'Enrosco' nas emendas deste ano é culpa do Congresso, não do STF, diz Transparência Brasil

Emendas parlamentares foram liberadas pelo Supremo com regras mais rígidas depois do Congresso aprovar lei sobre o tema; parlamentares dizem que há interferência do STF nos trabalhos

Por Rafaela Lara

'Enrosco' nas emendas deste ano é culpa do Congresso, não do STF, diz Transparência Brasil
Câmara dos Deputados durante sessão em dezembro de 2024
Lula Marques/ Agência Brasil

Finalizadas as votações importantes para o governo e com o recesso parlamentar em andamento até o dia 2 fevereiro, a avaliação da ONG Transparência Brasil sobre os entraves nas emendas parlamentares, tema que dominou o Congresso ao longo do ano, é de que o “enrosco” foi criado pelos próprios deputados e senadores, e não pelo Supremo Tribunal Federal (STF).  

“Embora muitas vezes se atribua ao Supremo o travamento das emendas, no fim das contas a autoria do enrosco é do próprio Congresso, que criou uma dinâmica incompatível com a Constituição, e do Executivo, que abraça essa dinâmica”, explica Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, ao Band.com.br.  

No início de dezembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino liberou os pagamentos das emendas parlamentares, suspensos desde agosto por decisão da Corte pela falta de transparência e rastreabilidade dos recursos.  

Na decisão que libera os repasses, o ministro determina que a Controladoria-Geral da União (CGU) continue monitorando o tema e elaborando relatórios para 2025 com o intuito de garantir que as regras estabelecidas sejam cumpridas.  

Além disso, o ministro estabeleceu critérios para cada modalidade de emenda parlamentar, o que não agradou o Congresso, que passou a ver o gesto como uma interferência do Judiciário em temas que competem ao Legislativo e Executivo.  

Antes da liberação de Dino, o Congresso já havia votado e aprovado uma Lei Complementar (LC 210/2024) que estabelecia novas regras para os repasses das emendas. Resultado de um acordo entre Legislativo e Executivo, a lei ainda mantém pontos obscuros para determinados tipos de repasses, segundo organizações que monitoram o tema. Em novembro, após a aprovação no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei sem vetos.

Emendas de comissão e 'Orçamento 3.0'

Para a Transparência Brasil, a forma como a lei foi aprovada estabelece o "Orçamento Secreto 3.0". Em nota, na época da aprovação da lei, a ONG afirmou que o texto não atendia às exigências do Supremo e agravava riscos de corrupção.  

A Transparência Brasil listou 12 pontos problemáticos na lei. Pela lei, as emendas de comissão serão indicadas pelos líderes partidários, e não há determinada a obrigação de que se identifique qual líder indicou qual emenda.   

“O processo de decisão, e de repartição, sobre as emendas de comissão acontecerá às escondidas, sem identificação dos reais autores das emendas, ou seja, em descumprimento ao que decidiu o STF. E no fim haverá duas camadas escondendo a origem das indicações: os líderes partidários e os presidentes das comissões”, explicou Marina Atoji.   

Ao aprovar a LDO de 2025, os parlamentares retiraram a previsão de contingenciamento pelo governo federal das emendas parlamentares quando for necessário. Pelo texto aprovado, se o Executivo desejar contingenciar as emendas, deverá respeitar a mesma proporção aplicada às demais despesas discricionárias.

Emenda de comissão é ponto crítico, diz Transparência Brasil

Para Atoji, um dos pontos críticos da lei trata sobre as chamadas emendas de comissão, que deveriam ser indicadas coletivamente pelas comissões permanentes de cada uma das Casas do Congresso.  

“Pelo texto, elas serão indicadas pelos líderes partidários, e não há a obrigação de que se identifique qual líder indicou qual emenda. Mas as reuniões de bancadas partidárias são algo que funciona informalmente, sem transparência nem registros. Junte-se a isso o fato de que a lei não proíbe a divisão das emendas para atender a interesses individuais, e teremos um cenário pior do que o orçamento secreto”, disse ao Band.com.br.  

Ao determinar regras mais rígidas, Dino estabeleceu que este tipo de emenda “deve ser liberada com a devida identificação dos parlamentares. Cabe ao executivo aferir a transparência e liberar caso a caso.”  

“Considerando o menosprezo pelas decisões do Supremo demonstrado especialmente por deputados, é de se questionar se tal interpretação será seguida”, diz Atoji. Enviada ao Congresso, a proposta de Orçamento para 2025 prevê quase R$ 39 bilhões para emendas parlamentares.


Em novo capítulo do impasse, Dino bloqueia definitivamente pagamento de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão 

Em um novo capítulo em torno das emendas, Dino bloqueou R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão no último domingo (29). A nova decisão destaca que o bloqueio se deve ao fato das 5.449 indicações de emendas de comissão que não obedeceram às normas jurídicas. No mesmo texto, o ministro libera as emendas impositivas já empenhadas na área da Saúde e de comissão empenhadas até 23 de dezembro.

Na decisão, Flávio Dino cita ainda a "nulidade insanável" das emendas de comissão, indicadas por líderes partidários, e diz que o processo orçamentário não comporta "invenções" de tipos de emendas, além das que já estão previstas.

"Sublinho que o devido processo legal orçamentário, de matriz constitucional, não comporta a “invenção” de tipos de emendas sem suporte normativo. A legítima celebração de pactos políticos entre as forças partidárias tem como fronteira aquilo que as leis autorizam, sob pena de o uso degenerar em abuso."

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