As emendas parlamentares são instrumentos previstos no processo legislativo que permitem aos deputados e senadores sugerirem alterações ao Orçamento para direcionamento dos recursos para as demandas específicas de seus estados e municípios.
São as emendas que garantem que as regiões representadas pelos deputados e senadores sejam contempladas com investimentos públicos. Esses repasses, no entanto, se dividem em diversos tipos. As emendas individuais e de bancada são consideradas impositivas, ou seja, obrigatórias.
No último ano, as emendas se tornaram motivo de impasse entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), que alega que os repasses não atendem critérios de transparência e rastreabilidade, o que pode resultar em casos de corrupção já que não há como acompanhar o caminho dos valores e seu uso efetivo. Alguns repasses ocorreram sem ao menos a indicação do parlamentar que direcionava os valores.
Entenda quais são os tipos de emendas parlamentares
Emendas Individuais
- Propostas apresentadas por cada parlamentar individualmente.
- Cada parlamentar tem um limite de valor a ser destinado, estabelecido anualmente na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
- 50% desses recursos devem ser destinados a ações e serviços públicos de saúde, regra que torna emenda se tornar impositiva.
- É dentro das emendas individuais que se estabeleceram as chamadas “emendas Pix”, que são transferências diretas para estados e municípios, a modalidade foi alvo de crítica do Supremo.
Emendas de Bancada
- Apresentadas pelas bancadas estaduais na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
- Normalmente, são voltadas para grandes obras ou projetos que atendem a mais de um município dentro do estado.
- A execução de parte das emendas de bancada também se tornou impositiva.
Emendas de Comissão (RP8)
- Propostas pelas comissões permanentes do Congresso.
- Recursos devem ser direcionados para áreas temáticas relacionadas à atuação da comissão.
- Após a aprovação da Lei Complementar que estabeleceu novas regras, este tipo de emenda passou a ser alvo de críticas e é visto como um “ponto crítico” pela ONG Transparência Brasil.
Emendas de Relator (RP9)
- Propostas pelo relator-geral da Lei Orçamentária Anual (LOA).
- Em 2022, por seis votos a cinco, o STF decidiu que as emendas de relator só poderão ser usadas para recompor o Orçamento.
- Este tipo de emenda tem sido alvo de críticas devido à falta de transparência. Foram as emendas de relator que originaram o chamado "Orçamento Secreto", que não revelava nem o valor do repasse nem o nome do parlamentar.
Entenda o começo do impasse: STF declara emendas RP8 e RP9 inconstitucionais
Em dezembro de 2022, o STF entendeu que as emendas RP8 e RP9 eram inconstitucionais. Após a decisão, o Congresso Nacional aprovou uma resolução que mudou as regras de distribuição de recursos por emendas de relator para cumprir a determinação da Corte.
No entanto, o PSOL apresentou uma ação afirmando que a decisão do STF não estava sendo cumprida. Após a aposentadoria da ministra Rosa Weber, relatora do tema, Flávio Dino assumiu a condução.
Em agosto, Dino determinou a suspensão das emendas e decidiu que os repasses devem seguir critérios de transparência e rastreabilidade. O ministro também decidiu que a Controladoria-Geral da União (CGU) auditasse os repasses dos parlamentares.
Sem emendas, parlamentares aprovam novas regras
Com o repasse suspenso após indícios de corrupção e falta de transparência na destinação dos recursos, os parlamentares votaram e aprovaram novas regras via Lei Complementar. Segundo o Portal da Transparência da Controladoria-Geral da União (CGU), os valores empenhados em emendas parlamentares neste ano chegaram a quase R$ 40 bilhões. Já os valores pagos pelo governo federal se aproximaram de R$ 31 bilhões e foram criadas 6.303 emendas ao longo do ano.
Para a ONG Transparência Brasil, os entraves em torno do tema foram criados pelo próprio Congresso, e não pelo Supremo, que foi provocado para atuar neste caso.
“É importante destacar que as ações do STF não são um ‘capricho’ do Tribunal só para contrariar outros Poderes. Vieram em resposta a uma notificação de que o Congresso e o governo não estavam cumprindo totalmente a decisão da Corte de 2022, sobre a inconstitucionalidade do orçamento secreto. São, portanto, ações que fazem parte da função do STF em garantir o cumprimento das normas constitucionais quando acionado para fazê-lo”, disse Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, ao Band.com.br.
Dino libera repasses, mas endurece regras votadas pelo Congresso, que vê interferência do STF
O impasse em torno das emendas parlamentares parecia ter sido resolvido após a votação e aprovação de uma Lei Complementar (LC 210/2024) no Congresso Nacional, em novembro, mas a situação ganhou novos contornos após o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), endurecer as regras ao liberar os repasses.
A decisão de Dino reverteu a suspensão, determinada em agosto, dos repasses das emendas parlamentares por falta de transparência e rastreabilidade. Com todos os recursos represados, os deputados e senadores se debruçaram em um texto que atendesse as exigências do Supremo. O STF, no entanto, não concordou com todos os pontos do texto e fez novas exigências.
O ato de Dino, referendado pelo plenário do STF, causou mal-estar no Congresso, que usou o tema para travar a pauta de votações importantes para o governo, que acabaram acontecendo poucos dias antes do recesso parlamentar. O governo Lula precisava que a votação dos projetos de lei do pacote de corte de gastos acontecesse antes do recesso parlamentar, que começou em 20 de dezembro. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025, no entanto, só será votada após o fim do recesso, em fevereiro.
A situação das emendas levou o governo a recorrer, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), e pedir a reconsideração de parte da decisão de Dino, que liberou os repasses com ressalvas. O ministro, no entanto, negou integralmente o pedido.
No dia 20, a votação do pacote do corte de gastos foi concluída e encaminhada para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Na semana anterior, o governo Lula liberou cerca de R$ 8 bilhões em emendas parlamentares impositivas.
Procurados na época pelo Band.com.br, os relatores da Lei Complementar sobre as emendas na Câmara e no Senado, deputado Elmar Nascimento (União-BA) e o senador Angelo Coronel (PSD-BA), afirmaram que concentravam esforços para as últimas votações de projetos do governo e, por isso, não falariam com a reportagem.
Pelas regras estabelecidas pelo STF, os repasses dos valores deverão atender uma série de determinações que visa manter a transparência e a rastreabilidade.
- Emenda de Relator (RP 9) e Emenda de Comissão (RP 8): liberadas com a devida identificação dos parlamentares. Cabe ao Executivo aferir a transparência e liberar caso a caso.
- Emenda Pix: liberadas com a devida apresentação do plano de trabalho prévio. Emendas anteriores a 2025: prazo de 60 dias para sanar ausência de plano de trabalho. Emendas daqui para frente: somente com plano e em contas específicas.
- Emenda de Bancada: fundamental que não haja individualização da emenda. Auditoria para outubro de 2025 para acompanhar o processo.
- Emenda para ONGs: só pode ser liberada com a devida publicação em site. Caso não haja, não pode haver liberação nem das antigas e nem das futuras.
- Emenda para a Saúde: precisam de indicações técnicas do gestor federal, com necessidade de aprovação nas comissões bipartite e tripartite do SUS. Sem aprovação prévia, não há liberação da emenda.
Dino bloqueia repasses de R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão, libera valores já empenhados e critica Congresso
Em um novo capítulo do impasse em torno das emendas, Dino bloqueou R$ 4,2 bilhões em emendas de comissão no último domingo (29). A nova decisão destaca que o bloqueio se deve ao fato das 5.449 indicações de emendas de comissão que não obedeceram às normas jurídicas. No mesmo texto, o ministro libera as emendas impositivas já empenhadas na área da Saúde e de comissão empenhadas até 23 de dezembro.
Na decisão, Flávio Dino cita ainda a "nulidade insanável" das emendas de comissão, indicadas por líderes partidários, e diz que o processo orçamentário não comporta "invenções" de tipos de emendas, além das que já estão previstas.
"Sublinho que o devido processo legal orçamentário, de matriz constitucional, não comporta a “invenção” de tipos de emendas sem suporte normativo. A legítima celebração de pactos políticos entre as forças partidárias tem como fronteira aquilo que as leis autorizam, sob pena de o uso degenerar em abuso."
Congresso detalha valores empenhados, e Senado diz que seguiu regras para liberação de valores
Nesta segunda-feira (30), o Congresso detalhou os valores já empenhados nas emendas de comissão e das impositivas para a área da Saúde. Dos R$ 4,2 bilhões bloqueados por Dino, R$ 1,7 bilhão já estão empenhados e os pagamentos estão autorizados.
O Senado, que havia recebido um prazo para se manifestar sobre as emendas de comissão, afirmou que seguiu as normas vigentes para a liberação dos empenhados e pediu a liberação dos recursos ao ministro Dino, que devem ser empenhados até o dia 31 de dezembro.
Ainda, segundo o Senado, a regras da Lei Complementar aprovadas pelos parlamentares vale apenas para 2025, mas caso o ministro libere os pagamentos aconteceriam após o recesso parlamentar.
"(...) embora a Lei Complementar 210/2024 em tese não deva alcançar a execução do orçamento de 2024, mas tão-somente o de 2025 em diante, caso Vossa Excelência a entenda como aplicável ao procedimento atual, pugna-se para que os empenhos orçamentários sejam autorizados, condicionando-se o consequente pagamento à aprovação das individualizações pelo colegiado das comissões, imediatamente após o recesso parlamentar", diz a manifestação do Senado a Dino.
Mesmo com a liberação de parte dos repasses, o clima no Congresso não melhorou e os parlamentares ainda acreditam haver interferência do STF nos trabalhos legislativos. Em sua última decisão sobre o tema, Dino refuta o argumento e diz que é dever do STF monitorar o tema.
"Obviamente não se trata de interferência judicial na sagrada autonomia do Poder Legislativo, e sim de sua adequação à Constituição e às leis nacionais. Este é um dever irrenunciável do STF: assegurar que não haja o império de vontades individuais ou a imposição de práticas concernentes ao constitucionalismo abusivo, de índole autoritária e apartada do interesse público", escreve o ministro.
Em 2025, o tema deve voltar à pauta do Congresso, que terá novos presidentes a partir de 1º de fevereiro.