
O filme de humor negro Death of a Unicorn ("Morte de um Unicórnio", em tradução livre), dirigido por Alex Scharfman e estrelado por Jenna Ortega e Paul Rudd, apresenta algo que é quase um contrassenso: unicórnios assassinos.
O longa, lançado nos Estados Unidos nesta sexta-feira (28/03), sem previsão de estreia no Brasil, trata da ganância humana por meio de uma sátira sobre ultrarricos que caçam unicórnios num rancho remoto no Canadá. Eles descobrem que as criaturas têm propriedades mágicas de cura e, quando a perseguição começa, o caos sangrento se instala.
De tapeçarias medievais a esculturas de Salvador Dalí, o filme é apenas mais uma obra cultural com referência ao simbolismo secular da mítica criatura de um só chifre.
Primeiras representações
Há representações de unicórnios que datam da Idade do Bronze. Um animal bovino com um chifre longo estampava selos usados pela civilização do Vale do Indo (área que hoje compreende o Paquistão e o norte da Índia), a partir de 2600 a.C., levantando diversas hipóteses. Alguns acreditam que a imagem tenha sido inspirada en Rishyasringa, um sábio da mitologia hindu e budista com chifres de veado, associado à fertilidade.
O historiador grego Ctesias, que viveu durante o século 5 a.C., escreveu sobre um "monoceros" de chifre único – animal que ele descreveu como natural da Índia, de tamanho semelhante ao de um cavalo, com corpo branco, cabeça roxa e olhos azuis. Dizia-se que qualquer pessoa que bebesse de seu chifre seria curada de epilepsia ou envenenamento. Desde então, estudiosos acreditavam que Ctesias provavelmente estava se referindo a um rinoceronte.
Criatura mágica
Há lendas em todo o mundo sobre os poderes mágicos do unicórnio – como purificar a água com seu chifre –, o que consolidou sua relação com a imortalidade.
Os rumores sobre suas propriedades curativas foram tão convincentes que, durante a Renascença, o suposto chifre da criatura era um artigo cobiçado. Governantes de todo o mundo estavam dispostos a pagar caro para ter um em sua coleção – e presas de narval acabavam fazendo as vezes do objeto. Até mesmo a rainha Elizabeth 1ª (1533 – 1603) foi presenteada com uma presa elaboradamente decorada por um explorador de sua corte.
Semelhante ao mito de que comer pérolas moídas poderia curar doenças, havia a crença de que os "chifres de unicórnio" poderiam fazer a água ferver ou desintoxicar uma bebida se mergulhados em um copo, algo de grande utilidade para evitar tentativas de envenenamento. Como resultado, reis e rainhas bebiam em taças revestidas com "chifres de unicórnio".
Foi somente no século 16 que o cirurgião Ambroise Pare, uma das maiores autoridades médicas da época, questionou as propriedades atribuídas ao artefato em seu Discurso sobre a Múmia e o Unicórnio (1582). Ele, no entanto, não questionou a existência de unicórnios.
No século 17, ninguém mais se iludia sobre a procedência dos "chifres de unicórnio".
Domesticado por uma virgem
A criatura é também associada à pureza, o que trouxe outras implicações.
Por volta do século 2, o unicórnio foi descrito na Grécia como uma criatura feroz que só poderia ser capturada e domada por uma virgem. A definição estava presente num bestiário (coletânea de pequenas histórias sobre animais reais e imaginários) conhecido como "Physiologus".
Essa associação com a virgindade continuou em toda a história da arte. Em Retrato de uma jovem com um unicórnio, pintada entre 1505 e 1506 pelo mestre renascentista Rafael, uma jovem segura um pequeno unicórnio como se fosse um cachorro.
Na pintura A Virgem com o Unicórnio, produzida entre 1604 e 1605 pelo pintor barroco Domenichino no Palazzo Farnese, em Roma, uma jovem abraça um unicórnio – a imagem foi associada à jovem Giulia Farnese, amante de Rodrigo Borgia, que se tornou o papa Alexandre 6º.
O unicórnio era frequentemente usado como símbolo de amor, casamento e castidade.
Entre as obras de arte mais icônicas com unicórnios estão as sete Tapeçarias de Unicórnio (1495-1505), atualmente em exibição no anexo Cloisters do museu Metropolitan, em Nova York. As peças luxuosamente tecidas retratam a caça a um unicórnio esquivo – há um grupo de caçadores que perseguem a criatura com lanças, e a cena final do unicórnio ileso, mas acorrentado a uma árvore.
Historiadores da arte afirmam que as marcas vermelhas na criatura acorrentada não representam sangue, mas sim suco de romã pingando da árvore acima; a romã é um símbolo de casamento e fertilidade. Nessas interpretações, o unicórnio é visto como a representação de um amante submetido à submissão – ou talvez até mesmo Jesus Cristo ressuscitado, já que a figura foi associada a temas do cristianismo em obras de arte.
Por volta de 1500, outra obra fundamental da arte ocidental foi tecida: as tapeçarias A Dama e o Unicórnio. As seis peças apresentam uma mulher vestida de forma majestosa cercada por vários animais, com um unicórnio em destaque.
Cada uma das peças representa um sentido – tato, paladar, audição, olfato e visão – enquanto a sexta está envolta em mistério. Em uma tenda, estão escritas as palavras "À mon seul désir" (Ao meu único desejo), o que inspirou várias teorias. Estaria a mulher renunciando aos prazeres terrenos?
Essas obras estão atualmente em exibição no Museu Cluny, em Paris, e viajarão para o Museu Barberini, na cidade alemã de Potsdam, para uma exposição com tema de unicórnio programada para outubro de 2025.
Símbolo de amor
Mais tarde na história da arte, o artista surrealista Salvador Dalí usou o simbolismo do unicórnio para representar o amor. Na escultura O Unicórnio, de 1977, ele aparece abrindo um buraco em forma de coração numa parede com seu chifre, enquanto uma mulher está deitada no chão. Em sua autobiografia, Dali disse que a obra simbolizava seu amor pela esposa Gala, que ele imaginava montada na criatura.
Artistas contemporâneos, como Damien Hirst e Rebecca Horn, também deram destaque aos unicórnios em suas obras.
Atualmente, esses seres estão por toda parte – desenhos animados, materiais escolares, roupas, assessórios e brinquedos.
O unicórnio colorido também serve como um emblema da cultura LGBTQ+, com as qualidades mágicas do animal representando o desejo da comunidade queer de viver livre das normas binárias da sociedade.
Seja caçado em tapeçarias ricamente tecidas da Idade Média ou estrelando filmes como Death of a Unicorn, é improvável que o fascínio por essa fera mítica desapareça tão cedo.
Autor: Sarah Hucal