação com base na idade e na aparência”.
Além disso, as mulheres também enfrentam um risco maior de serem demitidas, forçadas a se aposentar de forma antecipada e de fazer pausas em suas carreiras, pela maternidade, menopausa ou cuidar da família, funções que são atribuídas a elas, devido a preconceitos de gênero.
A coordenadora de RH, Mariana Kiguti, atua há 8 anos na seleção e contratação de pessoas para empresas. Ela comenta que é comum ver mulheres se justificando, por exemplo, sobre maternidade nas entrevistas de emprego, devido ao etarismo presente estruturalmente nas instituições da sociedade. Ela ainda ressalta que existem movimentos internos para o desligamento de mulheres nas organizações trabalhistas após o término da licença maternidade.
“Eu acredito muito que seja porque eles acham que o rendimento dela não vai ser o mesmo como mulher, como pessoa, depois que ela tem filho. Porque acham que o filho vai tirar a atenção dela na hora de trabalhar e que ela não vai ter o mesmo cuidado para conferir um relatório, por exemplo”.
Dentro das consultorias, Marina comenta que muitas empresas, na hora de escolher o perfil dos funcionários, impõem um limite de faixa etária e geralmente dão preferência para homens, principalmente para o segmento de tecnologia.
Etarismo atrelado a diversidade
O etarismo carrega consigo outros tipos de preconceito e impõe ainda mais desafios para pessoas com deficiência, pretas e LGBTQIA+, além do recorte de gênero.
Uma pesquisa realizada pela ACI Institute apontou que não há mulheres pretas em conselhos de administração de empresas abertas no Brasil. Esses cargos são majoritariamente ocupados por profissionais entre 53 e 57 anos e apenas 15,2% dos cargos são preenchidos por mulheres, segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Já a porcentagem de pessoas com deficiência não passam de 0,7% e os dados são ainda menores para pessoas LGBTQIA+ que ocupam 0,2% dos conselhos empresariais, segundo um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE).
Eliane Kreisler, consultora de gestão e carreiras 50+, ressalta que as políticas empresariais de diversidade precisam ser pensadas a longo prazo. “A diversidade precisa estar integrada como um processo da própria empresa e não para atingir determinadas cotas”.
Mulheres relatam etarismo no mercado de trabalho
Eliane Kreisler, 64, teve uma trajetória de mais de 42 anos de trabalho, conciliou a vida profissional com a maternidade e também em ser filha porque teve que cuidar da mãe que estava envelhecendo.
Com 57 anos, Eliane se aposentou da empresa que trabalhava, mas ao contrário do que veio acontecer, ela tinha a crença de que o mercado de trabalho reagiria de uma forma diferente ao seu amadurecimento.
“Como sempre trabalhei de CLT em grandes empresas, eu imaginava que seria diferente pra mim. Não tinha esse viés de que a idade iria me barrar”, disse.
Mesmo tendo os requisitos solicitados, como pós graduação, Eliane percebeu que não era chamada nem para as entrevistas e então descreve que esse foi o primeiro momento em que sentiu a “dor do etarismo”.
A partir desse cenário, Eliane foi estudar sobre o preconceito etário e decidiu abrir a própria consultoria de gestão e transição de carreira, mostrando para as pessoas que talento não tem idade.
As normas sociais e culturais estabelecem padrões para cada gênero. As mulheres são frequentemente pressionadas a parecerem mais novas e são bombardeadas por mensagens sobre como se vestir, se maquiar e se adequar aos ideais de feminilidade, como Adriana Olacyr, escritora e publicitária, explica. Ela ainda ressalta que o estigma associado ao envelhecimento afeta mais fortemente mulheres do que homens.
“Enquanto os homens são muitas vezes valorizados à medida que envelhecem, as mulheres enfrentam discriminação e desvalorização, especialmente em relação à sua aparência física. Isso estimula preocupações adicionais com o envelhecimento e a aparência”, afirmou.
Alguns anos antes de se aposentar, Eliane decidiu parar de pintar o cabelo e deixou o natural ganhar vida, mas enfrentou novamente o etarismo, em sua aparência física. Por outro lado, os cabelos grisalhos em homens são muitas vezes associados à elegância.
“Eu decidi há quase nove anos atrás deixar o cabelo branco e no trabalho eu ouvia ‘nossa, mas você não tem culpa’, ‘tá deixando o cabelo branco, vai ficar velha’. Como se tivesse um vínculo com a velhice”, contou.
Akeline da Silva, 59, trabalha como secretária em um escritório de advocacia, mas próximo a complementar 50 anos, foi desligada da escola em que trabalhava. De um quadro de mais de 70 professores, apenas ela e outra profissional que estavam próximas a conseguir a aposentadoria quando foram demitidas.
Em um primeiro momento, Akeline diz ter se sentido frustrada, “um zero”, mas com uma rede de apoio, conseguiu um novo emprego e diz ter se sentindo acolhida.
“Hoje eu poderia tranquilamente parar de trabalhar, mas eu não quero ficar na minha casa, não me sinto velha. Acho que ainda tenho muito a doar e a aprender”, afirmou.
O etarismo, assim como outros tipos de preconceito, é estrutural. Ele se manifesta em políticas, programas e em normas que excluem oportunidades às pessoas mais velhas.
Andrea Cruz ressalta que a existência de uma população que precisa se manter ativa no mercado de trabalho, deixa de ser uma responsabilidade apenas da sociedade civil e passa a ser também um problema do governo. São necessárias iniciativas que valorizem as experiências e habilidades dessas gerações, com ambientes de trabalho diversos e uma cultura organizacional inclusiva.
A consultora ressalta que os líderes, os colegas e o próprio funcionário não estão preparados para lidar com a diversidade geracional.
“Cada um tá num lugar de cuidar e defender a sua geração, o seu estilo. Mas a gente perde, todo mundo perde com isso. O ideal seria a gente ver valor no estilo do outro e ser empático para aprender com o outro e aí sim todo mundo ganha”, finalizou.