
Resumo
- Stalking é reconhecido como crime no Brasil desde 2021, com penas de seis meses a dois anos de reclusão;
- Em 2023, foram registrados mais de 77 mil casos de perseguição contra mulheres;
- Stalking pode causar danos significativos ao psicológico como ansiedade, depressão e isolamento social, levando as vítimas a alterar comportamentos e reduzir interações para se protegerem.
Este resumo foi gerado por inteligência artificial e cuidadosamente revisado por jornalistas antes de ser publicado.
Desde janeiro deste ano, a psicanalista Kaká Ribeiro sente medo, e vive em uma constante sensação de que é vigiada e difamada nas redes sociais. Ela, que é presidente de uma organização contra wooling - o bullying entre mulheres - se tornou vítima de stalking após falar sobre o assunto nas redes sociais.
“Ouvi falar de uma mulher que ‘stalkeava’ 15 mulheres aqui no Mato Grosso do Sul. Ela fazia calúnia, difamava e perseguia com contas falsas. Fiz um vídeo sobre e ela viu. A partir daí, ela começou a me ameaçar e a perseguir também”, conta.
Kaká conta que a stalker contata amigos, familiares e outras pessoas da rede de contatos dela para difamá-la. “Tive que fechar os comentários das minhas redes sociais. Ela começou a ir atrás dos meus contatos e tem mais de 30 perfis falsos”, diz.
A psicanalista, que diz até ter medo de sair de casa e chegar a encontrar com a agressora, é vítima da prática cada vez mais popular no Brasil. Só em 2023, foram mais de 77 mil casos de stalking contra mulheres, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
A prática é crime desde 2021, após a criação do artigo 147-A do Código Penal. A pena para a prática é de reclusão de seis meses a dois anos e multa e pode ter ela aumentada por razões da condição do sexo feminino, como prevê a Lei Maria da Penha.
Apesar de ser tipificado apenas em 2021 no Código Penal, a advogada Anne Colnaghi afirma que o “stalking” já era previsto na Lei das Contravenções Penais. “É a infração de ‘Perturbação à Tranquilidade’, por ameaçar a capacidade de locomoção e invadir a esfera de liberdade e privacidade”, pontua. Anne afirma que o stalking pode ocorrer em vários contextos. “Em relações amorosas, ambiente de trabalho, no ambiente familiar e até mesmo entre ex-empregados e seus antigos empregadores”, diz.
Segundo a advogada especialista em gênero, Mayra Cardozo, a perseguição vivida por Kaká pode ser configurada como stalking. “O crime é a perseguição de alguém, com ou sem contato direto, causando medo, sofrimento psicológico e constrangimento. Vale para mensagens insistentes, aparecimentos ‘coincidentes’ e vigilância constante, inclusive no ambiente digital”, afirma.
Mesmo com o crime tipificado em lei, Kaká sente dificuldade de conseguir agir contra a stalker. “Entramos com um boletim de ocorrência, fomos atrás do Ministério Público por júri e calúnia, mas ninguém consegue pará-la. O processo demora e, até termos um resultado, ela assassina reputações, faz violência psicológica e acaba com os outros”, lamenta.
Stalking pode causar danos psicológicos
Além de Kaká Ribeiro, outras mulheres, inclusive famosas, sofrem com stalking. A influenciadora Mariana Sampaio denunciou uma mulher que a perseguia com 150 perfis na internet, desde 2021. Em um relato nas redes sociais, a psicanalista conta que chegou a ter uma piora na saúde mental devido à perseguição contra ela e familiares.
O Band.com.br tentou contato com Mariana Sampaio, mas a equipe da influenciadora disse que o assunto ainda dispara gatilhos mentais nela. A situação de Mariana e de Kaká podem causar efeitos psicológicos extensos, como afirma a psicóloga do Grupo Reinserir, Letícia Pizarro.
Desde medo e preocupação contínuos até quadros de ansiedade, crises de pânico e episódios depressivos. Os efeitos também podem se estender no âmbito social e econômico - Letícia Pizarro.
O excesso de tentativas de contato e de comunicação podem causar ansiedade. “A prática é violenta, essa tentativa, que causa medo e preocupação constante, dá a sensação de risco potencial”, diz.
A prática de stalking também pode causar isolamento social nas vítimas, segundo a psicóloga. “Elas criam mecanismos para diminuir as agressões, como redução do que se expõe nas redes sociais, contato com amigos, familiares e colegas de trabalho nos ambientes digitais, além de mudança de rota de deslocamentos cotidianos, alteração de atividades da agenda e diminuição da frequência de socialização em espaços públicos”, explica.
Foi o que ocorreu com Kaká. Ela conta que deixou de publicar muitos conteúdos nas redes sociais por dois meses. “Tentei ficar mais quieta para não passar para o meu público o que estava acontecendo e ver se ela parava, mas as mensagens continuaram”, conta.
Caso sinta essa ansiedade constante e seja vítima de stalking, a psicóloga sugere procurar a rede de apoio, seja familiares ou amigos e um profissional de saúde mental. “É fundamental contatar a rede de apoio, para entender que a vítima está sendo perseguida e poder tomar as medidas qualificadas”, pontua.
Como saber que está sofrendo stalking?
A prática de stalking tem alguns padrões, segundo as advogadas Anne Colnaghi e Mayra Cardozo. “Monitoração das redes sociais, envio repetido de mensagens, ligações frequentes, tentativas de seguir a vítima, seja fisicamente ou on-line são alguns dos sinais”, explica Anne.
Mayra pontua que digitalmente, o stalking pode usar as redes sociais como ferramenta de perseguição. “Curtidas obsessivas, DMs insistentes, criação de perfis falsos para monitoramento, envio de conteúdo ameaçador ou invasão de privacidade - são formas claras de violência”, lista.
A advogada indica que não se pode deixar a situação escalonar e causar ainda mais medo. “Se te causa medo, incômodo ou você sente que perdeu o controle sobre sua própria vida, não ignore. Isso não é exagero, não é drama, é violência. E merece resposta”, pontua.
Caso a pessoa persista na prática de stalking, as advogadas sugerem que a vítima vá atrás de uma medida protetiva de urgência. “É possível pedir até a prisão preventiva. O sistema de justiça precisa ser célere e firme para proteger a vítima - e cobrar isso também é um ato de resistência”, diz Mayra.
Será que você comete stalking?
Muitas vezes o interesse por alguém pode se tornar stalking. A psicóloga do Reinserir Letícia Pizarro afirma que os comportamentos repetitivos com intenção de acessar a privacidade de outra pessoa podem acontecer devido a situações e contextos variados, que desencadeiam esses comportamentos violentos.
Mas é sempre preciso avaliar se é necessário mesmo saber detalhes da vida privada de alguém e entender quando esse comportamento passa a ser nocivo. “É importante questionar a necessidade de ter acesso à vida privada da vítima, e quais fatores ou situações contribuíram para o indivíduo perder o controle e repetir sistematicamente atos de perseguição”, pontua.