Que as baratas são criaturas nojentas, é praticamente consenso universal. Menos reconhecidos são seus "superpoderes": extremamente velozes, elas conseguem se achatar totalmente para passar por uma brecha e, além das garras usuais nos insetos, têm patas dotadas de órgãos adesivos que permitem escalar até mesmo superfícies verticais mais lisas.
Acima de tudo, porém, apresentam resiliência extraordinária: suas carapaças suportam 900 vezes o peso total do inseto, tornando quase impossível esmagá-las. Para completar, são imunes à maioria dos inseticidas.
Isso é um grande problema, pois baratas podem transmitir um grande número de bactérias, vírus e fungos, desencadeando alergias, disenteria, enterite, hepatite A, antraz, salmonelose, tuberculose, entre outras doenças. Nos estábulos, são vetores da febre aftosa.
Fato também pouco conhecido é que a espécie mais bem-sucedida é a barata-alemã (Blattella germanica), difundida – e detestada – em todos os continentes. Medindo até dois centímetros de comprimento, o animal noturno gosta de ambientes úmidos e habita todo tipo de edifícios, no mundo inteiro. Na natureza, por outro lado, é raro encontrá-la: ela é mesmo uma espécie de "melhor inimiga do homem".
Na cola dos humanos
A espécie foi descrita pela primeira vez pelo naturalista sueco Carl von Linné, em 1776, portanto pouco depois da Guerra dos Sete Anos, quando a metade da Europa Central estava em ruínas e reinava grande miséria.
Apesar do nome barata-alemã (ou germânica, ou francesa, ou baratinha), a origem da onipresente espécie não estava totalmente esclarecida. Agora coube à equipe liderada por Qian Tang, da Universidade Nacional de Cingapura, resolver esse mistério entomológico de quase 250 anos, reconstruindo a trajetória do inseto marrom pelo tempo e o espaço. Para tal, examinou-se o material genético de 281 baratas originárias de 17 países em cinco continentes.
A conclusão foi que a barata-alemã se desenvolveu cerca de 2.100 anos atrás, a partir da barata-asiática (Blattella asahinai), a qual se adaptara aos assentamentos humanos da Índia ou de Mianmar. Até hoje, ambas as espécies se assemelham muito.
Nos séculos seguintes, a variante "germânica" se propagou em direção ao ocidente a partir de duas rotas distintas: 1.200 anos atrás, aproveitou a expansão econômica e militar do islã; e há cerca de 400 anos, seguiu os rastros do colonialismo europeu, especialmente britânico e holandês.
Contudo, até o início do século 18 o habitat principal da barata-germânica ainda se restringia à Ásia. Isso só mudou na segunda metade, ou seja, na época em que von Linné descreveu o inseto.
Nas regiões mais quentes do Brasil, ela compete nas casas com a temida barata-americana (Periplaneta americana): medindo até cinco centímetros, essa espécie é dotada de asas, sendo também chamada barata-voadora. O nome alternativo barata-de-esgoto acrescenta mais uma camada de asco à reputação da espécie.
Flexibilidade genética a serviço da sobrevivência
A campanha triunfal da Blattella germanica se acelerou com o advento do comércio mundial de longa distância, com suas vias de transporte cada vez mais eficientes e, portanto, mais rápidas, registra a equipe de Qian Tang na revista científica PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos EUA.
Lá pelo fim do século 19 e início do 20, ela havia conquistado o resto do mundo: apesar de sensível ao frio, as casas com calefação e tubulações lhe garantiam condições de vida ideais.
"A ascensão da civilização humana desencadeou a evolução e disseminação de espécies adaptadas aos ambientes urbanos", confirma o estudo de Cingapura. A única coisa que os animais de sangue frio não suportam é secura: nas residências modernas, sem cantos úmidos, elas logo morrem de sede.
Um outro fator, contudo, garantiu o extraordinário sucesso da barata-alemã em povoar o mundo: em comparação com outras, ela apresenta resistência fora do comum a inseticidas. As substâncias químicas pouco efeito têm contra elas, pois as mais resistentes já transmitem a imunidade à geração seguinte, em seus genes.
Como cada fêmea consegue produzir até 400 ovos em seus três meses de vida média, esse processo é extremamente veloz: no prazo de poucos meses, umas poucas baratas-alemãs sobreviventes são capazes de reconstituir populações respeitáveis.
av (DW,ots)