No meio do deserto do estado americano de Nevada, milhares de espelhos ordenadamente dispostos em círculos concêntricos miram um pilar de concreto que se eleva a 195 metros acima da areia.
A usina de energia solar Crescent Dunes, localizada próxima a Las Vegas, parece ter saído diretamente de um filme de ficção científica. Mas é um megaprojeto de 1 bilhão de dólares (R$ 6,16 bilhões), concluído em 2015 com o objetivo de produzir eletricidade para 75 mil residências.
Ele deveria ter sido um marco de um tipo especial de tecnologia conhecida como energia solar térmica concentrada, ou termossolar (CSP, na sigla em inglês), mas o projeto não correspondeu às expectativas. Após repetidas falhas técnicas e interrupções prolongadas, a usina não conseguiu produzir tanta energia quanto foi prometido, e acabou sendo fechada em 2019.
Ela seguiu os passos da primeira usina de CSP em grande escala construída na Califórnia, em 1981 – quando a tecnologia era vista como mais promissora do que os conhecidos painéis fotovoltaicos (PV), mais cara.
Mas o fracasso da Crescent Dunes prejudicou a imagem da tecnologia, que foi pouco replicada desde então. Atualmente, usinas que produzem energia termossolar têm capacidade de produção máxima de apenas 7 gigawatts (GW). A maior parte delas está na Espanha, EUA, Chile, Marrocos e Emirados Árabes Unidos – locais onde há muita luz solar direta. Enquanto isso, a capacidade de usinas fotovoltaicas instalada em todo o mundo já ultrapassa os 2.000 GW.
Como a CSP funciona
Os tipos comuns de painéis solares instalados nos telhados em todo o mundo usam o efeito fotovoltaico para produzir eletricidade, ou seja, quando os raios solares atingem sua superfície, os fótons contidos nela soltam elétrons que começam a se mover, criando uma corrente.
As usinas CSP, por outro lado, usam o calor do sol. Os chamados heliostatos – espelhos – refletem e focalizam os raios solares em um determinado ponto. O calor acumulado é então usado para criar vapor, que faz girar uma turbina que produz eletricidade de forma mecânica.
"É o mesmo tipo [de turbina] que você teria em uma usina de energia movida a combustíveis fósseis", disse Xavier Lara, engenheiro mecânico que trabalhou em projetos de CSP em todo o mundo.
Há diferentes formas de aplicar o mecanismo, como as torres de energia solar, de Crescent Dunes. Neste modelo, os espelhos refletem a luz do sol em um receptor no topo da torre. Dentro desse receptor, há um fluído que é aquecido – geralmente sal fundido, que é o sal em sua forma líquida.
O sal quente é então bombeado para a turbina e, depois de ter feito seu trabalho e esfriado novamente, é bombeado de volta para a torre e o ciclo recomeça.
Por que a CSP perdeu a corrida tecnológica?
"A tecnologia de semicondutores e a fotovoltaica ficaram muito baratas", disse Jenny Chase, analista solar da empresa de pesquisa de energia BloombergNEF.
2011 foi o primeiro ano em que a energia fotovoltaica ficou mais barata que a CSP, e a tendência continuou. Desde 2010, o preço da energia solar fotovoltaica caiu cerca de 90% e agora custa menos da metade do preço da tecnologia rival.
Um dos motivos para isso é que os painéis solares são flexíveis e simples de montar, enquanto as usinas de CSP costumam ser feitas sob medida. Além disso, os painéis solares fotovoltaicos são muito mais fáceis de manter.
"Eles ficam ali parados e você precisa limpá-los de vez em quando. Mas não é operacionalmente complexo como a CSP, no qual há espelhos que precisam ser ajustados às condições ambientais", explicou Richard Thonig, pesquisador com foco em CSP no Centro Helmholtz de Potsdam.
Todo o campo de espelhos precisa ser meticulosamente ajustado para acompanhar o movimento do sol, de modo que a luz seja refletida com precisão. Isso possibilita o controle da temperatura do líquido que circula pelo sistema. Nuvens também podem dificultar o processo.
"É difícil trabalhar com sal fundido porque, se algo der errado e ele cair abaixo do ponto de fusão, você não terá mais sal fundido, terá sal sólido. E então seus canos ficam cheios de sal sólido, o que é um grande problema para resolver", disse Chase.
Um novo nicho para a CSP
Apesar de perder mercado, a CSP tem uma vantagem sobre a energia fotovoltaica: ela pode gerar energia à noite.
As usinas mais novas geralmente têm grandes tanques isolados nos quais o sal fundido quente pode ser armazenado. Em seu interior, ele esfria apenas cerca de 1 grau Celsius por dia e, portanto, pode ser usado para produzir vapor posteriormente.
Essa capacidade de reter energia e transformá-la em eletricidade 24 horas por dia pode dar à CSP uma nova vantagem. "O futuro da CSP mudou para um nicho diferente. Ela costumava ser uma tecnologia de energia como a eólica e a fotovoltaica, e agora é realmente uma tecnologia de armazenamento", afirmou Thonig.
Esse também é o motivo por trás de sua súbita popularidade da CSP na China, onde há 30 usinas deste tipo em funcionamento. Em muitas províncias, agora existem regras que determinam que todo parque de energia renovável com mais de 1 GW de capacidade deve incluir pelo menos 10% de capacidade de armazenamento. O governo chinês emitiu um aviso informando que vai investir na produção em larga escala de energia termossolar.
A ideia é obter o melhor dos dois mundos. Durante o dia, os painéis solares fotovoltaicos fornecem eletricidade barata, enquanto a usina CSP aquece o sal fundido. À noite, quando os painéis solares não conseguem produzir eletricidade, o calor armazenado nas usinas de CSP pode ser aproveitado para fornecer energia.
Preencher essa defasagem de produção noturna tem sido um grande desafio para a energia renovável, e a CSP, juntamente com outras tecnologias como baterias, poderia ser parte da solução.
O impulso da China pode trazer a CSP de volta até certo ponto, já que o país desenvolve cadeias de suprimentos que podem reduzir o preço da construção de novas usinas.
No entanto, para que a tecnologia realmente decole, outros países teriam que aderir e implementar políticas para apoiá-la. Cinco anos após o fechamento, a Crescent Dunes, por exemplo, produz apenas uma pequena quantidade de energia.
"Eu não diria que temos um renascimento realmente grande da CSP", disse Thonig do Centro Helmholtz de Potsdam. "Mas eu diria que a tecnologia ainda existe e ainda é promissora. Há argumentos a favor da CSP em muitos lugares e, com as condições estruturais certas, ela pode ser muito atraente e barata. Mas há coisas que precisam ser feitas."
Autor: Malte Rohwer-Kahlmann