Crise de moradia na Alemanha aumenta risco de exploração de meninas e mulheres; entenda

Dados do governo alemão mostram que 38% dos jovens com menos de 18 anos que não têm onde morar são meninas, proporção maior do que em grupos mais velhos; elas estão mais sujeitas a situações de exploração

Por Deutsche Welle

Quase um quinto das pessoas que não têm onde morar na Alemanha têm menos de 25 anos, de acordo com o último relatório do grupo de trabalho federal de assistência aos sem-teto (BAG-W), uma organização que reúne 227 instituições e mais de 1.000 serviços para essa população. De acordo com a entidade, que analisou dados de 2022, 16% das pessoas que aceitaram ofertas de ajuda naquele ano estavam nessa faixa etária.

O relatório detalha as condições de vida de quem não tem um contrato de aluguel nem casa própria, o que não implica necessariamente em viver nas ruas. Muitas pessoas encontram morada temporária na casa de amigos ou conhecidos, o que é classificado como "falta de moradia oculta".

No entanto, 16% dos menores de 18 anos que se registraram nos serviços para desabrigados em 2022 passaram a noite anterior na rua, aponta o relatório.

Mulheres jovens e meninas especialmente em risco

Uma tendência preocupante destacada no relatório é a grande proporção de mulheres e meninas desabrigadas com menos de 25 anos de idade em comparação com grupos mais velhos.

A proporção de mulheres sem moradia em todas as categorias de idade acima de 25 anos é consistentemente inferior a 23%. Entretanto, entre os menores de 18 anos, 38% são mulheres. No grupo de pessoas sem-teto entre 18 e 20 anos, 40% são mulheres.

"Acreditamos que as mulheres jovens e as meninas tendem a se tornar independentes e a deixar a casa dos pais mais cedo, mas que também buscam ajuda mais rapidamente", disse Martin Kositza, um dos autores do relatório, à DW. "Mas também achamos que a violência e o abuso desempenham um papel importante nisso, o que, obviamente, ocorre com muito mais frequência com mulheres do que com homens."

Os jovens são muito mais propensos a encontrar um lugar para ficar com amigos ou conhecidos (43% dos menores de 18 anos e 47% dos jovens de 18 a 24 anos), o que não é uma opção segura, especialmente para meninas e mulheres, como apontam especialistas no tema.

Muitas acabam se envolvendo em relacionamentos coercitivos em troca de um teto, explica Markus Kütter, membro da diretoria da associação Strassenkinder, uma instituição de caridade para crianças sem-teto em Berlim.

"Eles recebem a oferta de um lugar para ficar e, em algum momento, acabam tendo que pagar, mas como não têm dinheiro, pagam de outras formas, e há traficantes de drogas e cafetões prontos para explorar a situação, mesmo em casas e abrigos administrados pelo Estado", diz Kütter. "Isso pode acontecer de forma tão rápida que meninas menores de idade acabam nas ruas e em ambientes extremamente prejudiciais para elas."

Responsabilidade sobre jovens sem-teto vira bola dividida

De acordo com a legislação alemã, os pais e os serviços de assistência social aos jovens têm a responsabilidade de garantir que crianças e jovens tenham um lugar seguro para viver. Apesar da ampla gama de serviços de apoio disponíveis, um relatório de 2022 do Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais da Alemanha estimou que, das aproximadamente 264 mil pessoas sem moradia no país, cerca de 38 mil tinham entre 14 e 27 anos de idade.

Os motivos que levam ao problema são variados, de acordo com Martin Kositza. "É claro que se trata de uma fase da vida em que os jovens geralmente cortam o vínculo com os pais, mas ainda não estão firmemente estabelecidos em suas carreiras e ainda não têm muitos recursos financeiros."

Um fator determinante é a forma como os serviços de assistência social são organizados e administrados na Alemanha. O apoio das estruturas de assistência social aos jovens é um direito, mesmo depois de completarem 18 anos, mas muitas vezes ele é suspenso.

"Com muita frequência, os jovens são liberados dos serviços de assistência social sem ter um apartamento, e isso os levam a ficar com amigos e conhecidos e, no pior dos casos, até mesmo na rua", explica Kositza.

O acesso a sistemas alternativos de apoio, como auxílio-desemprego, é tecnicamente possível, mas mais complicado para os jovens, e a responsabilidade muitas vezes é transferida de uma agência para outra.

"Nos municípios, muitas vezes não fica claro qual agência é responsável. Os jovens são enviados de um lado para o outro e, às vezes, não fica claro se há ajuda disponível, e é por isso que queremos que a prevenção seja fortalecida nessa área", diz Kositza.

Serviços estatais de assistência social e apoio sobrecarregados

O apoio financeiro do "Jobcenter", que é o departamento que cuida de benefícios trabalhistas e previdenciários, pode ser problemático para os jovens porque, ao contrário dos serviços de assistência social voltados para esse grupo etário, não há nenhuma obrigação educacional. Em vez disso, o foco é inserir as pessoas no mercado de trabalho.

Os requerentes do benefício, chamado de "Bürgergeld", também correm o risco de ter seus pagamentos de assistência social interrompidos se não cumprirem as exigências estabelecidas pelos funcionários responsáveis por analisar os casos.

"Os serviços de apoio do Estado, todos eles, estão simplesmente sobrecarregados pela complexidade e pelo grande número de problemas; eles simplesmente não conseguem lidar com isso. Não é que eles não se importem, é apenas que as necessidades e demandas são grandes demais para o Estado lidar", diz Kütter.

Em abril de 2024, o governo alemão divulgou um "Plano de Ação Nacional" para acabar com a falta de moradia no país até 2030, mas há críticas de que as propostas são muito vagas.

De acordo com Kütter, o governo precisa repensar a forma como as escolas e os serviços sociais são administrados, incentivar mais colaboração entre escolas e serviços de apoio independentes e enfrentar a grave escassez de moradias a preços acessíveis.

"Já é difícil para pessoas com empregos decentes encontrar um apartamento, então como os jovens podem encontrar um em qualquer lugar? Os jovens com quem trabalhamos estão no fim da fila", afirma o assistente social.

Nos centros da associação Strassenkinder, as crianças e os jovens sem-teto recebem refeições gratuitas, sacos de dormir, roupas, acesso a atividades recreativas em grupo e um lugar onde podem se sentir seguros e ouvidos. "As crianças e os jovens nas ruas estão concentrados apenas em sua própria sobrevivência. Aqui eles têm espaço para pensar sobre suas próprias vidas e sonhar com coisas maiores e melhores, e nós os ajudamos a alcançá-las. Sem nossa ajuda, eles simplesmente não conseguiriam", afirma Kütter.

Autor: Helen Whittle

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