A Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp) divulgaram nesta quinta-feira (9) levantamento que mostra que denúncias de discriminação e violência contra judeus, o antissemitismo, aumentaram no Brasil desde o início do mais recente conflito entre Israel o grupo palestino Hamas, em 7 de outubro.
O Departamento de Segurança Comunitária Conib/Fisesp registrou 467 denúncias no mês passado, contra 44 em outubro de 2022. De janeiro a outubro de 2023, foram 876, enquanto no mesmo período de 2022 foram 375.
Para o presidente da Fisesp, Marcos Knobel, as mídias sociais "escancaram o antissemitismo". “As pessoas se tornam mais fortes, mais corajosas, para expor e destilar todo o veneno de ódio que elas têm”, disse.
“Nós estamos atentos e nós não vamos tolerar um episódio sequer, por menor que seja, de antissemitismo. [Se houver] um crime realmente, racismo ou antissemitismo, essa pessoa vai ter que responder legalmente pelo que ela fez”, acrescentou.
Entre as imagens apresentadas, aparecem mensagens em redes sociais de apologia ao nazismo e ao extermínio dos judeus, com citações ao líder nazista Adolf Hitler. No entanto, também foram apresentadas imagens de atos como a queima da bandeira de Israel e um cartaz que iguala o nazismo ao sionismo.
Sionismo
O movimento sionista surgiu como forma de resolver a questão do antissemitismo através da formação de um estado-nação exclusivamente dos judeus. A proposta acaba ganhando força após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Knobel disse que, para ele, a guerra atual deixou claro que “antissionismo é antissemitismo”. “A não ser que você chegue e queira criticar cinco países. Estou criticando Israel, estou criticando a França, da mesma maneira, sem entrar em nenhum critério maior. Aí tudo bem, você pode estar criticando, então, o país. Mas da maneira como está sendo feita hoje, antissionismo é antissemitismo. Deslegitimar o estado de Israel, tirar o direito do povo de Israel de ter a sua nação. Israel é o lar nacional do povo judeu”, avaliou.
Para Daniel Bialski, vice-presidente da Conib, antissionismo é o mesmo que antissemitismo. “O sionismo é a defesa do estado de Israel, em todos os seus sentidos. Então quando você compara o sionismo ao nazismo, você está praticando o antissemitismo. Quando você diz que Israel é um estado genocida, você está praticando o antissemitismo. Quando você não entende que Israel está querendo destruir o arsenal de armas do Hamas, isso também é uma forma de antissemitismo”, disse.
Divergência
Entre especialistas ouvidos pela Agência Brasil, há um consenso de que críticas a Israel e sobretudo à política do governo israelense não podem ser consideradas manifestações de antissemitismo à priori.
“Havia divergência entre os judeus [sobre o movimento sionista]. Essa não foi a única proposta para lidar com o antissemitismo. Mas esse projeto sionista avançou através da colonização da Palestina por várias décadas até a criação do Estado de Israel em 1948. Então o Estado de Israel representa esse projeto nacionalista de parcela dos judeus. Quando se critica esse projeto, você não está sendo antissemita”, disse o pesquisador Bruno Huberman.
Para Huberman, que é professor do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), “mesmo a comparação com as práticas nazistas, dizer que a Faixa de Gaza é um campo de concentração ou um gueto, que está se fazendo um massacre, são críticas cabíveis ao Estado de Israel”.
O israelense Shajar Goledwaser, que é judeu nascido em Jerusalém e participou de ato em defesa do povo palestino em São Paulo, exemplificou essa divergência entre os judeus. “Eu não acho que deva existir um estado judaico, assim como eu não acho que deva existir um estado católico ou cristão. O estado deve ser laico e democrático. É isso que eu acredito que deve acontecer em Israel e Palestina”, disse.
“A gente deve se pautar pela democracia, pelos direitos humanos, pela construção de uma sociedade laica, na qual judeus, muçulmanos, cristãos, israelenses, palestinos, possam conviver em paz e harmonia e possam explorar as suas enormes capacidades e riquezas culturais, que tanto a cultura judaica tem, quanto a cultura palestina também tem”, acrescentou.
Goledwaser ressalta que Israel não representa todos os judeus. “Os judeus existem há muito mais tempo que o estado de Israel, a história judaica tem 3 mil, 4 mil, 5 mil anos e o sionismo ele não passa de 100. Então o sionismo é só uma fase”, disse.
Natalia Calfat, cientista política e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), avaliou que os principais questionamentos feitos a Israel no presente debate surgem em decorrência do caráter expansionista do sionismo e da política empreendida sob o governo liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Ela observa que críticas aos assentamentos israelenses são ressoadas inclusive por judeus.
“O que existe hoje é uma tentativa de enquadramento de toda crítica ao sionismo enquanto antissemitismo. É uma manobra diversionista que desloca a discussão, deslegitima as críticas e viola os princípios do debate democrático. Isso não significa dizer que não haja antissemitismo nem que não haja críticas a Israel acompanhadas de antissemitismo. Elas certamente existem, mas nem sempre é o caso e é preciso que haja clareza na diferenciação entre antissionismo e antissemitismo”.