O debate sobre as condições de trabalho dos entregadores está em alta nos últimos dias. A bola foi levantada por uma declaração polêmica do jornalista Rica Perrone, ocasião em que disse ter discutido com um trabalhador que se recusou a subir ao apartamento dele para levar a comida que pediu por aplicativo.
A situação foi narrada em um podcast. O jornalista ainda disse que, na discussão, “jogou” o pacote de volta para o trabalhador em meio a troca de xingamentos entre ambos. Em outro momento, Rica sugeriu um “soco na cara” do homem, enquanto debochava de negros, gays e pobres.
“Você sabe por que o cara não falava uma merda dessa, 20 anos atrás? Porque ele ia tomar um tapa, um soco na cara”, disparou o jornalista. Após intervenção da apresentadora do podcast, Rica continua:
Ele vai sair dali e vai falar assim: ‘Eu sou gay? Não. Eu sou preto? Não. Eu sou pobre. Gente, sofro preconceito de um blogueiro, que fui à casa dele e ele me bateu’ (Rica Perrone)
Sem legislação no Brasil
A repercussão das falas do jornalista fez a Band investigar se o entregador é ou não obrigado a subir ao apartamento do cliente. Do ponto de vista das plataformas de entrega, a exemplo do iFood, não há uma legislação federal que obrigue o trabalhador a deixar a comida na porta do consumidor.
Hoje, no Brasil, o que existem são legislações municipais sobre o tema, como em Fortaleza, onde o entregador só pode subir ao apartamento se o cliente tiver dificuldade de locomoção ou necessidades especiais. No mais, caberá ao profissional deixar o produto na portaria do condomínio, se for o caso.
Onde não há uma legislação específica, as regras para os entregadores são estipuladas pelo próprio condomínio. Alguns permitem a entrada dos motoboys, mas outros, sob a alegação de segurança, vetam-na. Isso obriga o cliente descer para receber o item.
iFood pede para o cliente descer
Com ou sem regras dos condomínios, o entregador por aplicativo não é obrigado a subir ao apartamento. O próprio iFood, por exemplo, orienta os clientes a descerem e reforça que, na plataforma, o trabalhador só é obrigado a deixar o pedido no primeiro ponto de contato na residência da pessoa, como a portaria de um condomínio.
“A obrigação do entregador é entregar no primeiro ponto de contato que existe na residência da pessoa. Se for no condomínio, esse ponto é a portaria. Essa é a recomendação dada para os entregadores e a comunicação passada para os consumidores”, explicou Diego Barreto, vice-presidente de Estratégias e Finanças do iFood, num informativo publicado no site da plataforma.
Roubo da moto e até cliente de roupa íntima
Mas a Band quis saber da própria classe o que acha do tema. O presidente da Associação de Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (AMABR), Edgar Francisco da Silva, foi taxativo ao defender a categoria. Para ele, a ida de um entregador ao apartamento implica no risco de roubo da moto, multas pela falta de local para estacionar, acusações falsas de vandalismo no condomínio e até em cliente que recebe o trabalhador com roupa íntima.
Muita coisa já aconteceu no passado, como a escada de incêndio aparecer pichada e falarem que foi o entregador. Urinaram na escada de incêndio. Tem cliente que atende a pessoa com roupa íntima e fala que o entregador estava olhando a pessoa (Edgar Francisco da Silva)
Motofretista há 22 anos, Edgar também explicou que, quando o condomínio é muito grande, muitas vezes, o entregador precisa andar até 500 metros para achar a torre, o que demanda tempo. Nesse período, por exemplo, o trabalhador faria outra entrega.
De R$ 4 a R$ 10 por entrega
Para o presidente da AMABR, a classe ganha pouco por entrega, entre R$ 4 e R$ 10. Devido a isso, o entregador tem muitas demandas ao longo do dia para conseguir faturar um valor razoável. É por isso que o tempo perdido no condomínio afeta o trabalho da categoria.
“Com essa era de aplicativo, não tem [salário] garantido para o entregador. Aí o entregador ganha por entregada. Aí, para o entregador, o tempo que ele sobe por entrega, ele deixou de fazer uma ou duas entregas. Tem condomínio que, às vezes, o entregador anda 500 metros para chegar à torre em que a pessoa está e não pode entrar com a moto. Têm vários condomínios e várias regras”, considerou Edgar.
No que diz respeito à relação das plataformas com os entregadores, Edgar fez cobranças para que as empresas orientem os clientes a agilizarem o recebimento da entrega. Como sugestão, notificar o consumidor para descer à portaria quando o pedido estivesse próximo.
“Não existe lei que proíba o entregador de subir, e também não tem lei que o obrigue a subir. As plataformas deveriam orientar os clientes para que desçam e que o aplicativo tivesse um aviso para que a pessoa descesse à portaria. Eles não fazem porque não queria diminuir a cartela de clientes. Tem entregador que não quer ser bloqueado e acaba subindo”, salientou o presidente da AMABR.
Advogada comenta
O debate também é destaque no direito trabalhista. A advogada Erika Verde, entrevistada pela Band, reforçou que, legalmente, é facultativo ao entregador subir ou não ao apartamento do cliente. Nesse sentido, a especialista ainda destacou que o acesso ao prédio depende de regras condominiais.
“É fundamental compreender que essa é uma questão de conveniência e segurança para ambas as partes envolvidas. Tanto o entregador quanto o cliente devem estar confortáveis com a decisão de subir ou não aos apartamentos. No entanto, os entregadores têm o direito de recusar essa ação se se sentirem desconfortáveis ou inseguros”, explicou Erika.
Motoboy promete processar Perrone
O entregador que se diz citado por Perrone, identificado como Marcinho Machado nas redes sociais, anunciou que processará o jornalista. Uma nota publicada no Instagram relata duas agressões ao motoboy, uma no dia da prestação do serviço e outra durante a participação do blogueiro no podcast.
“Marcio Machado, representado pelo advogado Brian Hansen, vem informar que foi vítima de preconceito social praticado pelo Rica Perrone, quando foi agredido duplamente por ele. Primeiro no ato da agressão. Em seguida, quando, em um podcast, se vangloriou dos seus atos”, diz trecho da nota divulgada pelo entregador.
Perrone se desculpa
No último sábado (16), o jornalista publicou uma nota em que se desculpa com Marcio e com “quem se sentiu ofendido”, além de relatar que não é preconceituoso com as demais classes sociais e informar que é fã dos entregadores. No mesmo texto, porém, pontua que a versão do motoboy não condiz com a realidade.
“Diante de tudo, faço aqui o meu pedido de desculpas a ele [Marcio], a todos que se sentiram ofendidos e, principalmente, a todos os que me acompanham. Mas o que aconteceu foi isso, uma discussão que, infelizmente, acontece, sem qualquer agressão”, escreveu Rica.