O famoso enclave hippie de Christiania, no coração de Copenhague, é considerado há décadas um refúgio da contracultura e um paraíso libertário. A Pusher Street, rua central da comunidade conhecida pelo mercado de drogas, é particularmente popular entre os turistas.
Nos últimos anos, porém, o crime organizado vem assumindo cada vez mais o controle, e Christiania passou a ser atormentada pela violência do narcotráfico.
Os moradores da comunidade se cansaram da situação. Neste sábado (06/04), eles se juntaram à polícia, à prefeita de Copenhague e ao ministro da Justiça da Dinamarca para recuperar a Pusher Street da mão dos traficantes.
Munidos de pás e pés-de-cabra, os locais arrancaram os paralelepípedos da rua para abrir caminho para um projeto de restauração. Enquanto pegavam pedras pesadas e as jogavam em carrinhos de mão, uma por uma, houve aplausos comemorativos e gritos de "Christiania!".
Conhecidos como Christianites, os moradores já haviam tomado a decisão drástica de fechar a rua em agosto passado, depois que o enclave registrou seu quarto assassinato em três anos.
A porta-voz local, Hulda Mader, disse à agência de notícias AFP que a Pusher Street havia "se deteriorado" e "realmente não era um lugar muito agradável".
Ela mencionou a violência entre os traficantes, que sempre davam um jeito de reerguer as barracas de haxixe depois que elas eram removidas. "Eles brigam entre si, brigam com as pessoas e são violentos", contou Mader.
A prefeita de Copenhague, Sophie Haestrop Andersen, disse que o compromisso dos cerca de mil moradores de Christiania foi crucial para os planos de renovação. "É a primeira vez que eles se unem e concordam em tomar uma posição contra o aumento da criminalidade e da insegurança em seu bairro."
A remoção dos paralelepípedos é o primeiro passo para integrar a comunidade à capital dinamarquesa. Em seguida, a cidade instalará uma nova infraestrutura de água e saneamento e repavimentará a rua.
O governo dinamarquês fez uma oferta de 14,3 milhões de coroas dinamarquesas (cerca de R$ 10,6 milhões) em financiamento de renovação, condicionada à remoção e ao banimento da venda organizada de haxixe.
Coletivo antiautoritário e ímã turístico
Fundada em 1971, a "Cidade Livre de Christiania" surgiu como um lugar que "pertence a todos e a ninguém", com as decisões sobre a organização da vida na então abandonada base naval sendo tomadas coletivamente.
O enclave se tornou um ícone de vida coletiva de espírito livre, onde carros e policiais não eram permitidos, o governo tinha influência limitada – os residentes desrespeitavam os códigos de construção e frequentemente se recusavam a pagar as contas de serviços públicos – e a maconha era ilegal, mas, mesmo assim, tolerada.
A droga era cada vez mais vista como um espinho por parte dos sucessivos governos, muitas vezes colocando os residentes e as autoridades em conflito. Ainda assim, o bairro foi a atração turística mais popular da capital durante décadas.
"Cerca de cinco ou dez anos atrás, eram principalmente locais – mas agora vemos que são principalmente as gangues e as gangues de motoqueiros que movimentam esse mercado de drogas", afirmou o chefe de polícia de Copenhague, Simon Hansen. Cada vez mais, essas gangues entram em conflito violento com as forças de segurança.
A polícia da capital disse que fez cerca de 900 prisões relacionadas a drogas em 2023.
Moradores prontos para um "novo capítulo"
Os residentes mais velhos de Christiania – um quarto tem mais de 60 anos – dizem esperar que, ao se livrarem do flagelo das gangues de drogas, possam começar um "novo capítulo" e retornar aos ideais que um dia moldaram a idílica comunidade.
"Vamos pintar os prédios, reconstruí-los e todo tipo de coisa", disse Hulda Mader. "Queremos ser associados ao que éramos antes... arte, cultura e peças de teatro... tornando aqui um lugar agradável para as pessoas virem e relaxarem."
Os moradores afirmam ainda que esperam capitalizar a tradição do enclave e seu belo ambiente de vegetação, água e fachadas coloridas.
Outro elemento do plano de renovação é a construção de moradias para cerca de 300 novos residentes, com início previsto para 2027. Os moradores dizem que esperam atrair famílias jovens com crianças.
ek (DW, AFP, AP, ots)