[Coluna] Bolsa é única fonte de renda para maioria dos pós-graduandos

Trabalhar de forma paralela a programa de pós-graduação é difícil. O resultado são estudantes vulneráveis, desprotegidos, e isso impacta, inclusive, suas produções acadêmicas.

Por Deutsche Welle

"Em dezembro, não viajei e nem fiz gastos extras. Hoje, estou no sofá com meio pacote de farinha de tapioca, tentando planejar como fazer isso durar até a data regular do pagamento da bolsa. Como nos anos anteriores, a bolsa era depositada até o fim de dezembro, fiz os cálculos errados. Só queria poder comer um frango assado hoje à noite"

O desabafo acima é de um mestrando.Tenho acompanhado alguns grupos de bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a famosa Capes, e muitos estavam contando que a bolsa de dezembro fosse depositada até o fim do mês. Segundo eles, isso era normal nos anos anteriores e, por isso, se organizaram e contaram com um dinheiro que ainda nesta terça-feira (31/12) não tinha caído em suas contas bancárias.

Não estamos diante de uma irregularidade da Capes, dado que o pagamento pode ser efetuado até o quinto dia útil de janeiro. No entanto, toda a movimentação nos grupos deixou muito claro que a bolsa é para a maioria a única fonte de renda.

Conciliar com outros trabalhos é desafio

Atualmente, não é ilegal ter um trabalho remunerado paralelo à bolsa, mas muitos programas, para não dizer todos, pedem dedicação exclusiva e, alinhado a isso, exigem que o discente peça autorização para trabalhar em algum outro lugar. Esta nem sempre é concedida, mas o problema principal é a pressão exercida por resultados, publicações e por uma entrega que não é compatível com a vida de alguém que trabalha para além da pós-graduação.

Resultado? A bolsa se torna, para muitos, a única fonte de renda. "É minha única fonte e foi uma conquista muito batalhada. Passei por uma rigorosa seleção. No entanto, o custo de vida no Sul é alto e a bolsa não cobre todas as despesas básicas. Não consigo chegar ao fim do mês com tranquilidade", diz o mestrando cujo relato iniciou a coluna.

Ele continua: "Enquanto raciono o restinho de tapioca, preciso escrever um capítulo de um livro em andamento, mas estou sem forças para trabalhar. É difícil produzir pesquisas de tamanha relevância, que exigem tanto de nós, enquanto lidamos com a fome e a exaustão."

Pós-graduandos, são tidos quase como "nem-nem"

A produção acadêmica brasileira é referência mundial. No entanto, os pós-graduandos, ou seja, uma relevante parte do capital humano que produz tudo isso, se encontram, muitas vezes, totalmente desprotegidos.

Pedro, mestrando em desenvolvimento regional, lamenta: "Somos mão de obra barata para as universidades e para o governo, não temos 13° salário e não somos vistos como trabalhadores, seja pela sociedade, pelo governo ou até mesmo por nossos orientadores e professores. Não podemos ter família, não podemos planejar, somos ameaçados pelos programas e passamos pressão psicológica por isso".

A pressão é um fator muito relevante. Passei por isso recentemente. Eu me encontrei no fim do ano com três artigos acadêmicos para produzir e em um deles me senti totalmente sozinho e sem a ajuda do professor. Enviei um e-mail para a coordenação do programa para perguntar o que ocorria se eu fosse reprovado em uma disciplina, e a resposta foi que eu perderia a bolsa. Eu, graças a Deus, tenho outra fonte, mas ainda assim fiquei incrivelmente preocupado. Imagina no caso de quem conta apenas com a bolsa?

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Autor: Vinícius De Andrade

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