Um grupo de congressistas americanos apresentou nesta quinta-feira (21/09) uma resolução por meio da qual pedem desculpas pelo papel que os Estados Unidos desempenharam no golpe de Estado de 1973 no Chile e na consequente ditadura militar, que durou 17 anos, até 1990, sob comando do general Augusto Pinochet.
O texto, que exige também a divulgação de documentos ainda secretos em arquivos americanos sobre o regime militar chileno, foi redigido pelos progressistas Bernie Sanders, Tim Kaine, Alexandria Ocasio-Cortez, Joaquín Castro, Greg Casar, Jeff Merkley e Chris Murphy.
Divulgado na véspera da chegada do presidente chileno Gabriel Boric a Washington, após ele ter participado da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, o documento expressa "profundo pesar pela contribuição dos EUA para a desestabilização das instituições políticas e dos processos constitucionais do Chile".
A resolução, que deve ser submetida à votação no Congresso americano, lamenta o "apoio dos EUA à consolidação da ditadura militar repressiva do general Pinochet" e enfatiza que "uma prestação total de contas [por parte dos EUA]" exige a divulgação de documentos que ainda não foram tornados públicos.
Ao mesmo tempo, a proposta também reconhece que o Congresso americano teve papel decisivo ao trazer à tona as "atrocidades" cometidas pelo regime de Augusto Pinochet (1973-1990) contra os chilenos. E destaca ainda o esforço de forças pró-democracia no Chile, com o apoio de movimentos de direitos humanos dos EUA e de outros países, para acabar com o regime e restaurar o governo civil.
Os legisladores promovem ainda uma salva de palmas ao povo chileno "por reconstruir uma democracia forte e resistente contra as forças do autoritarismo", e ressaltam estar comprometidos em trabalhar no processo de "verdade e reconciliação".
"Devemos deixar claro que lamentamos nosso envolvimento e nos comprometemos a apoiar a democracia chilena", disse Sanders, por meio de um comunicado.
Alexandria Ocasio-Cortez pediu o reconhecimento do "passado complicado" dos EUA e a divulgação de mais arquivos, argumentando que "muitas perguntas permanecem" em aberto e "o povo do Chile e as vítimas da violência de Pinochet merecem respostas".
Documentos já divulgados
A pedido do governo chileno, alguns documentos relacionados a esse período no Chile já foram divulgados pelos EUA nas últimas semanas. No dia 25 de agosto, o Departamento de Estado divulgou trechos de dois documentos de 1973 que mostram que o ex-presidente Richard Nixon estava ciente dos planos dos militares para derrubar o então presidente chileno, Salvador Allende (1970-1973).
No primeiro, datado de 8 de setembro de 1973, conselheiros de Nixon alertaram sobre uma "possível tentativa de golpe" no país latino-americano. No segundo, de 11 de setembro, eles informaram que várias "unidades militares importantes" apoiaram o golpe que havia ocorrido naquele dia.
Depois de mil dias no poder, Allende se preparava para convocar um plebiscito na tentativa de superar a grave crise política e econômica que o país vivia. Mas acabou derrubado pelas Forças Armadas, lideradas por Pinochet, que tinha o apoio dos EUA em um contexto de Guerra Fria, portanto contra a influência soviética.
Ditadura sangrenta e punições
No final da manhã de 11 de setembro de 1973, militares chilenos bombardearam o Palácio de La Moneda, em Santiago, e invadiram a sede do Executivo, derrubando o governo Allende e, assim, dando início a uma era de 17 anos de regime militar, sob comando de Pinochet.
A ditadura chilena fez 40 mil vítimas, entre as quais mais de 3 mil morreram ou desapareceram, segundo registros oficiais.
Ainda hoje, o país latino-americano segue processando e punindo militares que cometeram crimes durante o regime. O caso mais recente foi o de sete militares condenados em agosto pelo sequestro e assassinato do cantor Víctor Jara, símbolo da canção de protesto chilena nos anos 70.
Mais de 1,5 mil agentes da ditadura chilena já foram processados por crimes cometidos no regime, o que coloca os chilenos à frente do Brasil no quesito justiça de transição – prática de estados que migram de ditaduras para democracias e processam os crimes cometidos por membros do regime anterior, por meio da apuração dos fatos, reparação de danos causados às vítimas e processo de pacificação, com o objetivo de evitar que as violações se repitam no futuro.
gb/cn (AFP, EFE)