[Coluna] Brasil de Lula está preso no passado

Alimentos caros, pouco investimento na juventude, corrupção: já avançado em seu mandato, o presidente parece só estar apostando em seus antigos êxitos. E o país segue travado por abordagens nostálgicas e ultrapassadas.

Por Deutsche Welle

O presidente e ícone da esquerda Luiz Inácio Lula da Silva já está bem avançado na segunda metade de seu mandato, mas não consegue convencer a maioria dos brasileiros. As pesquisas mostram um profundo sentimento de insatisfação, ligado principalmente à percepção de que nada avança, que o Brasil está parado. Falta visão, faltam projetos, não há um conceito claro de futuro ou ideias inovadoras. Onde está o Brasi, para onde quer ir? Lula respondeu a essa pergunta recentemente?

O próprio Lula não havia colocado o sarrafo muito alto: o Brasil deveria voltar a ser "feliz", prometeu, e os pobres novamente poder comprar "picanha e cervejinha". Mas nem isso foi alcançado. A inflação persistente, somada às más colheitas (mudanças climáticas!) e a uma oferta reduzida pela agricultura voltada à exportação, resulta em preços elevados dos alimentos – algo especialmente duro para os brasileiros socialmente vulneráveis.

A autoconfiança de Lula se baseou em seus antigos êxitos presidenciais, quando a economia crescia e a pobreza diminuía. Mas é como no mercado financeiro: desempenho passado não é garantia de resultados futuros. Uma ação que só sobe não significa que nunca vai cair.

Lula aparentemente confiou tanto no passado e em seu talento de comunicador, que achou desnecessário um plano inovador e de longo prazo. Percebe-se uma ausência crítica na compreensão das mudanças sociais e econômicas por que o Brasil vem passando.

Na retaguarda global

Especialmente preocupante é a falta de investimentos na juventude. Onde estão as grandes iniciativas em ciência, tecnologia, educação e pesquisa? São esses os campos que definirão o futuro do Brasil na economia global do conhecimento.

Ou o país pretende continuar para sempre fornecendo produtos primários e alimentos ao mundo (gerando poucos empregos qualificados), enquanto gerações de jovens brasileiros fazem "carreiras" no Betano, OnlyFans, como motoristas de Uber, entregadores de comida ou pedreiros não qualificados? O que mais simboliza essa triste realidade são os aviões sobrevoando diariamente as praias do Rio com faixas anunciando a Fatal Model, um serviço de acompanhantes.

É paradoxal que, especialmente num governo de esquerda, faltem boas escolas públicas, formação e qualificação para os jovens, iniciativas e programas de incentivo ao empreendedorismo. Além disso, falta capital de risco das instituições financeiras e empresas. Aparentemente não há confiança no potencial inovador brasileiro – apesar do gigantesco reservatório disponível de gente talentosa e ambiciosa. Todo esse talento desperdiçado é o verdadeiro escândalo do Brasil.

A paralisia do país fica especialmente evidente na urgente, mas inexistente, reforma da administração pública. O Estado brasileiro tradicionalmente sofre com ineficiência, burocracia, nepotismo e clientelismo. Em muitas cidades, a prefeitura é a maior empregadora, com prefeitos garantindo apoio político por meio dessa estrutura.

Há, especialmente no Judiciário, servidores beneficiados por privilégios quase barrocos. Muito dinheiro dos impostos desaparece em bolsos particulares, sem qualquer contrapartida real, mas alimentando uma mentalidade baseada no jeitinho e na corrupção. Tente importar uma caixa de cerveja da Alemanha para o Brasil: a cerveja ficará mofando na Alfândega, se você não pagar uma "taxa de agilização".

Nostalgia e visões ultrapassadas

Não surpreende, portanto, que o Brasil ocupe a 123ª posição no quesito eficiência, entre 148 países no Índice Global de Competitividade do Fórum Econômico Mundial. Apesar da elevada carga tributária, a qualidade dos serviços públicos como educação, segurança e saúde não melhora – nem mesmo com Lula.

Entre os 30 países com maior carga tributária do mundo, o Brasil oferece aos cidadãos o menor retorno, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Seria justamente tarefa básica de um governo de esquerda combater essa injustiça, que afeta sobretudo os mais pobres, já que os ricos podem comprar segurança, saúde e educação.

Mas Lula, em vez de desenvolver uma visão moderna e ousada para o futuro, está preso a abordagens nostálgicas e ultrapassadas.

Pior ainda é que Lula, como um patriarca ciumento, não deixa espaço para que surja uma liderança mais jovem e dinâmica no espectro da esquerda. Se Lula não mudar de rumo rapidamente, abrirá o caminho – assim como Joe Biden fez por teimosia geracional nos EUA –, para um bolsonarista como Tarcísio de Freitas chegar ao Palácio do Planalto no próximo ano.

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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente da DW.

Autor: Philipp Lichterbeck

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