A busca por alternativas de energia mais barata e menos poluente está em ritmo de crescimento acelerado no mundo. O cenário fica mais evidente com as altas nos preços do petróleo e a crise de abastecimento de gás na Europa devido à guerra na Ucrânia. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a Terra vai atingir o seu limite, ou o “ponto de não retorno”, em 2030.
Com isso, a passagem dos combustíveis fósseis para matrizes energéticas renováveis é tratada com urgência – e uma das principais opções para substituir fontes poluentes de energia é o hélio-3.
O isótopo raro do hélio terrestre foi descoberto pelos chineses durante a missão lunar não tripulada Chang’e-5, em 2020. E, de acordo com especialistas, a energia produzida em usinas termonucleares a partir do hélio-3 representaria uma solução para salvar o planeta.
Para compreender a importância do hélio-3, primeiro é preciso entender o porquê ele é tão raro na Terra.
Segundo o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Canal, devido à Lua não possuir uma atmosfera, todo o hélio-3 que vem com os ventos solares são armazenados no solo do satélite natural da Terra.
O hélio-3 é formado predominantemente no Sol, no interior dele, através de reações nucleares. Todas as vezes que existe uma erupção solar, esses ventos levam as partículas pelos planetas. Como a Lua não tem atmosfera e não tem campo magnético, ela recebe todo esse vento diretamente.
De acordo com a Agência Espacial Europeia, dois quilômetros quadrados de área do solo lunar é capaz de fornecer 100 kg de hélio-3. Com isso, seria possível sustentar uma usina de 1 gigawatt por quase um ano, o que vale ao consumo de 500 mil casas.
Qual a diferença entre fissão e fusão Nuclear
A energia nuclear é um tipo de fonte energética produzida por meio de reações que acontecem no núcleo dos átomos de elementos pesados e que alteram a sua estrutura original. Para isso, o elemento mais comum usado nesse processo é o urânio.
A principal forma de obter o calor necessário para alterar o núcleo no urânio é a fissão nuclear. O principal problema desse processo é que, além de ser uma fonte não renovável de energia, mas extremamente eficiente, ele deixa resíduos radioativos, extremamente prejudiciais para o meio ambiente.
Já a fusão nuclear é caracterizada pela junção de um ou mais núcleos atômicos pequenos e estáveis – o mesmo processo que acontece nas estrelas e é nesse ponto que o hélio-3 entra.
Segundo o professor da USP, a fusão nuclear é tida como um “santo graal” no setor de energia, porque possui uma eficácia 10 vezes maior que a fissão, e, com o uso do hélio-3 no processo, ela se torna 20 vezes mais energética.
“A fusão é tida como um santo graal no setor de energia, porque ela tem uma eficácia 10 vezes maior em termos de massa. Se você pegar um gás, misturar hélio-3 e aquecer essa mistura, você vai ter um ganho de energia 18, 20 vezes mais eficiente em termos de produção de energia. Talvez, até 2030, isso estará no nosso cotidiano”, completou.
Mineração de hélio-3 na Lua
O hélio-3 custa cerca de US$ 100 mil por quilo, muito mais caro que o ouro, por exemplo, que vale US$ 61,79 mil. Porém, a viabilidade técnica e econômica da mineração lunar ainda precisa ser comprovada.
Para o professor da USP, o processo de retirada não seria muito diferente do processo de um elemento comum, mas ainda não é economicamente viável para as nações e empresas buscarem o elemento na Lua e voltarem para a Terra.
O processo de retirada do hélio-3 não seria tão diferente do processo convencional. O problema é que não seria economicamente viável gastar dinheiro para ir lá buscar o combustível e depois trazer para a Terra. O preço dessa energia seria muito mais alto do que uma manter termoelétrica.
O atraso do Brasil no estudo da fusão nuclear
Segundo relatório da Organização Internacional de Energia Atômica (IAEA), mais de 130 reatores experimentais de fusão nuclear, públicos e privados, estão em operação no mundo.
O Brasil possui o Programa Nacional de Fusão Nuclear, que tem um cronograma com atividades de curto, médio e longo prazo, com diretrizes definidas na área até 2050. Porém, para Gustavo Canal, que foi inclusive o primeiro autor do programa, o Brasil está décadas atrasado em relação a países como China, Estados Unidos e Índia no estudo da fusão nuclear.
“A gente vai ter o início da construção de um laboratório nacional para estudar fusão nuclear, que vai ficar em Sorocaba, no estado de São Paulo. Então acredito que todo esse contexto da corrida espacial e o mercado lunar são coisas serão muito importantes para o desenvolvimento da fusão no país. Como os países desenvolvidos trataram essa situação há décadas atrás, querendo ou não, estamos algumas décadas atrasados em termos de organização a nível governamental”, finalizou.