"Como uma mulher tão linda e poderosa passou por isso?", "Como isso pôde acontecer com uma pessoa tão rica e bem sucedida?". No domingo (12/11), quando a notícia de que a apresentadora Ana Hickmann foi agredida pelo marido, Alexandre Correa, foi divulgada, muitos fizeram essas perguntas.
A resposta é simples (e também triste): não há beleza ou riqueza que livre uma mulher no Brasil de ser vítima do machismo em algumas de suas formas mais violentas, como a agressão física e o abuso emocional. Todas estão sujeitas.
Na verdade, não existe nada que faça com que uma mulher não seja "grupo de risco" em uma sociedade onde o machismo estrutural é tão arraigado.
Um lugar como esse acaba sendo uma fábrica de homens abusadores, controladores e que acham que podem "resolver as coisas no tapa". Que mulher brasileira nunca teve um relacionamento abusivo? Um namorado manipulador na adolescência ou um que, na hora da briga, pegava com força em seu braço?
Isso não está distante de nenhuma de nós. Provavelmente você conhece alguma mulher que já sofreu um abuso. Segundo pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, estima-se que 18,6 milhões de mulheres tenham sido vítimas de violência física, sexual ou psicológica, o que equivale a 28,9% da população feminina. Isso só em um ano!
Ana é mais uma a passar por esse trauma. De acordo com o boletim de ocorrência registrado por ela em Itu (SP), onde mora com a família, depois de uma discussão na cozinha da casa, Correa teria a pressionado contra a parede, ameaçado com cabeçadas e fechado uma porta em seu braço. O horror completo. Ela foi atendida em um hospital em Itu com uma concussão no cotovelo.
A apresentadora conseguiu trancar o marido para fora de casa e chamar a polícia. Ana é mais uma sobrevivente em um país onde, no ano passado, uma mulher foi vítima de feminicídio a cada seis horas, segundo dados do Monitor da Violência, do portal G1 e do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).
O que explica esses números de tragédia? O machismo, que faz com que sujeitos do tipo de Correa (no domingo, após a notícia do crime, soubemos que ele teria comportamento explosivo e já teria agredido um motoqueiro em São Paulo, em uma briga no trânsito) se achem maiorais por suas atitudes toscas e se sintam autorizados a serem tóxicos.
Em uma entrevista de 2010, dada para a jornalista Mônica Bergamo, Correa, que também era empresário de Ana, fala da apresentadora como se ela fosse uma coisa. "A Ana precisa performar", disse.
Essas declarações, junto aos acontecimentos horríveis do fim de semana, parecem uma ilustração perfeita de um relacionamento tóxico. Nesse tipo de relação, em geral, o homem controla, manda, trata a mulher como sua propriedade.
A culpa não é da mulher
Ana foi muito corajosa de denunciar o marido. Entre outras coisas, porque as mulheres acabam sendo culpabilizadas quando fazem isso, ainda mais uma mulher famosa como ela. "Por que ela estava com esse cara?", "Por que ela deixou que ele fizesse isso?" Porque é sobre isso que se trata um relacionamento tóxico, não?
Escuta, quem precisa ser questionado e punido são os homens com atitudes como as de Correa. Como essas pessoas ainda andam por aí, "tratando as mulheres como se fossem lixo" e achando que nada de mal vai acontecer com eles?
Sim, ele achou que iria ficar impune, o que mostra mais uma vez como o machismo está entranhado na sociedade.
Em mensagem enviada a jornalistas, horas depois do crime, ele disse que nada tinha acontecido e que "deviam o estar confundindo com outra pessoa". Ele deve ter achado que, como acontece em muitos casos, Ana não teria coragem de denunciar. Afinal, é difícil mesmo romper com o que parece ser anos de abuso e agressões. Correa disse também, em mensagem ao colunista Leo Dias, que era "um homem de bem e um pai de família".
Homem de "bem" não bate em mulher. Que noção de "bem" é essa? E o que significa ser "pai de família"?, agredir a esposa na frente do filho?
Que tipos como Alexandre Correa sejam punidos. E que não fique tudo por "isso mesmo", como se o que aconteceu fosse apenas uma "briga normal de casal". Não há nada de normal em violência doméstica. E é triste que a gente ainda tenha que lembrar disso em 2023.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.
Autor: Nina Lemos