Separados por 16.500 quilômetros, Paris e o território ultramarino francês da Nova Caledônia não poderiam estar muito mais distantes. Na última quarta-feira, o presidente da França, Emmanuel Macron, mudou planos de viagem para permanecer na capital francesa a fim de liderar as reuniões de gerenciamento de crise no território do Pacífico Sul.
Desde a semana passada, o arquipélago é palco de violentos protestos de separatistas que já deixaram ao menos seis mortos, centenas de feridos e mais de 200 presos.
Na quarta-feira, a França impôs estado de emergência na Nova Caledônia, anunciando medidas que incluem o deslocamento de membros das Forças Armadas para a região, toque de recolher noturno e a suspensão do serviço de vídeos TikTok. Segundo o governo francês, a última vez em que medidas do tipo foram baixadas foi em 1985.
Quando a Nova Caledônia se tornou francesa?
A Nova Caledônia está localizada no sudoeste do Oceano Pacífico, a cerca de 1.300 quilômetros da costa da Austrália. O território compreende a ilha principal da Nova Caledônia e várias ilhas menores.
O explorador britânico James Cook foi o primeiro europeu a pisar no local em 1774, mais de 2 mil anos após o início do povoamento do arquipélago. O cenário montanhoso da parte nordeste da ilha principal lembrou a Cook sua terra natal, a Escócia – Caledônia em latim –, e foi assim que a ilha ganhou o nome que ostenta até hoje.
À época, viviam na ilha cerca de 60 mil membros do povo originário Kanak, maior etnia do arquipélago. Com a chegada dos europeus, muitos deles acabaram sendo forçados a viver em reservas.
Nas décadas seguintes, marinheiros e missionários cristãos do Reino Unido e da França chegaram e se estabeleceram na Nova Caledônia.
Em 1853, sob o comando de Napoleão 3º, a França tomou posse formal da ilha, que no início foi usada principalmente como colônia penal. Depois que o níquel foi descoberto, a mineração passou a ser levada a sério, com o setor logo se expandindo para incluir também a extração de cobre.
Em 1887, o "Code de l'indigénat" (código indígena) da França foi aplicado à Nova Caledônia. Esse conjunto de leis submeteu as populações indígenas das colônias francesas a regras rígidas e negou-lhes certos direitos civis. Muitos kanaks foram escravizados e forçados a trabalhar na Nova Caledônia ou em outras partes do mundo.
Desde o início, o povo Kanak fez várias tentativas fracassadas de se livrar do poder colonial. Quando o arquipélago se tornou um território ultramarino francês após a Segunda Guerra Mundial – assim como algumas das outras colônias da França no Pacífico e no Caribe – os kanaks da Nova Caledônia receberam a cidadania francesa e gradualmente obtiveram o direito de votar.
Atualmente, os kanaks representam cerca de 40% da população da Nova Caledônia, que é de aproximadamente 270 mil habitantes. O segundo maior grupo, com 24%, são de pessoas de origem europeia – em sua maioria, franceses.
Além disso, a moeda do território é atrelada ao euro, e seus cidadãos podem votar tanto nas eleições francesas quanto nas eleições para o Parlamento Europeu.
Demandas contínuas por independência
Desde a década de 1970, a Nova Caledônia tem feito contínuas reivindicações de independência, que são apoiadas por grande parte do povo Kanak. As Nações Unidas também apoiaram essas demandas e, em 1986, a Assembleia Geral da ONU reinscreveu a Nova Caledônia em sua lista de "territórios não autônomos". Em 1988, a França concordou em conceder mais autonomia à Nova Caledônia.
Mas a maioria da população – especialmente os descendentes de colonialistas franceses – quer que a Nova Caledônia continue fazendo parte da França.
Um dos motivos é econômico: de acordo com o governo da vizinha Austrália, os 1,5 bilhão de euros que a Nova Caledônia recebeu de Paris em pagamentos de orçamento direto em 2020 representaram cerca de 20% da produção econômica geral do território naquele ano.
Nos referendos de independência realizados em 2018 e 2020, apenas 43,6% e 46,7% dos participantes votaram a favor, respectivamente. Já em 2021, um novo referendo foi boicotado pelos partidos de independência, levando a um resultado distorcido de quase 97% contra.
Indignados com a nova lei de direito de voto
A indignação agora manifestada por muitos defensores da independência na Nova Caledônia surgiu após uma reforma constitucional aprovada recentemente pelo Parlamento francês que estendeu o direito ao voto nas eleições regionais a franceses que vivem há mais de dez anos no arquipélago.
Até então, além da população originária, esse direito era reservado apenas a imigrantes que viviam no território desde antes de 1998 e aos filhos deles. Ou seja, os residentes que chegaram da França continental ou de qualquer outro lugar nos últimos 25 anos não têm o direito de participar das eleições locais.
Macron ainda não assinou a lei. Os protestos são, portanto, uma tentativa de dissuadir o presidente de dar prosseguimento com a reforma constitucional.
O movimento pró-independência teme que a inclusão de tantos novos eleitores dilua seu próprio peso político. Opositores da lei dizem que ela vai beneficiar políticos pró-França e marginalizar os kanaks, que no passado sofreram sob políticas rigorosas segregacionistas e discriminação.
Interesses geopolíticos e econômicos
A França, que é uma potência nuclear com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU, continua se vendo como uma potência global. Suas forças armadas têm bases aéreas e navais na Nova Caledônia, que são de importância geopolítica.
Além disso, os recursos naturais do arquipélago são de grande importância econômica. Em 2021, 190 mil toneladas de níquel foram extraídas do território, de acordo com estimativas dos Estados Unidos. No mundo, somente a Indonésia, as Filipinas e a Rússia produziram mais.
O movimento pró-independência da Nova Caledônia também recebeu apoio de um aliado inesperado, a ex-república soviética do Azerbaijão, que a França acusou de interferência.
Em um artigo recente, o veículo americano Politico disse que Philippe Gomès, ex-chefe de governo da Nova Caledônia, acusou o Azerbaijão de "financiar ativamente a Frente de Libertação Nacional Kanak e Socialista". O ministro do Interior da França, Gérald Darmanin, fez alegações semelhantes.
O Azerbaijão rejeitou as alegações de que está por trás dos recentes distúrbios na Nova Caledônia.
Autor: David Ehl