O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou neste domingo (24) que os cemitérios da cidade de São Paulo voltem a cobrar os valores anteriores à privatização para prestação dos serviços funerários. Dino acatou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), proposta pelo PCdoB, que alega que os cemitérios, após a concessão à iniciativa privada, tem cobrado "preços extorsivos" para sepultamentos e outros serviços.
"Preços extorsivos dão a tônica do que tem sido o calvário de quem precisa sepultar um familiar, um amigo, sobretudo para os mais pobres, que na prática não tem acesso aos serviços destinados a pessoas de baixa renda", diz a ação do PCdoB.
Segundo o partido, os valores cobrados pelas concessionárias dos cemitérios de São Paulo "ofendem a dignidade daqueles que necessitam do serviço em um dos momentos mais vulneráveis da vida, que é a perda de um ente querido". Para comprovar os fatos, a ação elenca uma série de reportagens e denúncias de valores cobrados da população para sepultamento ou aquisição de jazigos.
Ao justificar sua determinação, Dino disse que "a morte de um brasileiro não pode estar acompanhada de exploração comercial de índole aparentemente abusiva, conforme se extrai das inúmeras reportagens".
Na decisão, Dino determina que a cidade de São Paulo "restabeleça a comercialização e cobrança de serviços funerários, cemiteriais e de cremação tendo como teto os valores praticados imediatamente antes das concessões (“privatização”), atualizados pelo IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo" para "evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação em desfavor das famílias paulistanas, em face de um serviço público aparentemente em desacordo com direitos fundamentais e com valores morais básicos."
Neste mês, a Rádio Bandeirantes apurou a denúncia de uma ouvinte sobre o preço para a manutenção de um jazigo na Zona Norte da capital. Famílias que sepultaram entes queridos no cemitério da Vila Nova Cachoeirinha podem ter que pagar até 15 vezes mais por um jazigo no espaço de cinco anos.
Após a concessão, o cemitério passou a aceitar apenas o modelo de compra definitiva de jazigo cujo valor é de R$ 19.385 a vista, podendo chegar a até R$ 22 mil de forma parcelada. Antes, a família podia escolher entre diferentes planos, de cinco a até 25 anos, com os valores variando entre R$ 1.470 a R$ 7.350.
Na Zona Leste, o cemitério da Quarta Parada passou a adotar uma taxa anual de manutenção dos jazigos que pode ultrapassar R$ 1 mil. Em julho, quando as cobranças começaram a ser enviadas aos 15 mil titulares de jazigos, a Consolare, que é a concessionária que administra o cemitério da Quarta Parada, afirmou à Rádio Bandeirantes que o valor estipulado contempla a administração, manutenção e conservação das áreas comuns do cemitério e segue de acordo com a metragem de cada jazigo.
Além disso, as concessionários dos cemitérios têm sido denunciadas pela piora dos serviços prestados. Um levantamento do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep) mostrou que os valores de pacotes para realização do funeral mais que triplicaram em cemitérios da cidade após a concessão.
Ao determinar um teto para a cobrança dos valores, Dino deferiu em parte a medida cautelar até o caso ser analisado pelo plenário do Supremo.
"Pelo menos nesse momento processual, visualizo que as práticas mercantis adotadas pelas concessionárias atentam contra os preceitos constitucionais acima elencados, razão pela qual devem ser obstaculizadas, deixando a análise da constitucionalidade da privatização do serviço público para o julgamento de mérito pelo Plenário desta Corte."
Prefeitura de São Paulo diz que decisão é “retrocesso”
Em nota, a prefeitura de São Paulo diz que considera a decisão "um retrocesso às ações adotadas pela administração para atender os mais pobres" e que elimina "o desconto de 25% do funeral social garantido pela nova modelagem".
"Vimos, portanto, com preocupação uma decisão que, na realidade, provoca a perda de benefícios. Vale ressaltar ainda que a ação foi baseada em reportagens já contestadas pela Prefeitura após publicação de valores equivocados ou incomparáveis", continua a nota.
"Por fim, a Prefeitura lamenta o uso político por partidos (Partido Comunista do Brasil) que tentam provocar um retrocesso numa concessão que tem beneficiado diretamente a população, especialmente as famílias mais vulneráveis."