"Deveria haver uma limitação de 50% para homens nas câmaras"

Cineasta Ludmila Curi lança documentário "Marias", que aborda a participação das mulheres na vida política e as lutas femininas no dia a dia.

Por Deutsche Welle

Em 2012 a cineasta e jornalista Ludmila Curi conheceu Altamira Rodrigues Sobral Prestes (1930-2022). Levou 12 anos, mas foi a partir deste encontro que surgiu a ideia do filme Marias, um documentário road movie que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta (17/10).

Altamira ficou mais conhecida pelo pseudônimo Maria Prestes. Militante comunista, ela foi a segunda mulher do também político comunista Luís Carlos Prestes (1898-1990). "Ela deu uma aula sobre política de base, sobre a importância do engajamento político na nossa vida cotidiana", recorda-se Curi, sobre o encontro. "[Maria] era de uma simplicidade e um carisma muito grande. Lembrava um pouco a minha avó."

O documentário parte da trajetória de Maria Prestes — que morreu em 2022 vítima de covid — para falar sobre a luta política e cotidiana das mulheres ao longo do século 20. Nesse percurso, outros nomes importantes são lembrados, como o da militante comunista Olga Benário Prestes (1908-1942) — primeira mulher de Luís Prestes, executada pelo regime nazista em um campo de extermínio na Alemanha —, o da cangaceira Maria Bonita (1910-1938), o da socióloga e vereadora Marielle Franco (1979-2018) e o da ex-presidente Dilma Rousseff, hoje presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, na China.

"É um filme sobre todas nós", diz a cineasta. "Não é um filme [apenas] para mulheres. É um filme sobre mulheres."

DW: A partir de Maria Prestes, você aborda outras figuras femininas que também participaram da história do Brasil. Essas trajetórias são a história da luta da mulher brasileira?

Ludmila Curi: Sim. Essa é justamente a ideia central do filme. Não só contar a história de uma personagem, que é a Maria Prestes, mas através dessa personagem mostrar muitas outras mulheres que também são figuras importantes na história do Brasil e no dia a dia, na luta diária. O filme avança um pouco mais no sentido de não só falar da história de luta da mulher brasileira, mas também falar da história de luta da mulher, a mulher que participa ativamente da construção da sociedade no âmbito familiar e também público.

Neste momento de Brasil polarizado, como espera a recepção do seu filme, que traz tantas mulheres ligadas à esquerda?

Acho que o meu filme tem um feedback bom não só no círculo de esquerda, mas também de pessoas que são mais conservadoras. Porque ele está falando do papel da mulher. E não só na política, mas no dia a dia. Então esse não é um filme polarizado. Ele é um filme sobre todas nós. Não é um filme [apenas] para mulheres. É um filme sobre mulheres. Vem tentar preencher uma narrativa ainda muito diminuta das histórias das mulheres no Brasil. É um filme que atravessa essa questão da polarização.

Uma das mulheres lembradas pelo filme é a ex-presidente Dilma Rousseff, que depois do impeachment de 2016 teve um momento de ostracismo, mas agora é presidente o Novo Banco de Desenvolvimento…

A Dilma já tem o papel dela na história. Já tinha o papel dela na história reconhecido e conhecido antes mesmo de ser presidenta. Talvez após o impeachment ela tenha enfrentado uma reação de descrença ou de falta de apoio, mas isso se revelou fraco quando, na verdade, ela segue no cenário político. E segue fazendo a diferença e representando o Brasil não só interna como externamente. A Dilma é uma grande personalidade de nossa história. Uma grande cidadã brasileira, lutadora. E o papel dela é inquestionável.

A participação feminina na política ainda é pequena. Nas eleições deste ano, apenas 18% dos eleitos para as câmaras de vereadores são do sexo feminino. O que precisa ser mudado para que o número de mulheres exercendo cargos eletivos seja equivalente ao de homens?

Sinceramente, em minha opinião particular, acho que deveria haver uma limitação de 50% para homens declarados nas câmaras. Porque [o jeito atual] não é compatível com a realidade da população brasileira. Além disso, é preciso que haja políticas afirmativas de associações e de instituições governamentais mesmo para que a gente vote em mulher nas eleições. Para que esse cenário mude. Enquanto isso não mudar acho que temos pouca chance de melhorar nossos parlamentos no país.

Você conheceu a Maria Prestes em 2012. Como foi esse encontro?

Foi um encontro maravilhoso. Eu conhecia a história dela, mas ainda não a conhecia pessoalmente. Foi um evento para a imprensa. Ela estava simpática, como sempre. Ela deu uma aula, como sempre, sobre política de base, sobre a importância de engajamento político na nossa vida cotidiana, na associação de moradores, no bairro, nas eleições locais. A Maria falava muito sobre isso, sobre a importância de você se comportar como cidadão em sociedade no micro, no dia a dia, em dialogar com as pessoas na rua, em escutar as pessoas. Foi um encontro muito feliz.

A Maria era de uma simplicidade e um carisma muito grande. Lembrava um pouco a minha avó. A partir daí tive a certeza de que esse filme tinha de ser feito, a história dela tinha de ficar registrada, imortalizada em um documentário.

Autor: Edison Veiga

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