Como pescadores ressuscitaram uma floresta no Rio de Janeiro

Vazamento de óleo de proporções históricas em 2000 destruiu completamente manguezal na Baía de Guanabara. Pescadores replantaram o mangue, muda por muda, e agora área deve se tornar parque natural aberto a visitantes.

Por Deutsche Welle

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Em 18 de janeiro de 2000, cerca de 12 mil pescadores ficaram sem renda da noite para o dia. Nas primeiras horas do dia, um duto da Petrobras que ligava a Refinaria Duque de Caxias ao terminal de Ilha d'Água se rompeu e causou um vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo nas águas da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, no que é considerado um dos maiores desastres ambientais do Brasil.

Nos dias seguintes ao rompimento do oleoduto, o véu negro sobre a baía se alastrou por 23 praias, destruiu manguezais e invadiu a área de proteção ambiental de Guapi-Mirim. A contaminação das águas e solos da baía paralisou a atividade pesqueira em 90%.

A maioria dos pescadores largou as varas e redes e foi trabalhar na construção civil. Adeimantus da Silva, ou Mantus, como é conhecido, fez diferente. Ele se dedicou a replantar um manguezal. Terceira geração de pescadores, Mantus passou boa parte de seus 45 anos de vida no mar. Mais da metade disso ele esteve enfiado na lama do mangue de Magé, cidade mais afetada pelo derramamento de óleo.

Quando o desastre acabou com a subsistência de quem vivia da baía, Mantus se juntou ao Projeto Mangue Vivo, do Instituto Onda Azul, que liderou um consórcio de organizações não-governamentais no trabalho de recuperação dos manguezais. Na época, técnicos do Ibama chegaram a avaliar que, dada a dimensão do dano, seria impossível restaurar flora e fauna.

Persistência contra todas as expectativas

"Passamos o primeiro ano com 30 pessoas apenas retirando lixo desta área", conta Mantus. Foram mais de dez carretas de garrafas PET coletadas no terreno, que já acumulava décadas de abandono antes de ser atingido pela mancha de óleo. "No terceiro ano, caiu para dez pessoas, e antes de chegar ao quarto ano, já não tinha recurso para manter os dez, aí caiu para eu e mais três pessoas." Mantus e seus parceiros no projeto abriram drenagens para irrigar a área e plantar 100 mil de mudas de mangue.

Os caranguejos famintos, no entanto, não deixavam as mudas se desenvolverem, o que exigiu uma solução criativa: as garrafas PET voltaram ao mangue para envolver as mudas e protegê-las dos animais. Cerca de 70 mil garrafas usadas como escudo foram removidas, uma a uma, após o desenvolvimento das plantas nos anos seguintes.

Os quase 25 anos de trabalho transformaram 116 hectares de área degradada em uma floresta. Ainda em 2012, o mangue de Magé foi convertido em Parque Natural Municipal Barão de Mauá, uma Unidade de Conservação de Proteção Integral. Em 2025, a área deve se tornar atração turística, com um deque suspenso para receber visitantes. As passarelas levam o nome do ambientalista Alfredo Sirkis (1950-2020), enquanto o cantor Gilberto Gil leva é homenageado em uma das áreas do parque. Ambos são fundadores da Onda Azul e apoiadores do parque.

As décadas de trabalho também mudaram a vida de Mantus, que hoje é gestor do parque. "No começo era um simples serviço, mas, à medida que fui lidando com os manguezais, fui criando um afeto, como se fosse um parente meu", diz.

Que importância tem um manguezal?

A paixão de Mantus pelos manguezais presta um serviço ao planeta. Um hectare de mangue no Brasil pode armazenar até quatro vezes mais carbono do que a mesma área de Floresta Amazônica ou Mata Atlântica, segundo um estudo publicado em 2022 na revista Frontiers in Forests and Global Change. Essa captura é essencial para mitigar as mudanças climáticas.

Isso acontece pelo acúmulo da matéria orgânica que desce pelos rios e fica depositada na lama do manguezal, como se fosse um filtro. Por outro lado, o desmatamento do mangue lança mais carbono na atmosfera do que qualquer outra formação vegetal.

Estimativas globais sugerem que os manguezais podem sequestrar o equivalente a 2,7% de todo o carbono emitido em 2023 pela humanidade, ocupando apenas 0,1% da superfície terrestre do planeta. O Brasil concentra cerca de 10% de todos os mangues do mundo. O 1,7 milhão de hectares de manguezais do país são inferiores somente aos 4,2 milhão de hectares da Indonésia.

Impacto persiste 25 anos depois

Mas apesar da contribuição poderosa para a regulação do clima, os manguezais são ecossistemas frágeis, e desastres como o de 2000 deixam marcas duradouras. Até hoje, quando os caranguejos cavam mais fundo, a lama que vem à tona carrega manchas de óleo.

Também o impacto na vida dos pescadores atingidos pelo derramamento de óleo ainda não foi totalmente compensado. Em 2007, a Justiça condenou a Petrobras a pagar cerca de R$ 1,23 bilhão a 12.180 pescadores, mas a empresa recorreu da decisão, e somente em agosto de 2024 foi condenada a pagar provisoriamente cerca de R$ 400 milhões à Federação dos Pescadores do Rio de Janeiro (Feperj).

Os pescadores ligados à Feperj são responsáveis atualmente pela limpeza de parte da Baía de Guanabara, que diariamente recebe toneladas de lixo trazido pelos ventos e pelas marés. "O lixo da Baía de Guanabara é como se fosse enxugar gelo; você tira hoje e amanhã chega de novo", reclama Mantus.

Depois de recuperar com as próprias mãos uma floresta desenganada, Mantus espera que o Parque Natural Municipal Barão de Mauá prospere como atração turística e sirva de inspiração para outros lugares afetados por desastres ambientais.

Autor: Gustavo Basso

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