[Coluna Vozes da Educação] As crianças que a escola não alcança

Educação, sozinha, não dá conta do desenvolvimento saudável. Para ir à escola, crianças precisam viver sem desigualdade ou pobreza.

Por Deutsche Welle

Nos últimos dias, tive duas experiências envolvendo jovens aqui no Rio de Janeiro que me tocaram bastante.

Na primeira, estava na praia de Copacabana com dois sobrinhos e a noiva de um deles. Vieram duas crianças vendendo balas, o mais velho aparentava uns nove anos e duvido que o mais novo tivesse mais do que sete. O segundo parecia ser mais "desenrolado". Perguntei se estava indo para a escola. Ele não respondeu, mas disse uma frase que me chocou: "Tio, não tem umas mulheres para eu transar não? Pode ser essa loirinha que está com vocês mesmo". A loirinha, no caso, é a noiva do meu sobrinho.

A situação foi tão chocante que nem ficamos bravos com o desrespeito. Eu, pelo menos, fiquei muito triste em ver uma criança cuja realidade a impede de ser criança.

Ontem, pedalando pela Lagoa Rodrigo de Freitas, parei em um deck e vi uns sete meninos, todos com menos de dez anos, e uma menina que deveria ter 12, também vendendo balas. Naquele momento, porém, não estavam trabalhando. Estavam nadando na lagoa. Foi muito emocionante ver seus sorrisos de felicidade e a forma como interagiam uns com os outros. Na lagoa, tiveram poucos minutos de infância.

A menina veio conversar comigo e me perguntou se eu já tinha visitado o Cristo Redentor. Disse que sim e, naquele momento, todos se sentaram ao meu redor para perguntar sobre um dos pontos turísticos mais emblemáticos da capital fluminense. Eles, embora cariocas e moradores em uma cidade que hospeda uma das sete maravilhas do mundo, nunca visitaram o Cristo. E existe a possibilidade de nunca terem condições de ir.

A escola não faz sentido para eles

São crianças que não podem ser crianças. Não há tempo para brincar ou ficar na sala vendo TV enquanto os pais preparam uma boa comida caseira. Não há espaço para pedir um brinquedo novo ou para chegar em casa feliz por ter aprendido algo na escola.

Assumiram responsabilidades de adulto. Não por escolha, mas por sobrevivência. Delas, a doce ingenuidade da infância é retirada e, no lugar, a vida insere responsabilidades e malícias que só adultos deveriam ter.

Dentro desse contexto, me peguei pensando que são crianças que, muito provavelmente, não estão na escola. Ou estão, mas não veem sentido algum nos colégios. É triste, mas é verdade. Para essas crianças, a escola simplesmente não irá ajudar em nada, pois há situações mais urgentes para lidar, como a fome e o frio.

Assim, aproximá-los da escola é um desafio hercúleo e, embora eu acredite que há melhorias para serem feitas no sistema educacional, temo que seja algo que extrapola em alguma medida o alcance do próprio colégio.

Educação é importante, mas outras políticas também são.

Lembro de uma aula que tive sobre Estado de bem-estar social. A professora compartilhou que há o seguinte consenso entre alguns autores: a educação representa uma fração importante, sim, do desenvolvimento de um país, mas não é a única variável. De modo simplista: ainda que esteja operando no melhor dos cenários, ainda pode haver desigualdade e pobreza.

Não estou minimizando seu poder, mas trazendo a luz para a importância de que todos os pilares para o desenvolvimento andem juntos.

Acredito que essa provocação caiba muito na reflexão que iniciou esta coluna. Há um limite do quanto a escola pode trabalhar sozinha com as crianças que descrevi. Primeiro porque estes, muito provavelmente, nem estarão verdadeiramente nela.

É urgente e necessário que haja políticas não somente de combate à extrema pobreza, mas também de combate à desigualdade. Crianças precisam ter condições e o privilégio de serem crianças – e isso é uma responsabilidade do Estado. Somente quando isso acontecer, terão a oportunidade de estar de corpo e alma nos colégios prontos para aprender, interagir e se desenvolver.

________________________

Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Autor: Vinícius De Andrade

Tópicos relacionados

Mais notícias

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.