Há décadas a Rússia e a Coreia do Norte não estiveram tão próximas quanto agora, no momento da visita do presidente russo Vladimir Putin a Pyongyang – a primeira em 24 anos.
Nesta quarta-feira (19/06), os dois países anunciaram um novo pacto de defesa que prevê, segundo Putin, a "assistência mútua em caso de agressão contra uma das partes".
O anúncio vem após relatos – negados pelas duas partes – de que a Coreia do Norte estaria abastecendo Moscou com projéteis e – segundo fontes ucranianas e americanas – mísseis balísticos para uso na Ucrânia em troca de apoio com tecnologias militares e de satélite.
Se os relatos forem de fato verdadeiros, isso significaria que a Rússia está violando o embargo imposto pela Organização das Nações Unidas à Coreia do Norte que proíbe a importação e exportação de armas norte-coreanas, e que durante anos a própria Rússia ajudou a manter.
A aproximação com Pyongyang foi explicitamente apresentada por Putin como reação ao apoio cada vez maior do Ocidente à Ucrânia, com a entrega de armas de longo alcance e caças F-16 para uso em ataques ao território russo. É por isso que, segundo Putin, a Rússia "não descarta o desenvolvimento de cooperação técnico-militar com a República Popular Democrática da Coreia".
Coreia do Sul diz que Pyongyang pode ter entregado quase 5 milhões de projéteis
Na semana passada, o ministro de Defesa sul-coreano Shin Wonsik disse que seu país havia descoberto até 10 mil navios viajando da Coreia do Norte em direção à Rússia, carregando até 4,8 milhões de projéteis e artefatos explosivos. Já um relatório da inteligência americana falava em "pelo menos 3 milhões".
À agência de notícias Bloomberg, Wosnik afirmou que Putin provavelmente usaria sua visita a Pyongyang para pedir mais armas.
Se confirmadas, essas entregas seriam uma grande vantagem para a Rússia em sua guerra contra a Ucrânia, já que as suas tropas também têm se queixado de falta de armamentos.
Também superariam, em muito, as entregas da União Europeia a Kiev: o bloco, segundo o especialista militar austríaco Wolfgang Richter, não conseguiu cumprir sua própria meta de enviar um milhão de projéteis em um ano.
"Apenas cerca da metade [500 mil] foi entregue. O resto deve vir até o final deste ano", diz Richter à redação russa da DW.
Pela estimativa dele, a Rússia recebeu cinco vezes mais que isso da Coreia do Norte. "Isso pode não ser decisivo, mas é um suprimento significativo", pondera.
Tropas russas já estariam usando mísseis norte-coreanos
Em janeiro, os Estados Unidos acusaram Moscou de atacar alvos na Ucrânia com mísseis balísticos de curto alcance fornecidos pela Coreia do Norte.
As armas disparadas pela Rússia têm um alcance de cerca de 900 quilômetros, segundo o porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby. Ele não detalhou os tipos de mísseis usados, mas um gráfico distribuído pelo governo americano citava mísseis balísticos de curto alcance KN-23 e KN-25.
Os ucranianos, posteriormente, disseram ter examinado restos de mais de 20 mísseis norte-coreanos disparados contra seu território, corroborando as alegações.
No mês passado, a Agência de Inteligência de Defesa dos EUA (DIA) liberou um relatório contendo o que eles dizem ser evidências fotográficas de foguetes norte-coreanos caídos em território ucraniano.
Richter, porém, é menos assertivo. Para ele, não está claro se os norte-coreanos realmente forneceram mísseis à Rússia, embora seja "possível imaginar" que alguns de seus sistemas de mísseis mais antigos tenham ido parar na Ucrânia.
Pyongyang ainda está presa à rivalidade com Seul
Segundo Richter, os norte-coreanos estão "especialmente interessados em desenvolver novos sistemas avançados e se beneficiar da tecnologia de mísseis russa".
Mas Pyongyang, pondera ele, também tem tomado o cuidado de "não esgotar completamente seus estoques em favor da Rússia", para o caso de um conflito na Península Coreana – cenário cogitado diante das atuais tensões com a Coreia do Sul, o Japão e os EUA.
"Os norte-coreanos também precisam manter o equilíbrio, pois seus estoques também não são infinitos", ressalta.
Uma boa oportunidade para Putin de se promover
Com a Rússia também expandindo sua produção militar dentro de casa, é difícil quantificar o impacto exato das armas norte-coreanas.
Fato é que, nos últimos meses, as tropas de Moscou parecem estar no ataque na linha de frente, neutralizando lentamente a defesa ucraniana.
Também há relatos de que a Coreia do Norte estaria ajudando o esforço de guerra russo em outras frentes, enviando trabalhadores à Rússia e a regiões da Ucrânia ocupada para substituir aqueles que foram convocados pelo Exército.
Ao mesmo tempo, o apoio do regime norte-coreano também é diplomático. A invasão da Ucrânia tem sido apoiada abertamente por Pyongyang desde o início da guerra. Depois da própria Rússia e da Síria, ela foi o terceiro país a reconhecer a independência das regiões ucranianas separatistas de Donetsk e Luhansk, em julho de 2022.
Pyongyang também é um dos poucos atores internacionais ainda dispostos a organizar uma grande sessão de fotos para Putin – um gesto simbólico importante para uma Moscou empenhada em romper seu isolamento internacional.
Como a aproximação entre Rùssia e Coreia do Norte afeta relação com a China
A lealdade de Kim Jong-un a Putin parece estar valendo a pena. Não só a Rússia se comprometeu a defender a Coreia do Norte em caso de "agressão", como também deve fornecer energia e tecnologia para melhorar a economia e o arsenal de defesa do país.
Com isso, Pyongyang agora coopera militarmente mais estreitamente com Moscou do que com Pequim, seu aliado e protetor tradicional.
Para analistas, o apoio russo já tornou Kim mais ousado diante das tensões crescentes com a Coreia do Sul.
"Podemos ver claramente uma mudança no comportamento recente da Coreia do Norte, que se tornou mais agressiva", afirma Hyun Seung-soo, especialista em relações russo-norte-coreanas do Instituto para Unificação Nacional, em Seul.
"Eu concordo totalmente que Kim está mais perigoso agora porque ele está confiante que ele tem na Rússia uma grande e poderosa amigo", opina Hyun. "Ele poderia ver isso como uma chance de agir militarmente contra a Coreia do Sul. Esse comportamento rude recente é bem perigoso."
A aproximação com a Rússia, porém, pode custar a Kim alguns pontos com a China, que teme uma maior presença americana na região em resposta a um aumento do arsenal nuclear norte-coreano. Segundo Hyun, num cenário desses Pequim deve enviar um sinal a Moscou para que não viole o regime de não proliferação de armas nucleares.
"Não tenho certeza de que a China está muito contente com esses acontecimentos."
Com informações da agência Reuters.
Autor: Darko Janjevic