Enchentes no Rio Grande do Sul: o que deu errado?

Com eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, tragédias como a que acomete os gaúchos já vinham sendo anunciadas há tempos. O desastre poderia então ter sido evitado? Especialistas apontam as falhas.

Por Deutsche Welle

Quando as chuvas no Rio Grande do Sul começaram, Roberlaine Ribeiro Jorge estava em uma viagem de negócios à Europa e aos Estados Unidos. Ao retornar, o professor universitário encontrou seu estado natal numa situação deplorável. "Pensei que era mais um período de chuvas intensas. Era inimaginável a proporção que chegou", diz o especialista em recursos hídricos e higiene ambiental. "Eu trabalho na área, então faz parte da nossa rotina lidar com esses fenômenos climáticos. Mas foi assustador."

As piores enchentes da história do Rio Grande do Sul deixaram cerca de 150 mortos, mais de 100 desaparecidos e mais de 600 mil desalojados ou desabrigados. A vida pública está praticamente paralisada. Ao todo, mais de 2 milhões de pessoas foram afetadas pela tragédia diretamente.

Eventos climáticos extremos, como ondas de calor e chuvas fortes, não são raros no sul do país, e houve uma série deles somente nos últimos meses. Sabe-se que a mudança climática intensifica esses eventos extremos; sabe-se também que eles estão sendo exacerbados atualmente na região pelo fenômeno climático El Niño. Isso levanta a questão: não era possível ter se preparado melhor?

Sistema de defesa civil pouco preparado

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva já reconheceu as deficiências na defesa civil, dizendo que o país "não estava preparado" para um desastre dessa magnitude. Segundo uma pesquisa do instituto Quaest, a maioria dos brasileiros também acredita que a tragédia poderia ter sido evitada.

Mas onde exatamente ocorreram as falhas? Os alertas meteorológicos de que haveria chuvas fortes foram emitidos com cerca de cinco dias de antecedência, explica Gean Michel, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mesmo assim, pouco foi feito até o início efetivo das chuvas intensas em 29 de abril. A preparação de longo prazo para eventos climáticos extremos também foi inadequada.

"Há quase um século, nós sabemos que problemas como esse podem acontecer na região. Então não existe absolutamente nenhuma justificativa para que não tenhamos tomado as medidas corretas para que estivéssemos prevenidos e preparados", afirma Michel. "Precisamos, em primeiro lugar, ter uma defesa civil, um sistema de defesa civil muito bem preparado nas diversas escalas."

Em 2012, uma lei nacional estabeleceu a criação de um sistema de defesa civil, que a organiza em vários níveis. Ela previa a instituição de um Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNDC), visando identificar as áreas sujeitas a riscos de desastres no Brasil. Mas 12 anos depois, esse plano nunca foi lançado. "A lei existe, ela vale, mas ainda não foi de fato implementada", critica o especialista em desastres ambientais.

Michel explica que em municípios pequenos, por exemplo, a Secretaria de Defesa Civil muitas vezes consiste em apenas uma pessoa que tem pouca ou nenhuma experiência em gerenciamento de risco de desastres. "E geralmente não é um cargo permanente que exista um concurso público. Então, muitas vezes, a pessoa vai ficar só quatro anos e não consegue acumular conhecimento para ser aplicado em gestão de risco de desastres no município."

Problemas estruturais

Os problemas estruturais também ficaram evidentes durante o atual desastre no Rio Grande do Sul. As estruturas existentes para proteção contra inundações, incluindo diques, comportas e bombas, não recebem manutenção adequada ou sequer são renovadas há décadas.

"Em Porto Alegre especificamente, o limite de inundação [desses sistemas de proteção] seria de seis metros. E o nível da água ficou em 5,35 metros. Ou seja, antes de atingir a cota, o sistema colapsou", explica Roberlaine Jorge, que leciona na Universidade Federal do Pampa.

As bombas, por exemplo, não foram capazes de bombear a água para fora da cidade porque estavam inundadas e não funcionaram debaixo d'água. A tecnologia já avançou há muito tempo: no cultivo de arroz, por exemplo – um fator econômico importante no Rio Grande do Sul, que responde por 70% da produção nacional do cereal –, agora são usadas bombas localizadas em um tipo de bote inflável que sobem com a água à medida que o nível aumenta.

Jorge avalia que também são necessárias mudanças na área de planejamento urbano. Muitos moradores vivem muito perto da água, algumas vezes até contrariando as normas. Segundo ele, engenheiros, arquitetos e ambientalistas devem se perguntar cada vez mais como a urbanização e a impermeabilização do solo podem ser melhor gerenciadas.

Além disso, falta uma boa comunicação por parte do poder público para instruir a população sobre como reduzir riscos e como se comportar em determinadas situações. Gean Michel alerta para a importância de uma cultura de prevenção, que é muito abordada no Japão, por exemplo, em vista dos muitos terremotos e tsunamis, mas que ainda é incipiente no Brasil.

Uma tragédia com muitos culpados

Por fim, Michel diz que não dá para apontar um único culpado pelas enchentes devastadoras, mas que há uma parcela de culpa em cada esfera que deveria atuar na gestão de riscos.

"O governo federal teve culpa principalmente por não ter investido o quanto deveria em gestão de risco de desastres. O governo estadual também tem sua parcela de culpa por não ter se organizado. E os governos municipais vão ter sua parcela de culpa por não terem implementado."

O especialista lembra que o desastre na região serrana do Rio de Janeiro em 2011 funcionou como uma alavanca para a proposição de medidas e políticas de prevenção de desastres, mas que esse investimento foi diminuindo com o passar dos anos.

"Desde 2011, nós tivemos uma crescente no investimento em gestão de risco de desastres, mas só por um período. Depois que esse desastre foi 'esquecido', os investimentos começaram a baixar. Nos governos, por exemplo, de Michel Temer e Jair Bolsonaro, os investimentos foram ruins", afirma. "A expectativa é que o atual governo volte a investir fortemente nisso. O que precisamos fazer é saber investir esse dinheiro de maneira correta na gestão de risco, focando na prevenção."

O fato de as fortes chuvas no Rio Grande do Sul terem causado tantos danos e custado tantas vidas deve-se, em última análise, à combinação de muitos fatores diferentes. A esperança continua sendo a de que o desastre climático leve a uma reformulação duradoura na política, em vez de uma reformulação temporária, como sempre aconteceu no passado.

Autor: Ines Eisele

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