"Desertores não são traidores e a deserção não é crime, porque não há outra saída para essa situação", disse Alexander. O jovem russo disse ser esta "uma decisão razoável para uma pessoa bem educada não participar de uma guerra de agressão".
Alexander é um dos seis desertores russos que chegaram a Paris nos últimos meses. Ele preferiu não dar seu sobrenome para proteger sua identidade. Eles fugiram primeiro para o Cazaquistão e depois para a França entre 2022 e 2023. Agora, esperam receber asilo político.
A associação alemã de direitos humanos e proteção de refugiados Pro Asyl estima que pelo menos 250.000 soldados russos recrutados buscaram proteção em outros países entre fevereiro de 2022 – quando a Rússia iniciou sua guerra contra a Ucrânia – e setembro de 2023.
A maioria buscou refúgio no Cazaquistão, Geórgia, Armênia, Turquia, Sérvia e Israel. Há relatos, porém, de que desertores teriam sido deportados de volta para a Rússia do Cazaquistão e da Armênia.
A Pro Asyl disse que apenas alguns soldados russos fugiram para algum dos Estados do Espaço Schengen – a zona de livre trânsito entre as fronteiras que inclui 29 países europeus. Chegar a esses países é uma tarefa desafiadora, sendo que muitos países da União Europeia (UE)possuem regulamentações de visto muito restritivas.
França estabelece precedentes
A França se tornou o primeiro país da UE a permitir a entrada sem passaporte de ex-militares russos que se opõem à guerra da Rússia contra a Ucrânia. Os soldados, no entanto, foram previamente avaliados enquanto estavam no Cazaquistão para evitar quaisquer problemas.
"Eu entendo as preocupações dos países ocidentais e por que eles não distribuem documentos de viagem para muitos desertores, já que entre eles podem estar agentes do serviço secreto russo ou criminosos de guerra", disse Alexander. É por isso que a trajetória dos homens a partir da Rússia e as viagens posteriores foram monitoradas.
"Verificamos os antecedentes de todos os seis desertores", disse Alexei Alshansky, da Conflict Intelligence Team (CIT), uma organização investigativa independente de origem russa, à DW. A própria CIT foi forçada a deixar a Rússia em 2022.
Alshansky é um ex-membro do Exército russo que ajudou desertores a irem para a França. "Em algum momento, contatamos ativistas de direitos humanos na UE e teve início o trabalho de defensoria, que durou um ano", disse Alshansky. "Durante todo esse tempo, os desertores estavam no Cazaquistão."
"Não sabia por que estávamos na Ucrânia"
Dos seis homens que agora esperam obter asilo na França, apenas Alexander estava diretamente envolvido na invasão russa da Ucrânia, onde serviu como oficial. No inverno de 2022, ele estava estacionado na Península da Crimeia, parte do território ucraniano que foi anexada pela Rússia em 2014.
A princípio, parecia que a Rússia estava realizando um exercício militar, contou o ex-militar. Mas, em 24 de fevereiro de 2022, todos os soldados foram colocados em um comboio.
"Não havia ordem para atacar a Ucrânia, não havia instruções, simplesmente cruzamos a fronteira ucraniana e só então percebemos o que estava acontecendo", lembrou Alexander. "Fiquei chocado e não sabia por que estávamos na Ucrânia."
Ele disse que não queria participar da operação militar, mas também sabia que não poderia simplesmente voltar. "Ou meu próprio povo teria atirado em mim, ou eu teria sido preso na fronteira. Eu precisava de uma maneira legal de voltar para a Rússia", disse.
Quando finalmente recebeu permissão e voltou para sua casa na Rússia, ele imediatamente solicitou dispensa do exército. Mas, em setembro de 2022, a Rússia anunciou uma mobilização parcial para o alistamento de recrutas.
"Estava claro para mim que eu seria preso ou enviado de volta para a linha de frente, a menos que fugisse da Rússia", disse Alexander.
Escala no Cazaquistão
O Cazaquistão é um dos poucos países onde os russos podem entrar sem passaporte, o que atraiu muitos homens em busca de refúgio, incluindo Alexander. Após chegar ao país, ele entrou em contato com ativistas de direitos humanos por meio de conhecidos e solicitou asilo.
"Eu sabia que seria difícil obter proteção no Cazaquistão, já que o país, até certo ponto, ainda depende da Rússia", disse. "Não me foi concedido o status de refugiado, mas pelo menos minha estadia legal foi ampliada."
Alexander também visitou embaixadas ocidentais em busca de ajuda. "Eu sabia que não poderia solicitar asilo ali e que só poderia fazê-lo se estivesse no território do país", afirmou.
Depois de dois anos no Cazaquistão, ele finalmente pôde partir para a França. "Recebemos permissão para entrar na França porque somos ativamente contra a guerra, não porque éramos desertores", disse.
Nenhuma evidência de crimes de guerra
"Seu envolvimento na invasão [russa] [da Ucrânia] não foi decisão dele", disse Alshansky do CIT sobre Alexander*. Ele, contudo, admite que não é possível ter certeza absoluta de que as histórias dos desertores são verdadeiras.
Dito isso, não há evidências de que Alexander tenha cometido crimes de guerra na Ucrânia. "Ele deve, portanto, receber proteção humanitária, e é uma grande sorte que ele a tenha recebido", disse Alshansky.
Ele também está ciente de que os ucranianos não conseguem entender por que ex-soldados russos recebem essa proteção. Para os ucranianos, "pode ser difícil ver a situação do outro lado [do conflito] e perceber que nem todos os soldados russos querem lutar na Ucrânia", explicou, acrescentando que muitos soldados russos que só queriam sobreviver e não necessariamente queriaam lutar.
Alshansky destacou que, segundo as leis internacionais, uma pessoa não é automaticamente classificada como criminosa de guerra só porque participa de uma guerra. "No contexto de conflito armado, o direito humanitário garante proteção a todas as pessoas que não estão envolvidas na prática de crimes de guerra", sublinhou.
"Adeus, armas!"
De acordo com o CIT, o número de desertores russos vem aumentando desde o início da guerra na Ucrânia. Essa grande parte da população russa não recebe apoio da sociedade russa, embora a deserção seja "um passo realmente corajoso", na opinião de Alshansky.
"Quando alguém comparece a uma manifestação contra a guerra segurando um cartaz de 'não à guerra' e depois passa vários dias preso como resultado, é considerado um herói", disse ele. "Essas pessoas podem obter um visto para outro país, existem programas internacionais para elas. Mas, se alguém foge da Rússia depois de passar semanas em um buraco, morrendo de fome e sendo espancado porque se recusou a participar da guerra de Putin, não recebe apoio."
Desertores russos geralmente recebem apoio apenas de organizações estrangeiras de direitos humanos. "A sociedade civil russa não está inclinada a ajudar desertores", disse Alshansky. "Ficam basicamente paralisados quando descobrem que uma pessoa fugiu do Exército russo. Essa atitude é injusta, para dizer o mínimo."
Os seis desertores russos acolhidos pela França fazem sua parte para ajudar outros russos que fogem do Exército. Eles até criaram uma associação chamada "Adeus, armas!"
Autor: Sergey Dik