"Tem um projeto bacana, Namoro Blindado, que está percorrendo as escolas de Bauru. A molecada já começa a falar de namoro e a dar aquela ‘bizoiada', a troquinha de olhares, mas tem como namorar certo e namorar direito. É uma ação criada pelo programa Escola do Amor, que a Record exibe todo sábado. É uma palestra para orientar a garotada sobre os relacionamentos".
É com essas palavras que o âncora do Balanço Geral SP chama o VT sobre um projeto que está ocorrendo nas escolas e mostrava uma palestra realizada em Bauru. O público-alvo da ação seriam alunos do sétimo ao nono ano, segundo a reportagem exibida há seis anos.
O foco é falar sobre amor, relacionamentos e ensinar os jovens sobre como terem namoros saudáveis e relacionamentos blindados e duradouros. "Saberemos como agir quando estivermos em um relacionamento", diz uma jovem de apenas 11 anos. Já o coordenador do projeto na cidade afirma que "muitas vezes, nem a própria família tem essa referência. Até os próprios pais estão perdidos em relação ao amor".
A origem do projeto, como dito pelo próprio âncora, é o programa Escola do Amor, apresentado pelo casal Renato e a Cristiane Cardoso. Segundo o site oficial, o projeto "visa a educação amorosa dos jovens, ensinando-os a compreender, conviver com as dúvidas e emoções da idade". Nele, são realizadas palestras de 45 minutos e depois os participantes ganham um livro escrito pelos apresentadores do programa semanal.
Nesta altura do texto, caro leitor, não sei sua opinião sobre o assunto. Em alguma medida, sendo bem generoso, até pode parecer que se trata de uma iniciativa bacana, mas na verdade ela é incrivelmente problemática e das mais diversas formas.
O primeiro ponto que me chamou muito a atenção foi a falta de repercussão negativa sobre o projeto. Apesar de a reportagem ser de seis anos atrás, eu ouvi falar pela primeira vez sobre o projeto apenas na semana passada através de um post de uma professora do curso de letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fiquei bem chocado, pois muitas fake news tiveram proporções absurdas e bastante repercussão negativa. Lembram do suposto "kit gay" que o governo petista mandaria para as escolas? Lembram da mamadeira de piroca? Lembram do suposto projeto para ensinar crianças a transarem e a se tornarem homossexuais?
Por que todas essas fake news repercutiram tanto e um projeto totalmente enviesado, que nem mentira é, não repercutiu? Cadê o Nikolas Ferreira e seus semelhantes encabeçando um movimento de proteção às crianças? Não é coincidência, pois o público que repercute e cria as fake news citadas é conivente com o projeto descrito nesta coluna.
Devemos respeitar a laicidade da educação
Temo estar ficando repetitivo em minhas colunas, mas há um projeto por trás de tudo isso. Quem é o dono da Record TV? O bispo Edir Macedo. Um homem que, segundo a Forbes, tem uma fortuna de mais de 2 bilhões de dólares, o equivalente a mais de R$ 10 bilhões. A Record é claramente uma rede evangélica. Ela não esconde isso e não há qualquer tipo de problema, na verdade. Assiste quem quer e está tudo certo. No entanto, levar um projeto com tanto viés para dentro das escolas e dizendo que ele é laico é de um absurdo tremendo. Não é laico, é uma evangelização da educação e isso simplesmente não pode ser permitido.
A ideia de amor, do que seria um relacionamento saudável e sobre o papel do homem e de uma mulher na relação pode variar de religião para religião. Não é algo estático ou universal. Ir para escolas e ensinar crianças de 11 anos sobre essas questões, tendo como ponto de partida os ideais de uma religião, é ir contra a Constituição. Não importa o quanto digam que é laico. Não é.
Até agora, pautei minha discussão sobre a questão da não laicidade do projeto, mas há outro ponto relevante: estamos deixando de trabalhar o que verdadeiramente importa em detrimento de algo sem relevância científica e pautado apenas em viés ideológico.
Escolas precisam de educação sexual
Nossas crianças e jovens não precisam aprender sobre o amor, sobre o papel de um homem e de uma mulher na relação ou sobre como blindar um relacionamento. É preciso e urgente que haja um projeto de educação sexual nas escolas.
Aqui sei que rola muita confusão, intensificada por fake news. A ideia não é ensinar as crianças e jovens a transar. Não é ensinar as melhores posições sexuais ou como atingir o prazer, muito menos incentivar a fazer sexo. O único objetivo é os proteger, e, claro, com abordagens que respeitem as idades.
É importante que crianças entendam sobre partes do corpo que não podem ser tocadas e que se munam de informações para conseguirem identificar quando estão sendo molestadas. É uma pena, mas o abuso é muito frequente do que se imagina. Informações básicas já poderiam atenuar muito a questão.
Agora, quando se trata de jovens, adolescentes e pré-adolescentes, é importante que aprendam sobre Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), no sentido de proteção e de tratamento. É importante que aprendam sobre a importância do uso do preservativo. É importante ser falado sobre a gravidez na adolescência. É importante ser falado sobre a vacina contra HPV.
Enfim, há tantas coisas que precisam ser trabalhadas nas escolas nesse sentido, mas temo, sinceramente, que um projeto do tipo, no Brasil, simplesmente nunca seja possível. É triste, mas é verdade.
Imaginem o tamanho do movimento que a direita e a extrema direita irão encabeçar contra? Eles encontrarão forças, infelizmente, em uma população que não é muito bem-informada e que acreditará nas fake news criadas. Já consigo até imaginar o que Nikolas Ferreira falaria sobre, e até o mais ingênuo dos indivíduos sabe muito bem que não será nada positivo.
Eles dizem tanto que querem proteger nossas crianças, mas esse discurso me parece muito hipócrita. A real proteção eles não permitem. Eles dizem que são contra a ideologia, mas defendem a deles com unhas e dentes.
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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1
Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Autor: Vinícius De Andrade