Centro cultural de Berlim exibe "cavalos de Hitler"

Longe dos olhos do público, garanhões de bronze feitos por Josef Thorak para adornar a "Nova Chancelaria" de Adolf Hitler podem agora ser vistos nos arredores da capital alemã, mas não lado a lado

Por Deutsche Welle

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O tão aguardado momento aconteceu no início de 2023: o primeiro de dois garanhões de bronze de três metros de altura e duas toneladas, lavrados pelo escultor nazista Josef Thorak (1889-1952), foi apresentado ao público pela primeira vez em 77 anos.

Desde então, ele é mantido na Cidadela de Spandau, uma antiga fortaleza nos arredores de Berlim, hoje um centro cultural. Lá, ao lado de outros monumentos erguidos na atual capital alemã entre 1849 e 1986 – portanto do Império Alemão à Alemanha dividida –, o imponente cavalo de bronze integra a exposição permanente Enthüllt. Berlin und seine Denkmäler (Desvendados. Berlim e seus monumentos).

Meses depois, visitantes podem enfim obter uma visão mais completa dos chamados "Cavalos em Marcha" de Hitler: neste domingo (10/09), o segundo garanhão de bronze pôde ser visto no Museu de História da Cidade, também na Cidadela, graças ao já tradicional Dia do Monumento Aberto, quando cerca de 5 mil instituições culturais em todo o país abrem suas portas.

História de detetive das artes

A história dos garanhões, também denominados "Cavalos de Thorak" em homenagem a seu criador, já rendeu um livro inteiro. Mais precisamente sobre seu desaparecimento: durante muito tempo, não estava claro o que acontecera com eles.

Inicialmente, presumia-se que as esculturas haviam sido destruídas durante os bombardeios em Berlim no fim da Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, elas foram descobertas num quartel soviético perto de Eberswalde, no nordeste da capital alemã. Em 1989, porém, em meio à euforia que precedeu a reunificação, os Cavalos de Thorak sumiram novamente, e só em 2013 a descoberta de uma fotografia a cores reacendeu a esperança de que ainda pudessem existir.

Junto com a foto, a polícia de Berlim recebeu a denúncia de que os cavalos estavam sendo oferecidos por milhões no mercado negro de artes. Essa foi a deixa para René Allonge, comissário do Departamento de Polícia Criminal do Estado de Berlim especializado em crimes no mundo artístico, e o holandês Arthur Brand, talvez o mais famoso detetive particular de artes da Europa.

Arthur Brand: "A melhor história da minha vida"

A dupla então pôde comprovar que as ofertas do mercado negro realmente se tratavam dos Cavalos de Thorak. "Para mim estava claro que, se recuperássemos os cavalos, essa seria a melhor história da minha vida", disse Brand, em entrevista à DW.

Dito e feito: o caso rendeu uma narrativa típica da Guerra Fria, com direito a agentes da polícia secreta da Alemanha comunista (Stasi) e forças de ocupação soviética. As esculturas haviam sido contrabandeadas em pedaços através da fronteira interna da Alemanha dividida, presumivelmente para serem trocados por moeda forte no Ocidente.

Em 2015, conseguiu-se apreender os cavalosnuma operação de nível nacional. Eles que se encontravam com um colecionador de arte da cidade de Bad Dürkheim, perto de Mannheim, no sudoeste da Alemanha. Até hoje não se sabe se as peças foram obtidas por vias legais ou não: as investigações foram encerradas pois o presumível crime prescrevera.

Somente em 2022, depois de uma longa batalha legal que se arrastou por anos, o colecionador se dispôs a abrir mão dos cavalos.

Brand publicou então um livro sobre a investigação policial, contendo "um mistério, a perseguição, personagens diferentes, simpatizantes do nazismo". Previsivelmente, Hollywood resolveu garantir os direitos cinematográficos do caso.

Projeto colossal para a "Alemanha de Hitler"

Originalmente, os cavalos de Thorak ficavam a poucos quilômetros de sua localização atual na Cidadela, mais especificamente no jardim da Chancelaria do Novo Reich de Adolf Hitler. As esculturas deveriam — segundo ideia do próprio ditador — decorar a "capital mundial Germânia", concebida por ele. "É possível identificar uma certa ideologia [nos cavalos]. Eles representam uma masculinidade especial: são garanhões, afinal. O pescoço é extremamente grande e forte, os músculos são completamente exagerados. A coisa toda irradia uma certa violência", descreve Urte Evert, chefe do Museu de História da Cidade da Cidadela de Spandau.

Ao lado de Arno Breker (1900-1991), Josef Thorak foi um dos mais importantes artistas de propaganda do regime nazista, tendo feito os famosos cavalos de bronze para Adolf Hitler na década de 1930. Há ainda outro cavalo, mas este não foi dado ao ditador: ele agora fica nas dependências de uma escola secundária no Lago Chiemsee, na Baviera. Na década de 1960, familiares de Thorak teriam usado a escultura para pagar as mensalidades escolares de um filho.

Por que os "cavalos de Hitler" são exibidos separados

Originalmente, ambos os cavalos de Thorak deveriam ser exibidos na mostra Bastion Queen, voltada para o acervo mantido no depósito da Cidadela, relata a diretora do museu, Urte Evert. Mas, embora obras de metal e pedra geralmente encontrem abrigo no local, um dos cavalos acabou indo parar na exposição permanente Revelados, na sala dedicada a obras de arte nazistas.

Assim, a separação espacial pretende evitar a impressão de que foi criado um museu dedicado aos "garanhões de Hitler". Além do cavalo, a sala abrange outras estátuas e bustos considerados problemáticos, com cada obra contando sua própria história.

Outras obras de arte polêmicas na Cidadela

O segundo garanhão está agora próximo a um busto de Hitler recém-encontrado. A escultura foi descoberta durante obras no centro de Berlim, não muito longe da Chancelaria Federal, e atribuída ao artista Josef Limburg (1874-1955). Acredita-se que ele a esculpiu em seu estúdio no bairro berlinense de Lichterfelde em 1937, mas não se sabe como a peça chegou ao local onde foi encontrada. O nariz pode ter sido perdido no final da Segunda Guerra Mundial, quando muitos retratos de Hitler foram destruídos.

Na exposição, também estão duas cabeças de mármore do ateliê de Arno Breker, assim como uma escultura de Arminius Hasemann (1888-1979). A história de sua Hockende N*, como foi batizada a estátua de uma mulher africana ajoelhada, de 1925, poderia render um livro próprio, especialmente seu final: a escultura foi pichada e decapitada em 2020, presumivelmente como parte dos protestos globais contra a violência policial sofrida pelo negro americano George Floyd, segundo a diretora do museu, Evert. Nessa altura, removê-la da paisagem urbana de Berlim pareceu a decisão mais acertada.

As obras de arte expostas na Cidadela de Spandau só podem ser vistas durante visitas guiadas e eventos especiais.

Autor: Verena Greb

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