Dengue pressiona unidades de saúde de Rio Preto e prefeitura investiga conduta de médicos

Por Estadão Conteúdo

Os casos de dengue têm pressionado as unidades de saúde de São José do Rio Preto (SP), líder em registros da doença no País. A cidade contabiliza 6.650 casos suspeitos da doença e tem cinco óbitos em investigação. Os números correspondem, respectivamente, a 19,55% e 10,2% dos registros em São Paulo, de acordo com o Núcleo de Informações Estratégicas em Saúde do governo estadual.

A espera por atendimento gera reclamações e virou alvo de uma investigação na prefeitura. Segundo denúncias recebidas pela administração municipal, médicos estariam cometendo irregularidades na marcação do ponto nas unidades de pronto atendimento (UPAs).

Além disso, passou a circular na cidade o áudio de uma médica incentivando colegas a atenderem menos pacientes por hora. "É só todo mundo atender três por hora, independente se está no corujão, se está cedo, se está com apoio, vai deixando acumular, vira uma bola de neve", diz a gravação.

Segundo a prefeitura e o Sindicato dos Médicos, as profissionais investigadas prestam serviço nas unidades municipais, porém são contratadas pela Fundação Faculdade Regional de Medicina (Funfarme) e cabe à entidade a gestão do quadro de funcionários, incluindo contratações e demissões.

A Funfarme, por sua vez, afirmou que foi comunicada oficialmente pela Prefeitura de Rio Preto sobre a disponibilização das médicas, que irá avaliar a situação e adotar as providências pertinentes.

Já o sindicato informou que "segue atento à situação e reafirma seu compromisso em defender os direitos dos profissionais médicos e a qualidade dos serviços prestados à população."

Enquanto o caso é investigado, pacientes continuam chegando às unidades em busca de atendimento. A reportagem foi a dois serviços nesta quarta-feira, 15, e ouviu usuários com diferentes queixas. Veja a seguir alguns relatos.

UPA Jaguaré

O aposentado Pedro da Costa, de 70 anos, ficou por três horas na UPA Jaguaré (zona leste) para tomar soro, mas precisou retornar na parte da tarde porque apresentou sangramento - um dos riscos e maiores preocupações da doença. "Na última quinta-feira, ele veio para a Jaguaré e ficou três horas. Foi embora sem ser atendido", contou a filha do idoso, a assistente administrativa Aparecida Carvalho, de 37 anos.

A vendedora Mirian Rodrigues, de 18 anos, passou mal durante a madrugada com vômitos e dor no corpo, e desmaiou três vezes. Chegou à UPA Jaguaré às 12h50 e cerca de 30 minutos depois passou pelo médico. O soro, porém, só foi administrado às 16h.

Alessandra Cristina Mariano, de 48 anos, estava há quase duas horas esperando para que o filho de 21 anos pudesse fazer um raio-x. O rapaz fora agredido e havia suspeita de fratura no nariz. "Ele foi ontem à UPA Região Norte, mas o raio-x já tinha fechado. Ele tem deficiência intelectual e faz parte do espectro autista. Tivemos que sair de lá de dentro porque ele não suporta gente em volta dele. Falaram que iam colocar na prioridade, mas não colocaram", desabafou a dona de casa.

UPA Região Norte

O estudante Davi de Seixas Pereira, de 17 anos, estava há duas horas esperando por atendimento na UPA Região Norte. Com sintomas de dengue, como dores de cabeça e no corpo, havia passado somente pela triagem. "A gente fica triste porque paga imposto", disse a mãe do adolescente, a cabeleireira Débora de Seixas Silva, de 46 anos.

Edson Cândido da Silva, de 47 anos, passou quase quatro horas na mesma UPA em busca de atendimento. Ele teve dengue no fim do ano passado e reclamava de dor de cabeça, garganta inflamada e infecção de urina. "Teve um dia que cheguei cinco e pouco da tarde e fui sair 23h. É muito difícil, tem muitas pessoas doentes."

Gilberto Carlos de Souza vende picolés em frente à unidade e acompanha o fluxo de pacientes. "Todo dia sai briga aqui por causa da demora no atendimento. O acompanhante fica agitado vendo a pessoa ruim", afirmou. "Ontem mesmo o rapaz deitou no chão porque as cadeiras estavam lotadas. Acabei cedendo minha cadeira para um paciente. É uma tristeza."

Prejuízos para a saúde

Maurício Lacerda Nogueira, virologista e professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), reforça que o atendimento a pacientes com dengue deve ser rápido. "As pessoas devem ser hidratadas e passar por exames, se possível de sangue. Atrasar o atendimento significa atrasar o início da terapia, e isso pode ter resultados ruins."

Ulysses Strogoff de Matos, médico infectologista do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, vinculado à Universidade de São Paulo (USP), tem a mesma preocupação. "A dengue é uma doença para a qual não existe tratamento específico ou antiviral, é tratamento de suporte. Tem que fazer um diagnóstico rápido para identificar aqueles que precisam de internação e os que podem ir para casa."

"Se a pessoa não for sequer avaliada, ela pode ter um quadro mais grave, basta olhar o número de mortes no Brasil, que foi elevadíssimo", acrescentou Matos em referência aos mais de 6 mil óbitos pela doença em 2024. Apenas em Rio Preto, foram 37.261 casos prováveis e 17 mortes confirmadas.

Para o infectologista, o serviço na cidade não está funcionando rapidamente porque caberia às unidades básicas de saúde absorver os casos leves. "O problema começa na atenção primária."

O que diz a prefeitura

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde informou que está ampliando a assistência médica aos pacientes com dengue, com incremento de 59 leitos hospitalares em cinco instituições, de modo que as transferências possam ser feitas com mais agilidade.

Nesta quarta-feira, somente na Santa Casa, principal referência para pacientes de Rio Preto em número de atendimentos, havia 28 adultos internados com dengue, sendo três na UTI, além de cinco crianças. No Hospital Municipal, eram dez pessoas. No Hospital de Base, que atende toda a região, eram 98 internações.

A prefeitura informou ainda que estendeu o horário de atendimento em duas UBSs e na telemedicina, além da contratação de mais profissionais.

"Ressaltamos que o atendimento das Unidades de Urgência (UPAS) segue o critério de risco de prioridade, sendo que casos graves são imediatamente atendidos. Para casos leves de doenças, a população de Rio Preto pode procurar atendimento nas unidades básicas de saúde e na telemedicina", orientou a pasta.

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