Como a Eurocopa 2024 movimenta milhões

Quando o torneio europeu de seleções de futebol começar, não é só a bola que rola, mas também muito dinheiro, principalmente de patrocinadores. A maioria deles vem do exterior, sobretudo da China. Por quê?

Por Deutsche Welle

Por mais de 70 anos, a seleção alemã de futebol jogou com camisas da Adidas. Em breve, não mais. A Federação Alemã de Futebol (DFB) anunciou em 22 de março, que a fabricante americana Nike equipará todas as equipes nacionais alemãs por pelo menos sete anos a partir de 2027. O que aconteceu? Segundo a mídia, esse acordo vai render à DFB pelo menos o dobro do dinheiro da parceria com a Adidas.

Com a introdução da chuteira de travas em rosca, que poderiam ser ajustadas de acordo com as condições do campo, na Copa do Mundo de 1954, a Adidas desempenhou um importante papel no triunfo da equipe alemã no torneio na Suíça. O então novo tipo de tênis deu aos alemães uma clara vantagem sobre a favorita Hungria no gramado encharcado de chuva do estádio de Berna, jogo que entrou para história como o "Milagre de Berna". Nas décadas seguintes, a parceria DFB-Adidas tornou-se quase simbiótica.

A troca da Adidas pela Nike provocou insatisfação nos círculos empresariais e em integrantes do governo alemão, que criticaram a DFB. Os torcedores ficaram boquiabertos. O ministro alemão da Saúde, Karl Lauterbach, se manifestou na plataforma X (antigo Twitter): "Acho que é uma decisão ruim, em que o comércio destrói uma tradição e um símbolo nacional".

O ministro alemão da Economia, Robert Habeck, lamentou: "Adidas, preto, vermelho e dourado sempre estiveram juntos para mim. Um pedaço da identidade alemã. Eu gostaria de ter visto um pouco mais de patriotismo local".

Participantes do mercado relutantes

Algumas semanas depois, mais um choque para os apegados às tradições: a fabricante chinesa de automóveis BYD se tornou uma das principais patrocinadoras da Eurocopa e fornecerá uma frota de carros elétricos. BYD. E nada da Mercedes ou VW! Não é realmente uma grande novidade: a empresa coreana Hyundai já havia sido escolhida antes para patrocinar a Copa do Mundo da Alemanha, em 2006.

As informações sobre o que levou a tal decisão não foram divulgadas. A DFB se recusou a responder às perguntas da DW e nos encaminhou ao organizador, a União das Associações Europeias de Futebol (UEFA), em Nyon, na Suíça, que também não quis dar respostas.

A única informação disponível foi uma lista de cinco parceiros comerciais: a Adidas está fornecendo "as bolas de futebol e equipamentos para voluntários e funcionários", a Atos é responsável pela tecnologia da informação (TI) durante o torneio, e a BYD está fornecendo "uma frota de carros elétricos". Além disso, a Coca-Cola vai "proteger os torcedores, voluntários e funcionários contra a desidratação" e a estatal ferroviária alemã Deutsche Bahn está oferecendo passagens com "preços especiais".

Um estudo sobre a Eurocopa publicado em junho pela Universidade de Hohenheim, coordenado pelo professor Markus Voeth, confirma que a Adidas é o patrocinador mais conhecido: cerca de 56% dos alemães sabem que o fabricante de artigos esportivos está apoiando o torneio. Entretanto, "bem atrás estão empresas como a Betano e a Atos, com cerca de 3% cada, que são patrocinadoras oficiais do Campeonato Europeu em casa, mas são conhecidas apenas por alguns alemães como tal", afirma o levantamento.

Vantagem da China

Para saber mais sobre a seleção de patrocinadores, perguntamos ao professor Henning Vöpel. O economista, diretor do Centro de Política Europeia, considera a expectativa de convocação de empresas alemãs para patrocinar um evento que ocorre na Alemanha, como a Eurocopa, "irreal".

"Os mercados de bens de consumo são em grande parte mercados globais, e o futebol tem um alcance global, especialmente para um evento tão importante como a Eurocopa. É absolutamente claro que o mercado de patrocínio também funciona globalmente. A globalização da economia e a comercialização do futebol andam de mãos dadas", diz o especialista à DW.

"Mas nem todos os parceiros da UEFA vêm do exterior", ressalva Vöpel. E por um bom motivo: "Afinal de contas, existem patrocinadores nacionais e também globais. Essa diferenciação permite que a UEFA maximize sua receita de patrocínio enquanto mantém a 'sensação' de um foco nacional."

E como o organizador decide a favor ou contra um patrocinador? "A UEFA decide de acordo com dois critérios", diz Vöpel: "Quem oferece mais, e quem é estrategicamente interessante." Portanto, não é de se estranhar que cinco patrocinadores globais do torneio venham da China: "Eles têm o maior interesse e, portanto, a maior disposição para pagar por esse patrocínio".

Movimento no mercado

"O patrocínio esportivo não é um negócio cotidiano, mas um investimento estratégico", explica Henning Vöpel. "O patrocínio não significa que ele compensa imediatamente em termos de fluxo de caixa. Trata-se de posicionamento estratégico, reconhecimento da marca e atenção da mídia." E as empresas de bebidas ou fornecedores de equipamentos esportivos geralmente vêm de mercados oligopolizados, segundo o especialista. "Neles, há um incentivo forte para que a companhia não fique atrás dos poucos concorrentes globais. Portanto, você tem de estar presente. O objetivo é superar a concorrência."

Ele então retorna ao exemplo da Adidas, a empresa que foi o carro-chefe da DFB por décadas – e vice-versa. Um vínculo estratégico pode fazer sentido. "Pois essa é a melhor maneira de desenvolver a confiança e o valor da marca. Em algum momento, porém, esses efeitos diminuirão. E então o mercado se movimenta novamente."

Sobre dinheiro não se fala

Uma pergunta permanece: por que os envolvidos relutam em se manifestar? Uma explicação é que falar demais sobre dinheiro pode corroer a base comercial dos dirigentes de futebol. Por um lado, as entidades esportivas geralmente são organizadas como organizações sem fins lucrativos e, portanto, só têm que pagar uma pequena quantia de impostos. Em grandes torneios, como é o caso agora na Alemanha, elas negociam para não ter sua renda taxada no país organizador do evento.

Por outro lado, muitos torcedores podem se irritar ao saber das altas quantias que entram nas contas das entidades esportivas. Além disso, se eles perceberem quanto dinheiro é gasto em uma partida e, acima de tudo, nos eventos que a cerca, podem se sentir excluídos. Isso não contribui para a garantir a fidelidade do cliente.

"A emoção faz com que a racionalidade do preço fique em segundo plano", explica o especialista em marketing Peter Rohlmann, se referindo os altos preços dos artigos para torcedores de futebol ao canal de TV alemã WDR. Os clubes, as federações e as empresas sabem disso. Eles exigem por seus produtos o máximo de dinheiro que o torcedor está disposto a pagar. No entanto, Rohlmann acredita que os produtos estão caros e que provavelmente os preços não vão aumentar. "Você não pode exagerar. Sabemos que o limite está sendo lentamente atingido."

Patrocínio vale a pena?

O industrial Henry Ford dizia que 50% do dinheiro que gastava em publicidade era praticamente dinheiro jogado pela janela. Ele só não sabia de que metade se tratava. O estudo da Universidade de Hohenheim tem uma visão semelhante. "Se o patrocínio vale realmente a pena para as empresas, é algo mais que questionável", afirma o levantamento.

Markus Voeth, que analisou os dados coletados em uma pesquisa online com mil entrevistados, conclui: "O patrocínio dificilmente desencadeia efeito direto de compra. Apenas cerca de 12% dos entrevistados procuram as marcas que patrocinam a Eurocopa quando compram produtos ou serviços."

Autor: Dirk Kaufmann

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