Horas após discursar na abertura do debate de chefes de Estado da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou de um evento paralelo, organizado por ele e pelo presidente do Governo da Espanha, Pedro Sánchez, no encontro “Em defesa da democracia: lutando contra o extremismo”, também na sede da ONU, na cidade norte-americana.
No evento, Lula fez um balanço sobre a quebra de confiança no regime democrático, abalado pelo agravamento da exploração capitalista, abrindo espaço para extremismo e forças totalitárias.
"A democracia liberal demonstrou-se insuficiente e frustrou as expectativas de milhões. Ela se tornou apenas um ritual que repetimos a cada 4 ou 5 anos. Um modelo que trabalha para o grande capital e abandona os trabalhadores à própria sorte não é democrático. Um sistema que privilegia os homens brancos e falha com as mulheres negras é imoral. Fartura para poucos e fome para muitos em pleno século XXI é a antessala para o totalitarismo. Nossa luta é fazer com que a democracia volte a ser percebida como o caminho mais eficaz para a conquista e efetivação de direitos", disse o presidente. Para Lula, a democracia vive seu momento mais crítico desde a II Guerra Mundial.
O encontro foi acompanhado pelos presidentes da França, Emmanuel Macron, de Cabo Verde, José Maria Neves; do Chile, Gabriel Boric e do Conselho Europeu, Charles Michel. Também participaram os primeiros-ministros do Canadá, Justin Trudeau; do Timor Leste, Xanana Gusmão; de Barbados, Mia Motley, além dos representantes da Noruega, Colômbia, Quênia, México, Estados Unidos, Senegal e da ONU.
Transparência
Coanfitrião do encontro, Pedro Sánchez abordou o problema da desestabilização causada por redes digitais e falou sobre um plano para fomentar a democracia. "É necessário promover a transparência e a responsabilidade dos meios de comunicação e das plataformas digitais, e, especialmente, de todos que desenvolvem a inteligência artificial. Na Espanha, acabamos de aprovar um plano de ação pela democracia, em que abordamos estas e outras questões, colocamos em marcha medidas concretas para melhorar a qualidade da informação, fortalecendo a transparência. Os cidadãos têm de saber quem são os proprietários dos meios de comunicação que estão por trás das informações que se publicam e que consomem", disse.
Apesar de criticar o capitalismo, Lula ponderou que não defende "acabar com o livre mercado, mas sim recuperar o papel do Estado como planejador do desenvolvimento sustentável e como garantidor do bem-estar e da equidade". Sobre liberdade de expressão, o presidente brasileiro diz que é algo central numa democracia absoluta, mas não pode ser absoluto, e defendeu regulação das redes sociais, para conter a propagação de discursos que conduzem à opressão. "As tecnologias digitais ajudam a promover e difundir o conhecimento, mas também agravam os riscos à convivência civilizada entre as pessoas. As redes digitais se tornaram um terreno fértil para os discursos de ódio misóginos, racistas, xenofóbicos que fazem vítimas todos os dias. Nossas sociedades estarão sob constante ameaça, enquanto não formos firmes na regulação das plataformas e do uso da inteligência artificial", disse.
"Eu rezo que não tenhamos que passar por outra Guerra Mundial para podermos ser capazes de fazer a coisa certa. Estamos a bordo desse bloco, porque o sistema democrático, que, mesmo com suas imperfeições, por causa da desigualdade, da dependência excessiva dos mercado, é o melhor modelo", destacou a primeira-ministra de Barbados, Mia Motley.
Combate ao extremismo
Tanto Lula quanto Sánchez apontaram que o encontro desta terça marca o início de uma série de outras atividades entre esses países para defender a democracia e combater o extremismo.
"Os movimentos extremistas promovem o discurso do ódio, a polarização, a divisão, a intolerância, a radicalização e a violência, enfraquecendo o diálogo cívico e ameaçando a coesão social. Os extremistas procurarm sempre minar a confiança dos cidadãos nas instituições, que garantem as liberdades e o Estado de Direito", afirmou o presidente de Cabo Verde, José Maria das Neves.
Já o presidente do Chile, Gabriel Boric, afirmou que os líderes progressistas que defendem a democracia não devem vacilar na condenação do autoritarismo, independentemente da ideologia. Citou os casos da Venezuela, Israel, Nicarágua e Rússia.
"Diante dessas situações, precisamos adotar uma única posição como países progressistas. Nós, como movimentos progressistas, precisamos ser capazes de defender princípios. E nisso, acho que as vezes fracassamos, pois não usamos a mesma medida para julgar aqueles que estão do nosso lado".