Quando os manifestantes enfrentaram soldados armados do lado de fora da Assembleia Nacional da Coreia do Sul na noite de 3 de dezembro, ficou imediatamente evidente que algo incomum estava acontecendo.
Assim que o presidente Yoon Suk Yeol apareceu na televisão para declarar a lei marcial, cidadãos começaram a chegar ao local para protestar e enfrentar os militares do país. A Coreia do Sul tem uma longa tradição de protestos políticos que se tornam violentos. Mas essa resistência foi diferente.
Em vez de pessoas sendo golpeadas com cassetetes e respondendo com coquetéis molotov, as multidões agitaram bastões luminosos e cantaram música de K-pop durante toda a noite. Eles continuaram cantando até o amanhecer e substituíram as luzes por cartazes declarando sua oposição ao presidente Yoon e à declaração de lei marcial. Desde então, Yoon sofreu um processo de impeachment e ainda enfrenta o risco de acusações de alta-traição.
As câmeras que filmaram as multidões que protestavam mostraram que havia muitas mulheres na linha de frente das manifestações, não só durante a noite da decretação da lei marcial, mas também nos protestos posteriores para pressionar pelo impeachment de Yoon.
Protagonismo feminino
Algumas estimativas da imprensa local apontam que até 40% dos manifestantes eram mulheres na faixa etária entre o final da adolescência e os 40 anos. Analistas dizem que essa geração emergente de mulheres pode estar pronta para desempenhar um papel maior na definição da agenda política do país.
"Historicamente, as mulheres têm sido excluídas do debate político", aponta Hyobin Lee, professora-adjunta de política e ética da Universidade Nacional de Chungnam. "A proporção de políticas mulheres na Coreia do Sul é extremamente baixa. Apenas 17,1% dos membros da Assembleia Nacional são mulheres."
"Isso reflete a exclusão profundamente arraigada das mulheres da política", disse a professora à DW. "Há até um velho ditado coreano que diz: 'Se uma galinha cantar, a casa cairá', o que implica que as mulheres não devem expressar opiniões em questões políticas."
Lee disse acreditar que as mulheres sul-coreanas já estão fartas de se sentirem cidadãs de segunda classe. Ela também aponta que, quando os políticos conservadores "deliberadamente alimentaram as divisões de gênero para obter ganhos eleitorais", isso acabou favorecendo o Partido Democrático, da oposição.
As mulheres se tornaram mais ativas na política nas eleições parlamentares de abril, quando o Partido do Poder Popular de Yoon foi derrotado, deixando o presidente com um governo minoritário. Agora, a participação política feminina parece ter sido transferida para os protestos contra a lei marcial.
Yoon explora sentimentos de antifeminismo
Por outro lado, foram os homens mais jovens, na faixa dos 20 e 30 anos, que impulsionaram a vitória presidencial de Yoon em maio de 2022. A postura antifeminista do então candidato teria atraído homens insatisfeitos com o avanço - ainda que limitado - da igualdade de gênero no país.
Durante a campanha presidencial, Yoon prometeu abolir o Ministério da Igualdade de Gênero e Família. Na eleição de 2022, 58% das mulheres na faixa dos 20 anos votaram em Lee Jae-myung, do rival Partido Democrático, enquanto 58,7% dos homens na mesma faixa etária apoiaram Yoon. Depois de eleito, Yoon eliminou ainda as cotas de gênero no governo.
Agora, pesquisas mostram que o apoio a Yoon caiu em todas as faixas etárias, mas o ressentimento entre os gêneros continua. "Havia uma clara diferença de gênero quando Yoon foi eleito e acho que essa diferença permanece agora", disse uma acadêmica de Seul que, devido à hostilidade dirigida a algumas mulheres que se manifestaram sobre o assunto, pediu para não ser identificada.
"Por causa de suas políticas, muitas mulheres - especialmente as mais jovens - não apoiaram Yoon na eleição presidencial, mas há alguns anos existe uma antipatia, quase um abismo entre homens e mulheres nessa faixa etária", disse ela à DW.
"Eles não gostam um do outro porque, culturalmente, os homens têm sido mais ativos [publicamente] na sociedade sul-coreana e tiveram que competir com outros homens por empregos, mas agora que mais mulheres estão entrando no mercado de trabalho, essa competição se tornou mais intensa", disse ela. "Muitos homens também estão ressentidos com o fato de terem de servir nas forças armadas e as mulheres não."
Coreanas tentam se fazer ouvir
Enquanto isso, a professora Lee acredita a autoconfiança que vem florescendo entre uma nova geração de mulheres sul-coreanas significa que elas não estarão dispostas a retroceder às expectativas dos conservadores no futuro.
"Esta geração não passou por protestos como os da década de 1980", disse ela, referindo-se à sangrenta repressão na cidade de Gwangju contra manifestantes que protestavam contra a ditadura militar de Chun Doo-hwan. Em um espaço de nove dias, em maio de 1980, cerca de 165 civis foram mortos, segundo dados do governo, e milhares ficaram feridos.
"Para esta geração, protestar é algo novo", disse Lee. "Está se tornando uma ferramenta de autoexpressão."
E ela está confiante de que a mudança será duradoura.
"Acredito que, embora as mulheres possam não ter estado na vanguarda das atividades políticas ou sociais, elas sempre trabalharam incansavelmente para a sociedade e para a nação nos bastidores", disse ela. "As mulheres sempre contribuíram, mesmo que não fossem visíveis", aponta.
"Entretanto, a geração mais jovem é diferente", disse ela. "Eles cresceram sem sofrer discriminação de gênero evidente e estão acostumadas a se expressar. Se essa geração continuar a crescer e a fazer ouvir suas vozes, acredito que há um potencial significativo para uma maior participação e representação feminina."
Autor: Julian Ryall