O papa Pio 12 sabia da existência dos campos de extermínio de judeus construídos pelo regime nazista, indica uma carta de 1942 encontrada nos Arquivos do Vaticano e publicada pelo jornal italiano Il Corriere della Sera.
O documento inédito, datado de 14 de dezembro de 1942, foi localizado pelo arquivista Giovanni Coco, que avaliou que ele servirá para tentar "esclarecer e compreender o terrível período em que Pacelli (Eugenio Pacelli, o nome de batismo de Pio 12) liderou a Igreja". "É um caso único, tem um valor enorme", acrescentou.
Na carta, enviada pelo jesuíta alemão antinazista Lothar König (1096-1946) ao secretário particular do papa, são descritas as atrocidades cometidas pelos nazistas, incluindo a matança de cerca de 6.000 judeus e poloneses por dia no campo de extermínio de Belzec, localizado na Polônia ocupada pelos nazistas. O documento ainda menciona o "campo de Auschwitz" e inclui um apêndice com o número de padres presos no campo de concentração de Dachau, perto de Munique.
Embora as notícias das atrocidades perpetradas pelos nazistas já tivessem chegado aos ouvidos do papa, esta informação foi especialmente importante porque veio de uma fonte confiável da Igreja, disse Giovanni Coco. O arquivista Coco disse que não tem "100% de certeza" de que Pio tenha visto a carta, mas que é possível apontar "99% de certeza" porque ela foi entregue ao secretário pessoal do papa, seu "braço direito".
De acordo com o investigador, a carta também faz referência a outras comunicações e representa "a única evidência de uma correspondência que teve de ser nutrida e prolongada ao longo do tempo" e que chamou a atenção da Santa Sé aos crimes nazistas.
A carta foi encontrada graças ao fato de que em 2 de março de 2020 foram divulgados todos os documentos relativos ao pontificado de Pio 12.
Papel controverso da Igreja Católica na Segunda Guerra
O papel da Igreja Católica na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) continua controverso. O Papa Pio 12, que comandou a instituição de 1939 a 1958, foi acusado por críticos de agir com indiferença ao Holocausto e silenciar sobre os malfeitos de Hitler e Mussolini. Já seus apoiadores afirmam que ele agiu nos bastidores para salvar judeus e outros perseguidos.
No início de setembro, novos documentos indicaram que instituições católicas em Roma, na Itália, abrigaram ao menos 3.200 judias e judeus que fugiam do nazismo. A informação constou em um comunicado assinado pelo Pontifício Instituto Bíblico em Roma, pela Comunidade Judaica de Roma e pelo Yad Vashem, memorial oficial de Israel para lembrar as vítimas judaicas do Holocausto.
Um livro publicado nos Estados Unidos em 2022 por David Kertzer – intitulado "The Pope at War" (O Papa em Guerra) – sugere, no entanto, que as vidas judaicas que a Santa Sé mais se empenhou em salvar eram daqueles que haviam se convertido ao catolicismo ou que eram filhos de casamentos inter-religiosos.
A Santa Sé nunca formulou uma condenação explícita do Terceiro Reich e seu regime durante o papado de Pio 12. Alguns estudiosos argumentam que Pio não queria confrontar Hitler por sua própria oposição ao comunismo ou porque acreditava que as potências do Eixo poderiam vencer a guerra. Alguns também argumentam que ele desejava evitar alienar de milhões de católicos alemães e simpatizantes do nazismo.
Outros historiadores argumentam que a posição da Igreja era delicada, e que Pio pode ter se mantido em silêncio para não prejudicar a ajuda clandestina que várias autoridades católicas vinham fornecendo aos perseguidos pelo regime e por medo de que os nazistas retaliassem os cristãos poloneses após a ocupação do país. Essa também é avaliação do arquivista Coco. "Havia preocupação sobre o que poderia acontecer aos católicos na Polônia, na Europa Oriental, no Terceiro Reich, em todos os territórios sob controle nazista, onde era difícil para a Igreja intervir", disse.