Como a ascensão da ultradireita francesa pode afetar a UE?

Após o primeiro turno das eleições na França, os líderes alemães estão preocupados que o crescimento do partido de ultradireita Reunião Nacional possa abalar as relações entre os vizinhos.

Por Deutsche Welle

Marine Le Pen e seu partido de ultradireita Reunião Nacional (RN) terminaram o primeiro turno das eleições na França na liderança.

Para os políticos da Alemanha, isso alimentou novas preocupações sobre as relações franco-alemãs.

A líder do Partido Verde, Ricarda Lang, e o deputado estadual Mario Voigt, do partido de centro-direita e oposição União Democrata Cristã (CDU), foram alguns dos que rapidamente se pronunciaram, dizendo que acreditam que o presidente Emmanuel Macron cometeu um grande erro ao convocar eleições antecipadas.

Mas, o que a mudança para a direita significaria para a política franco-alemã? O presidente do partido RN, Jordan Bardella, disse, pouco antes da eleição, que como chefe de governo, ele não vai mudar nada nas relações com Berlim.

Mas a RN sempre foi "muito crítica em relação à Alemanha, às vezes quase hostil", aponta Ronja Kempin, pesquisadora do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), com sede em Berlim. "Eles acusam Macron de vender os interesses franceses à Alemanha e dizem que vão acabar com isso assim que tiverem a chance de chegar ao poder", diz ela à DW.

Marc Ringel, diretor do Instituto Franco-Alemão em Ludwigsburg, prevê dificuldades para as relações bilaterais se o RN eventualmente chegar ao poder: "Há a questão de saber se o novo governo francês respeitará os acordos bilaterais. Politicamente, haveria muita incerteza", acredita.

Até recentemente, o programa político do RN afirmava que os projetos franco-alemãs conjuntos, que envolvem o desenvolvimento de um avião e de um tanque de combate, deveriam ser encerrados. Mas, agora, Bardella diz que os compromissos internacionais da França devem ser honrados; isso também pode se referir aos dois projetos militares.

Entre os tópicos da plataforma eleitoral do RN que podem gerar conflitos com a UE e Berlim estão: o corte do compromisso financeiro da França com a UE, a saída do mercado de eletricidade da UE, a retirada do tratado de migração e as restrições de viagem para estrangeiros de fora da UE. O apoio francês à Ucrânia também pode ser reduzido. Se esses planos poderiam ser implementados, ainda não está claro.

Razões para a ascensão do RN

Entre muitos eleitores franceses, há uma "frustração pública generalizada com a política e um sentimento crescente de ser deixado para trás. O RN tem sido muito inteligente em explorar essa insatisfação", explica Ringel.

Além das principais questões de migração e segurança interna, o partido tem se concentrado em questões econômicas e sociais. Por exemplo, ele quer reduzir o Imposto sobre valor agregado (IVA) sobre a energia de 20% para 5,5%.

Há anos, a líder efetiva do RN, Marine Le Pen, vem trabalhando para reformular a marca de seu partido para parecer menos extremista. Ela expulsou o próprio pai, Jean-Marie Le Pen, conhecido por ter relativizado o Holocausto, o que ajudou na época a tornar o partido inaceitável para amplos setores da população. Agora, o RN afirma estar preparado para fazer concessões políticas.

Na Alemanha, os partidos tradicionais têm uma política de isolamento, recusando-se a cooperar com o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD). Essa relutância já não é mais tão forte França, onde o RN passou a contar com 89 deputados na Assembleia Nacional do país desde 2022. Desde então, o governo de coalizão de Macron aprovou várias leis com o apoio do RN, como o endurecimento da legislação sobre imigração.

"Na França, o RN é muito mais contido do que a AfD é na Alemanha", disse Kempin. Le Pen também se distanciou da AfD e passou a se recusar a trabalhar com o partido alemão no Parlamento Europeu.

No primeiro turno das eleições para a Assembleia Nacional, o RN apareceu como o partido mais forte, com cerca de 33% dos votos. Uma coisa já é certa: o Reunião Nacional não é mais um pária na política francesa e se tornou elegível para amplos setores da população.

Embora o presidente Macron continue no cargo até 2027, suas opções políticas serão severamente limitadas no futuro, pois ele ainda arrisca ser obrigado a trabalhar com o líder do partido RN, Bardella, como primeiro-ministro.

Mas se o RN não conseguir obter a maioria absoluta no segundo turno, Macron poderá enfrentar uma alternativa igualmente difícil: um impasse na Assembleia Nacional, com os poderes de direita e de esquerda se obstruindo mutuamente.

Para o líder do RN, Bardella, no entanto, tornar-se primeiro-ministro é apenas a primeira parte do plano. Na eleição presidencial de 2027, Le Pen, apesar de ter perdido duas vezes para Emmanuel Macron em disputas anteriores, planeja concorrer pela quarta vez. Só que dessa vez, sem Macron, pois ele não poderá concorrer novamente em 2027. E se tudo caminhar como o planejado, Le Pen tem uma boa chance de vencer.

Se isso acontecer, "estaremos em uma Europa muito diferente", reflete Kempin.

"Marine Le Pen, como Giorgia Meloni na Itália, permaneceria na UE para virá-la de cabeça para baixo, esvaziá-la e remodelá-la de acordo com suas ideias", alerta Ringel, do Instituto Franco-Alemão.

Nos próximos meses, o governo alemão terá de se preparar para tempos difíceis nas relações com seu maior vizinho.

Autor: Christoph Hasselbach

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