Está tudo bem em não ingressar na universidade

Optar por não seguir no ensino superior não é necessariamente um problema, desde que decisão seja tomada com pleno conhecimento sobre opções disponíveis e direitos.

Por Deutsche Welle

Desde meados de 2016, eu tenho contato direto, através de um projeto social que visa democratizar o acesso ao ensino superior, com jovens do ensino médio público. Até 2020 esse contato era com jovens da minha região e, desde então, com estudantes de todo o país.

Confesso que precisei amadurecer muito o meu posicionamento e dosar minhas palavras para respeitar os desejos deles em relação a querer ou não ingressar na universidade.

Muito naturalmente eu caia em um discurso de que todos deveriam ingressar em uma. Em minha defesa: eu estava tão encantado com tudo o que eu via na USP, com as oportunidades que recebia e com as experiências que vivenciava, que eu nutri dentro de mim um sentimento muito grande e latente de compartilhar com jovens de origens como a minha, de baixa renda e de bairros de periferia, todo aquele maravilhoso universo.

As primeiras cobaias foram os amigos e colegas. Depois destes, milhares de jovens Brasil afora. Eu me sentia muito triste e como se eu estivesse falhando quando alguém afirmava logo de cara "eu não penso em fazer faculdade". Era como se a pessoa não tivesse entendido a pergunta ou estivesse necessariamente perdendo uma imensa oportunidade e se prejudicando.

Hoje, na minha versão mais madura e experiente, entendo que eu estava, mesmo que não propositalmente, desrespeitando o desejo e as próprias vontades de alguns. Nesta coluna, gostaria de compartilhar um pouco o que aprendi sobre o tema e qual a minha opinião atual.

Decisão baseada em conhecimento

Aprendi que haverá, sim, alunos que irão "decidir" não continuar os estudos em uma instituição de ensino superior após o fim do colégio, e isso não é necessariamente um problema.

Fiz questão de sinalizar entre aspas o verbo decidir por uma importante razão: não é um problema não ingressar no ensino superior desde que seja, de fato, uma escolha. Para haver escolha, obrigatoriamente, é necessário que as opções disponíveis sejam claras e conhecidas.

O problema é que muitos fazem essa escolha simplesmente por não saberem o que é uma universidade pública e por não terem conhecimento sobre as oportunidades de bolsa nas particulares ou sobre os auxílios de permanência. Ou seja: desconhecem os próprios direitos.

Partindo-se da premissa de que estamos falando de um cenário de plena informação e, consequentemente, do conhecimento dos próprios direitos, está tudo bem tomar a decisão sobre não ingressar na universidade. Hoje, tranquilamente, muitas vezes já começo minha fala com os alunos frisando que, de fato, ela não é o único caminho, mas sim um dos.

O que digo para eles, primeiramente, é que é necessário pelo menos tentar ter uma certa linha estratégica do que farão após o fim da escola. Como assim? Tentar ter alguma direção sobre os próprios gostos, afinidades e objetivos. Após isso, pensar nos passos que precisarão ser dados para trilhar o caminho escolhido.

Me surpreendi com a quantidade de jovens incrivelmente convictos sobre o que querem: "ser piloto de avião", "ser aeromoça", "montar meu próprio negócio" ou "ser mecânico de carros".

Tem um trecho de uma música da Whitney Houston que amo muito e que me guia muito: "Todo mundo quer a chance de ser alguém". Acredito firmemente nessa hipótese. Quem, dado o cenário correto de incentivo, suporte e informação, desejaria não sonhar?

Tenho um sobrinho que está no primeiro ano do ensino médio em um colégio público e declaradamente não gosta de estudar. Ele não gosta da escola e não pensa nenhum pouco sobre ingressar em uma universidade. Eu já fiquei triste por isso e pensei em criar planos para o "salvar". Hoje vejo como era um sentimento egoísta o meu.

Ontem, falando com o irmão dele em uma chamada de vídeo, eu pude ver o que ele mexia no celular e era uma página sobre aviões. Fiquei um tanto quanto emocionado, pois ele, aquele que diz que não quer ir para a universidade de jeito nenhum, nunca pensou duas vezes antes de dizer o quanto ama aviões e já declarou inúmeras vezes que seu sonho é ser piloto. Por que não ouvir sinais tão claros assim que nos são dados?

Importante continuar os estudos

Ontem falei com ele sobre isso e, para não perder o costume, puxei sua orelha sobre um quesito: estando no ensino superior ou não, independente do caminho escolhido, nunca poderá e nem deverá parar de estudar. Ah, isso será sempre necessário e é lindo. O problema é que se cria uma imagem de que, por regra, precisa ser naquela configuração tradicional de estar numa instituição, sentando a bunda na cadeira e copiando da lousa. Isso não é verdade. Há infinitas fontes de conhecimento e formas de estudar.

Eu, enquanto um recém graduado em economia e que teve algumas disciplinas que estudam o mercado de trabalho, entendo que o que não há hoje é espaço para mais do mesmo. Como assim? Mesmo quem ingressa no ensino superior, o título de bacharel em Direito ou em Serviço Social já não são mágicos assim. É preciso continuar estudando e se diferenciando.

O mesmo é válido para quem escolhe não ingressar na universidade. Se deseja ser um mecânico, busque estudar teoria e prática para ser o melhor que existe. Se decidir ser manicure, procure aprender novas técnicas e métodos. Esse estudo contínuo é muito estratégico, tanto para ajudar no posicionamento no mercado, quanto para agregar valor ao serviço prestado.

Portanto, você, jovem, que simplesmente conhece seus direitos, mas acredita que não faz sentido para seus planos ingressar em uma universidade, nunca deixe alguém fazer com que você se sinta como se estivesse indo para o caminho errado ou perdendo oportunidades. Alguns tentarão te convencer, como eu provavelmente faria um dia, simplesmente por acharmos que sabemos o que é melhor para você.

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Autor: Vinícius De Andrade

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