A Conferência do Clima da ONU em Baku (COP29), Azerbaijão, parece estar distante do fim. Neste sábado (23/11), as negociações se estenderam pela segunda noite extra, enquanto alguns ministros já começaram a voltar para casa. A tensão era perceptível entre diplomatas e observadores que ainda estão no estádio olímpico.
Às 20h do horário local, Mukhtar Babayev, político azerbaijano que preside as negociações desta rodada, chamou uma plenária. Ele acatou alguns itens menos problemáticos do acordo discutido ao longo das duas últimas semanas e aceitos pelos mais de 190 países presentes.
Mesmo sem a COP29 ter chegado ao fim, o Brasil foi apresentado como anfitrião do próximo ano. Da plenária, Marina Silva, chefe da delegação brasileira e ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, disse que a experiência em Baku está sendo dolorosa e frisou que o resultado do evento precisa ser minimamente aceitável para todos.
Duas horas depois, Silva falou à imprensa, Por causa do impasse em torno do documento final, a ministra considera adiar o retorno ao Brasil para o fim deste domingo. "Aqui o esforço é honrar o compromisso que nós sempre assumimos, que é não deixar ninguém para trás", respondeu à DW.
Motivo da briga
A disputa é pelo dinheiro: quem vai socorrer as nações que mais precisam de recursos para enfrentar o agravamento da crise climática, e qual será essa conta.
A expectativa era que o valor fosse definido em Baku, e que a conferência reafirmasse a responsabilidade dos países desenvolvidos – já que, historicamente, eles são os maiores emissores de gases estufa. Na outra ponta, estão os mais pobres, os mais expostos aos impactos dos eventos climáticos extremos.
A estimativa dos países afetados é que seriam necessários ao menos 1,3 trilhão de dólares (mais de R$ 7,5 trilhões) para um preparo mínimo. Foi só no dia programado para o encerramento, sexta-feira, que a presidência da COP29 divulgou um primeiro rascunho do texto com uma quantia bem inferior: 250 bilhões de dólares. Ministros de nações mais pobres reagiram à proposta perguntando se ela era "uma piada”.
Na tarde de sábado, antes da plenária, uma cena forte deu indícios do nível de desentendimento. Representantes da Aliança dos Pequenos Países-Ilhas (Aosis, na sigla em inglês) deixaram a sala de negociações e provocaram um rebuliço pelos corredores.
Eles acusaram a presidência de não ouvir as demandas dos mais expostos aos impactos das mudanças climáticas, e disseram se sentir "insultados pela falta de inclusão” e pela "deplorável falta de substância” no rascunho do documento final.
"O que está acontecendo aqui está destacando o barco muito diferente em que nossos países vulneráveis estão em comparação com os países desenvolvidos. Depois que esta COP29 terminar, não podemos simplesmente navegar em direção ao pôr do sol. Estamos literalmente afundando", disse Cedric Schuster, ministro de Meio Ambiente de Samoa e presidente da Aosis.
Ana Toni, secretária de Mudanças Climáticas do governo brasileiro, disse que a reação pegou todos de surpresa durante a negociação. Ela veio logo depois que a presidência apresentou o texto sobre financiamento.
"Foi tudo muito rápido. Depois teve toda uma recomposição de trazê-los de volta para manter o diálogo, para ver se temos tempo de chegar na conclusão dos três documentos: o que fala sobre transição justa, o balanço global e o 'grande', que é sobre financiamento", explicou Toni.
Nos últimos dias, a diplomacia brasileira foi chamada por Mukhtar Babayev, presidente da COP29, para ajudar a destravar as negociações, juntamente com o Reino Unido. Depois de ouvir as demandas e entregá-las à presidência, os negociadores do Brasil deixaram bem claro que não participaram da escrita do documento.
O que foi aceito
O mercado de carbono foi aprovado na primeira parte da plenária em Baku. Descrito no artigo 6 do Acordo de Paris, assinado em 2015, na COP21, ele prevê a transferência de créditos de carbono entre países. De forma resumida, um país que tem emissões abaixo do seu teto estipulado pode "vender" a cota que sobra para grandes poluidores que precisam compensar suas emissões para cumprir a meta.
O tema é polêmico entre organizações da sociedade civil e povos indígenas do Brasil. "É na verdade uma licença para poluidores continuarem sujando o planeta", disse Alessandra Munduruku, dias antes, durante um evento na COP29.
Alexandre Prado, líder de mudanças climáticas do WWF Brasil, avalia a aprovação como um passo importante dado em Baku, mas tem ressalvas. "Não podemos confundir um sistema de comércio de emissões com financiamento climático, que é o principal impasse da COP29. Os dois são complementares: financiamento é o maior sinal de que haverá recursos financeiros em escala e com regularidade, já o Art 6º [do Acordo de Paris, que prevê os mercados de carbono] foi pensado para aumentar a ambição dos países", afirma.
An Lambrechts, do Greenpeace International, teme que o mercado de carbono seja encarado como uma "tábua de salvação" para a indústria poluidora de combustíveis fósseis, permitindo que ela compense as emissões.
"Este mecanismo é um golpe climático e os poluidores deveriam pagar para limpar a bagunça que causaram, mas, em vez disso, estão ganhando uma carta de liberdade”, afirma.
Autor: Nádia Pontes (enviada especial a Baku)