Estima-se que de 10% a 15% das mulheres em idade fértil sofram com o problema caracterizado pelo crescimento do endométrio - o tecido que reveste internamente a cavidade uterina -, em áreas vizinhas, como ovários, bexiga e intestino. Isso gera um processo inflamatório que pode explicar as cólicas associadas à doença, além de outros sintomas, como dificuldade de engravidar.
Segundo o ginecologista Sérgio Podgaec, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, cerca de 65% das pacientes diagnosticadas com o problema conseguem controlá-lo por meio de tratamento que combina analgésicos e anticoncepcionais hormonais. A retirada do útero não é uma opção frequente. “Em mulheres jovens, os tratamentos radicais para a endometriose são a exceção”, diz Podgaec, que é especialista na doença. “Só se retira o útero se outras alternativas não deram resultado na melhora da dor e quando existem outros fatores associados ao quadro clínico da paciente, como mioma e sangramento.”
O certo é que há muito a ser esclarecido em termos científicos quando se fala do mal. Pesquisadores orientados por Podgaec no Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa tentam jogar luzes sobre mistérios que ainda cercam a endometriose. Um deles diz respeito ao número de mulheres com a doença. Hoje, acredita-se que ela afeta de 10% a 15% das mulheres em idade reprodutiva. Para averiguar essa estimativa, o ginecologista Nilson Abrão Szylit, do Einstein, tem a meta de recrutar pacientes que procuram a Unidade Básica de Saúde do Parque Regina, na Zona Sul da capital paulista, para sua tese de doutorado no IIEP.
O objetivo do trabalho é descobrir quantas pacientes têm a doença por meio de avaliação clínica e ultrassom transvaginal com preparo intestinal – é preciso limpar o intestino para visualizar os possíveis locais afetados pela doença. É que muitos casos só são descobertos hoje depois de cirurgias como a de laqueadura. Isso porque a endometriose pode ser assintomática.
As voluntárias são selecionadas depois de responder a um questionário que elenca cinco sintomas da enfermidade, como cólica menstrual, dor na região pélvica, alterações urinárias e intestinas, além de impossibilidade de engravidar. Se um deles tiver uma pontuação alta, a paciente é convidada a integrar o estudo. “Os resultados iniciais da pesquisa indicam que o número real de mulheres que têm endometriose sintomática é menor do que muitos acreditam”, revela o especialista. “O estudo é importante por permitir planejar ações de saúde, o que só é possível conhecendo-se a quantidade de casos que se espera encontrar”, explica Szylit.
Já a radiologista Luciana Raiza, também do Einstein, analisou o resultado do ultrassom transvaginal de rotina, para checar o útero e os ovários, de 339 mulheres. Desse total, 8% apresentaram lesões suspeitas de endometriose. “Algumas tinham os sintomas, mas não desconfiavam do problema”, conta Raiza. Segundo ela, 49% delas não reclamavam de dores e afins.
Parte dessas pacientes ainda não tinha tentado engravidar. Por isso, de acordo com a radiologista, não é possível dizer que elas vão ter algum tipo de dificuldade ou se tornar inférteis. O mesmo vale para as assintomáticas, que podem se tornar reféns de algum desconforto mais tarde. “O ideal é acompanhá-las.”
Fitoterapia e testes diagnósticos
Obter um medicamento fitoterápico de baixo custo contra endometriose e que possa ser usado no Sistema Único de Saúde (SUS). Esse é o propósito do estudo da biotecnologista Camila Hernandes, pós-doutoranda supervisionada pelo ginecologista Sérgio Podgaec. Ela é pesquisadora visitante do IIEP e consultora de projetos de inovação. Seu trabalho está avaliando as propriedades da Uncaria guianensis, uma das espécies da planta conhecida como unha-de-gato.
A Uncaria guianensis é mais comum no Brasil do que sua parente, a Uncaria tomentosa, e tem um potencial anti-inflamatório maior. Camila está testando em laboratório combinações à base da planta em amostras de células de lesões de endometriose. “Buscamos uma droga que atue somente na lesão sem causar danos no endométrio da paciente e que seja capaz de reduzir o tamanho das lesões”, explica.
A hipótese do estudo é que essas combinações possam reduzir a área afetada por meio do controle de processos inflamatórios e oxidativos, diminuindo, por consequência, a dor. O tratamento contra a doença hoje é hormonal ou cirúrgico. Dessa forma, acredita-se que esse medicamento poderá trazer mais benefícios, menor efeito colateral e, se tudo der certo, esse tipo de unha-de-gato pode ser candidata para entrar no rol de plantas medicinais oferecidas pelo SUS.
Esse grupo de pesquisadores também está em busca de biomarcadores específicos da endometriose na saliva. A identificação dessas moléculas permitirá o desenvolvimento de um teste não invasivo para a enfermidade. “Em muitos casos, o diagnóstico definitivo ainda acaba sendo feito por videolaparoscopia”, diz Camila. Os cientistas ainda estudam o envolvimento de micro-organismos na patogenicidade da doença, ou seja, sua capacidade de causar o problema.
Senilidade celular
As células das lesões da endometriose têm um aspecto diferente das do endométrio. Com o tempo, eles se tornam parecidas com células chamadas de senescentes, unidades pra lá de envelhecidas que param de se dividir e têm resistência à apoptose, o suicídio celular. É como se o corpo enfrentasse dificuldades para dar cabo delas. “Começamos a entender por que o organismo não consegue eliminar células que não pertencem ao lugar onde estão”, fala a bióloga Helena Malvezzi, do IIEP e autora do estudo com esse achado, também do mesmo grupo de estudos do Einstein. É o caso da endometriose. É uma hipótese que pode abrir um caminho para destrinchar o desenvolvimento da doença.
Entenda como ocorre a endometriose
- O útero é formado por uma camada muscular, o miométrio, e uma camada interna, que é chamada de endométrio.
- Todos os meses, no período menstrual, o endométrio descama, provocando sangramento.
- A endometriose acontece quando o endométrio escapa do útero. Ela pode ocorrer de forma mais simples, com pequenas lesões na região pélvica, ou de maneira mais avançada, atingindo órgãos como ovários, bexiga e intestino.
Os sintomas mais comuns
- Cólica menstrual
- Dor na região pélvica fora do período de menstruação
- Dor no fundo da vagina durante a relação sexual
- Alterações intestinais durante o período menstrual, como dor para evacuar, diarreia e/ou sangramento nas fezes
- Dor para urinar e sangramento no xixi
- ?Dificuldade para engravidar
Endometriose em números
- Estima-se que ela acometa de 10% a 15% das mulheres em idade fértil
- 30% das mulheres inférteis têm a endometriose como causa principal
- 1/3 das mulheres apresentam dificuldade para engravida devido ao problema
- 86% das mulheres com endometriose têm cólica menstrual de grau variado