Há 25 anos, o regime chavista comanda a Venezuela. Ao longo desse período, foram promovidas mudanças que minaram a independência do Judiciário e do Legislativo, sufocaram a oposição, silenciaram a imprensa independente e desencadearam uma grave crise política e socioeconômica.
Diversos especialistas consideram o país um exemplo do processo de corrosão interna da democracia e de estabelecimento de um regime autocrático pela via eleitoral. Essa transformação ocorreu gradualmente a partir de políticas implementadas após a eleição de Hugo Chávez, em 1998.
Na época, a Venezuela enfrentava pobreza, corrupção e desigualdade social – um cenário que favoreceu Chávez, um jovem militar "outsider" que participou de uma fracassada tentativa de golpe de Estado em 1992 e prometia limpar a política e promover a justiça social.
A eleição de Chávez interrompeu o ciclo da alternância de governos baseado em apenas dois partidos – a Ação Democrática (AD) e o Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei) –, que vigorava desde o fim da ditadura de Marco Pérez Jiménez, em 1958.
Novo governo e nova Constituição
Pela tentativa de golpe, Chávez passou dois anos preso, porém foi anistiado em 1994 e, então, lançou-se na carreira política. Após ser eleito com 56,2% dos votos, o jovem militar assumiu a presidência em 1999. Já no seu primeiro ano de governo, Chávez realizou um referendo sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova Constituição, substituindo assim o texto de 1961. A ampla maioria dos venezuelanos apoiou a ideia.
Chávez foi reeleito mais duas vezes e, pela Constituição, deveria encerrar seu governo em 2013. No entanto, esse não era seu plano. O líder venezuelano propôs uma emenda constitucional para permitir a reeleição ilimitada. Após uma primeira derrota, ele conseguiu em 2009 a aprovação popular num novo referendo sobre o tema, abrindo caminho para sua permanência no poder.
Melhorias sociais e gestão econômica controversa
A era Chávez foi marcada por um processo de distribuição de renda e melhoria de alguns índices sociais, como a diminuição da pobreza, queda da mortalidade infantil e redução da desigualdade. Em um relatório de 2014, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) cita a Venezuela como um dos países da região que tiveram "baixas mais notórias" na incidência de pobreza multifuncional entre 2005 e 2012, onde a taxa caiu de 32% para 19% em áreas urbanas no período.
País rico em petróleo, o governo Chávez usou as receitas das exportações da commodity para financiar programas sociais. Apesar da dependência do país desse recurso, não foram feitos investimentos significativos no setor.
A política econômica chavista também não promoveu o desenvolvimento agrícola e industrial. Nacionalizações de fábricas, expropriações de empresas e propriedades rurais e o controle de preços contribuíram para o sucateamento da indústria local. O país passou então a depender cada vez mais de importações, inclusive de alimentos.
A crise econômica que se delineava com essa gestão controversa acabou estourando no governo de Nicolás Maduro. Com a morte de Chávez em 2013, seu sucessor foi eleito presidente com uma margem apertada de votos. No ano seguinte, o país entrou em recessão econômica, impulsionada também pela forte queda do preço internacional do petróleo.
Medidas de Maduro contribuíram ainda mais para aprofundar o colapso econômico do país e desencadear uma crise política. O chavista costuma atribuiu esse cenário às sanções impostas ao país pelos Estados Unidos e pela Europa, a partir de 2015.
A crise levou ainda milhões de venezuelanos a deixar o país. A Plataforma de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela estima que 7,1 milhões de venezuelanos fugiram do país desde 2014, sendo que 5,9 milhões destes foram para países da América Latina.
O caminho para o autoritarismo
O sucessor de Chávez deu continuidade à concentração de poder e ao controle das Forças Armadas, com a nomeação de militares como ministros. Também promoveu perseguição a opositores e à imprensa livre, impulsionada por uma lei de 2010 que possibilitou que o governo suspendesse ou revogasse concessões de meios de comunicação.
"Sob a liderança do presidente Chávez e, atualmente, do presidente Maduro, o acúmulo de poder no Poder Executivo e o fim de garantias de direitos humanos permitiram que o governo intimidasse, censurasse e processasse seus opositores", já denunciava a ONG Human Rights Watch em 2014.
Maduro vem usando ainda a violência para reprimir protestos que eclodiram contra seu governo a partir de 2014. Em 2021, o Tribunal Penal Internacional (TPI) abriu uma investigação sobre possíveis crimes contra a humanidade cometidos no país.
O regime chavista também pôs em prática diferentes estratégias para minar a independência do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). Entre elas o aumento do número de cadeiras na Corte, a prorrogação de mandatos de ministros leais ao regime e a destituição de figuras que tomaram decisões que desagradaram o governo. De acordo com a Human Rights Watch, o Judiciário do país deixou de ser um poder independente em 2004.
Apesar do curso autoritário, as eleições parlamentares de 2015 pareciam ter interrompido esse processo, com a oposição obtendo a grande maioria dos assentos na Assembleia Nacional e encerrando os 16 anos de controle governista da Casa. No entanto, Maduro passou a governar ignorando o Legislativo.
Em 2017, o Supremo dominado pelos chavistas suspendeu as prerrogativas da Assembleia Nacional controlada pela oposição e assumiu suas funções, numa ação descrita como "golpe de Estado" pelos críticos do regime.
Após essa manobra, Maduro convocou uma nova Assembleia Constituinte, cujos membros foram eleitos num pleito não reconhecido pela oposição e por grande parte da comunidade internacional. Esse órgão, controlado pelo chavismo, foi convocado para assumir as funções da Assembleia Nacional. A Assembleia Constituinte vigorou até 2020, quando foram realizadas novas eleições parlamentares, novamente numa votação contestada por opositores e vários países.
O Instituto Variedades da Democracia (V-Dem), um grupo de pesquisa independente sediado na Universidade de Gotemburgo, na Suécia, é um dos que considera a Venezuela uma autocracia eleitoral.
Eleições fraudulentas
Num pleito marcado por irregularidades e que não foi reconhecido pela oposição e por grande parte da comunidade internacional, Maduro foi reeleito em 2018. Logo após o chavista assumir o segundo mandato, no início de 2019, o então presidente da Assembleia Nacional, o opositor Juan Guaidó se declarou presidente interino da Venezuela.
Guaidó foi reconhecido pelos Estados Unidos e por mais 60 países, além da Organização dos Estados Americanos (OEA). O país foi tomado então por grandes protestos contra Maduro, que atraíram milhares de venezuelanos. O "governo interino" deveria funcionar até que eleições livres fossem realizadas depois da renúncia de Maduro.
Mesmo com os grandes protestos e a grave crise econômica, a oposição liderada por Guaidó não conseguiu obter apoio dos militares e do Judiciário e Maduro reforçou ainda mais seu controle sobre as instituições.
Sem resultados e com a comunidade internacional deixando de reconhecer Guaidó, a oposição acabou com o "governo interino" em 2022, encerrando a tentativa de isolar Maduro e promover uma mudança de governo no país.
Autor: Clarissa Neher