[Coluna Tropiconomia] Como a Europa vai perdendo o Brasil de vista

Boicote do Carrefour à carne brasileira mostra até que ponto os europeus se distanciaram da América do Sul. Em vez de impor medidas unilaterais à região, eles talvez poderiam aprender algo com a China de Xi Jinping.

Por Deutsche Welle

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O tiro saiu pela culatra: em 20 de novembro o presidente do Carrefour, Alexandre Bompard, anunciou que sua cadeia de supermercados não mais comercializaria ***carne do Mercosul***. Trata-se de solidariedade com os agricultores da França, alegou: o mercado nacional não deve ser inundado com carne que não corresponde a suas exigências e padrões.

No Brasil, as reações foram iradas, com convocações ao boicote à cadeia francesa. Diversas empresas prometeram não fornecer para o Carrefour e outras marcas do grupo, como Atacadão e Sam's Club. Os consumidores se recusam a comprar nelas. Não só o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, manifestaram indignação com o episódio.

***Neste meio tempo, Bompard se desculpou, enfatizando a "grande qualidade" dos produtos dos frigoríficos brasileiros***. Porém com a decisão de suspender as vendas, o Carrefour deu um tiro no próprio pé. Pois em 2024 a França comprou do Brasil apenas 40 toneladas de carne bovina, um mero 0,003% das exportações brasileiras do produto. Para os conglomerados de carne brasileiros, as vendas para o país europeu são absolutamente irrelevantes. Há muito a União Europeia é um mercado protegido e altamente regulado para a carne da América do Sul.

Porém o contrário não é verdade: agora o Carrefour está com um problema sério no subcontinente. Após a França, o Brasil é o segundo maior mercado para a cadeia: lá e na Argentina, o conglomerado obtém de um terço à metade de seu faturamento total, dependendo do cálculo.

"Não somos colônia dos franceses"

A situação toda parece bastante sintomática da relação entre a UE e o Brasil ou o Mercosul: com base em argumentos exageradamente morais, os europeus impõem medidas unilaterais contra os sul-americanos, sem notar como se prejudicam a si mesmos com essa política comercial e põem em risco a confiança na região.

Parece que políticos, empresários e jornalistas europeus simplesmente levam a América do Sul cada vez menos a sério. Se não, como explicar que um chefe regiamente pago de um dos mais importantes conglomerados da segunda maior economia da Europa se permita praticar populismo barato à custa do Brasil, para agradar seus clientes?

No processo, Bompard "esquece" que grande parte dos seus lucros vem dessa região que ele caracteriza como pouco séria e não confiável. A ideia é: ótimo os lucros da América do Sul serem transferidos para Paris, mas fora isso a região está longe de ser tão desenvolvida quanto a França. O ministro Fávaro resume bem a situação, ao protestar: "Não somos colônia dos franceses."

A "Comunidade de Futuro Compartilhado Brasil-China por um Mundo mais Justo e um Planeta mais Sustentável"

Talvez os europeus pudessem aprender um pouco com a China. Um exemplo foi a visita do presidente Xi Jinping em 20 de novembro, logo em seguida à cúpula do G20, quando o poderoso chefe de Estado chinês foi recebido com pompa e circunstância em Brasília para celebrar os 50 anos de amizade sino-brasileira.

Ambos os países acordaram em aprofundar suas relações. Para tal, definiram um rótulo um tanto laborioso: Comunidade de Futuro Compartilhado Brasil-China por um Mundo mais Justo e um Planeta mais Sustentável. Nele confluem tanto o conceito de comunidade predestinada, cunhado por Xi e a política chinesa, quanto o desejo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de reduzir a pobreza no mundo e avançar na proteção das florestas tropicais.

Desse modo, a China toma para si os argumentos com que a Europa tanto gosta de se promover no Brasil (e na América do Sul). As palavras-chave são: multilateralismo, mudança climática e guinada energética, futuro compartilhado, transferência de tecnologia.

E se pode acrescentar: no momento, os argumentos da China soam bem mais convincentes do que os dos europeus – mesmo que em Bruxelas, Berlim ou Paris poucos consigam imaginar tal coisa.

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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.

Autor: Alexander Busch

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